Abr 19

Mais logo, fui desafiado a dissertar sobre cidadania europeia

Mais logo, fui desafiado a dissertar sobre cidadania europeia, para quem quer ser cidadão europeu num qualquer cantinho de Portugal. Apenas vou comparar o estado a que chegámos na “republica” europeia com a velha “polis” grega, dizendo que a maioria esmagadora dos europeus não tem plenitude de participação, dado que, na prática, a teoria é outra. Vigora o “apartheid” social, onde só há democracia para alguns, e domina uma espécie de fundamentalismo, onde a oligarquia que gere o super-estado, os da geofinança, da eurocracia e das multinacionais partidárias controleiras, lançam no ostracismo todos os que apenas exigem uma Europa como democracia de muitas democracias, onde não vigore a hierarquia das potências, com povos secundários em regime do protectorado dos bons alunos.

Temos tido uma democracia que exercita os princípios da “polis” grega, mas em termos de sufrágio universal, e de pós-secularismo. Demorou vinte e cinco séculos a desabrochar, desde as conquistas dos direitos do homem como indivíduo, com o estoicismo e o cristianismo, até ao presente sufrágio universal, bem como na longa libertação da política face à teologia, que queria ser ciência arquitectónica. Seria estúpido regredirmos no berço, quando a mesma democracia, com a justiça de sermos iguais, pelo tratamento desigual do desigual, começa a tornar-se num valor universal, onde só pela diferença pode atingir-se o armilar. Urge retomar a Europa como “la nation des nations” (Montesquieu), a caminho da “supernação futura” (Fernando Pessoa).

Presidente Cavaco está convencido que o clima de paz social poderá não manter-se no futuro se os diferentes parceiros não estiverem empenhados em cumprir aquilo a que se comprometeram quando assinaram o chamado acordo de concertação social. Estou a ler, em técnica de espelho, as declarações do supremo magistrado da nação.

Na escola António Gedeão, para discutir cidadania europeia. Com os jovens alunos, definindo a Europa com a bela harmonia da música. Parabéns aos alunos, pais e professores.

Trouxe na lapela, um dos primordiais símbolos da liberdade europeia. O miosótis, de 1934. Serviu para identificar os resistentes ao totalitarismo nazi, de maneira que os nazis o não percebessem.

Foram umas horitas de honrosa participação nas actividades de extensão da escola António Gedeão, em Odivelas, com o meu colega João Ferrão. É bom sentir-me professor com esta mobilização de civismo, sentido de escola e cultura. Bela actuação da Sociedade Musical Odivelense, quase com um século e meio. Com este empreendedorismo comunitário temos futuro:

Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
(Gedeão)

Para acabar o dia, com o símbolo que tentei cumprir.

“Le piège de la haine, c’est qu’elle nous enlace trop étroitement à l’adversaire”

Sempre o cidadão contra os poderes. Alain, que morreu no ano em que eu nasci

“Penser c’est dire non.” (Alain)

Celui-là habitera mieux qui, faute d’eau, séche dans le désert,
en rêvant d’un puits qu’il connaît,
dont il entend dans son délire grincer la poulie et craquer la corde,
que celui-là qui, de ne point ressentir la soif,
ignore simplement qu’il est des puits tendres, vers où conduisent les étoiles.
Antoine de Saint-Exupéry (Citadelle CLXXXVII)

 

Abr 18

Viva Timor do Sol Nascente

De como os grandes líderes desta Deseuropa acreditam no diálogo directo com o seu povo: “…quando percebeu que o seu relógio em ouro branco estava em risco, decidiu tirá-lo discretamente e guardá-lo no bolso do casaco. Tratava-se afinal de um Patek Philippe 5130G, oferta da primeira dama Carla Bruni em 2008 e que, segundo o preço de catálogo da prestigiada marca suíça custará o equivalente a 55 mil euros”. Convém ampliar a imagem para se confirmar a importância dos Açores. Com Z.

Dois chefes políticos lusitanos fizeram discursos sobre as virtudes militares. Um em 30 de Dezembro de 1930. Outro em 28 de Novembro de 1974. É no contexto destas polaridades que deve ser lido o de ontem:

Entre o estadão e o povo, há velhas e permanentes instituições. A igreja. A tropa. A universidade. Os magistrados. Os funcionários públicos. Os sindicatos. Desinstitucionalizá-las é terraplanar a pátria. E não reconhecer que quase todas delas foram a principal fonte da igualdade de oportunidades, contra o conservadorismo da fidalguia, da oligarquia e dos que querem continuar a conservar o que está, em permanente viradeira, mesmo que mudem de feitor (imagem do mais eficaz).

Exemplo de um pombalista que se passou para a viradeira: em 24 de Janeiro de 1777, viviam na Trafaria cinco mil pessoas e Pina Manique, com 300 soldados em faluas do Tejo, incendiou a localidade. Os que não morreram no incêndio foram obrigados a ingressar nas fileiras militares.

Depois de comer uma posta de bacalhau, vejo, na televisão, que vamos todos morrer à fome, porque os chineses estão a comer carne de vaca. Na data prevista para esse fim do mundo, por causa da quantidade de água que cada bife exige para que o bovino o produza, já cá não estarei. Mas, a longo prazo, estaremos todos mortos. O líder do PAN, o Paulo Alexandre Esteves Borges, já o tinha denunciado, aqui. Continuou tudo a gostar de carne picada, bitoque e bifana.

Quando um procurador-geral diz que faltam verbas para determinado processo e a ministerial figura da justiça diz que nunca elas foram pedidas ao ministério, esta última está a cometer o erro de dizer que processos particulares dependem de tais pedidos ao poder discricionário do vértice estatal. O que não deve ser. E se o for, tem deixar de o ser.

Um rei é aquele que pede desculpa: “Lo siento mucho. Me he equivocado. No volverá a ocurrir”. Até o PSOE declara: “ha hecho bien en disculparse”.

O problema não está no enriquecimento ilícito, está no enriquecimento desonesto, o que costuma ser lícito e que o será sempre, se as leis forem feitas por quem lhes quer pôr vírgulas. Embora apetecesse dizer, como Proudhon, que toda a propriedade é um roubo, sempre reconheço que poderemos evitar que essa violência apenas prescreva. Basta evitarmos a emergência e consolidação de novos piratas, incluindo os dos “boys” do “spoil system”, mesmo que as almas de corsário já não usem chapéu de coco, mas apenas colarinho branco e banco.

Chaves, 17 de Setembro de 1961. “É um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados.” (Miguel Torga, Diário IX)

6 de Março de 1975. “Quando formos apenas suporte de figurinos alheios, não seremos nós; quando a nossa voz não passar de um baldio uníssono, seremos escravos; quando nos detestarmos mutuamente, em vez de sadios cidadãos discordantes, seremos irmãos tragicamente divididos. É pois necessário interromper sem demora esta corrida louca que nos leva à perdição”. Miguel Torga, em A Capital.

Fui fundido, mas ainda estarei em fusão até negociações com a governação. Quem o decidiu foi uma coisa que me é estranha, os co-optados pelo poder estabelecido, os de cima e os do lado. Isto é, a coisa é deles, de quem se diz autonomia reforçada, não tenho que me preocupar com essa abstracção chamada cidadania académica. Em qualquer dos casos, é sempre o povo que paga às autonomias e à governação. Eu disso não sei. Só sei que nada sei. Eles sabem-na toda.

A democracia co-optada pela Goldman Sachs. A nova definição do sonho que alguns qualificam como neoliberal. Com tantos notáveis, é melhor não falar mais em justiça. Sempre podemos destruir o mundo.

Abr 17

Sonhei que a Europa voltava a ser o mundo

Hoje vou dizer do sonho que hoje lembrei ao acordar. Banalíssimo. Uma viagem a Roma, onde havia igrejas de Macau, com azulejos, muitos azulejos, um calor de rachar, e gente em mangas de camisa cantando à desfilada. Sonhei que a Europa voltava a ser o mundo, numa praça pública de uma cidade aberta e não o condomínio fechado de uns caquéticos da multidão solitária, com uns subsidiados explicando às criancinhas, da pós-graduação da terceira idade, o que são os Estados Unidos do Brasil, através de um manual de direito hipotecário.

Lema de um certo português que não foi ministro e que perdeu sempre em todas as aventuras políticas em que pensou ser soldado de crenças: – Não fazes ideia o trabalho que me deu chegar pobre até ao fim da vida. Paiva Couceiro, evidentemente.

Um exemplo da minha Europa vem de Bissau, do blogue de António Aly da Silva, no lema que ele invoca: “Uma pessoa com convicção tem a força equivalente a 100 mil que tenham interesses apenas”- John Stuart Mill, filósofo inglês.

Convinha acordarmos do pesadelo antes de ficarmos ocupados de vez pelo narcopensamento dos psicopatas sentenciadores que nos vão drogando.

E não há nenhuma criancinha que berre, em pleno largo da praça, diante da procissão, que o rei vai nú, apesar de montado, no elefante, sem memória, só porque o resguardam sob o pálio dos diáfanos mantos dessa fantasia de não haver alternativa? Qualquer tipo sem palas repara nas vergonhas naturais deste estadão…

Quando o Portugal Velho rodopia em viradeiras, há sempre quem entre em desespero e chame bela ordem exógena ao ocupante, em nome da eficácia tecnocrática da con-Gestão. O falso D. Sebastião da tecnocracia, agora em nome do memorando, tem sempre uma fila enorme de colaboracionistas à espera. Uma receita velha, estafada, mas que vai ter muitas palmas dos habituais gambozinos e emplastros. Eu vos garanto que estou a falar da realidade. Confirmarei a coisa depois do “day after”. Não sou profeta, mas apenas bem informado.

Convinha informar os incautos que o mais Saint-simonista dos líderes lusitanos, o do macadame e do “tramway”, foi quem transformou a liberdade em bancarrota. Chamava-se Fontes…

Junta-se plano da pólvora sem fumo, molha-se em decretino seminarista, com cavalariça a apoiá-lo, e põe-se um qualquer vendedor da banha da cobra a emitir em “excel”. Dá barraca de feira, mas com distribuição de farturas no evento inaugurativo rende, em votos. Pios. E consequentes nomeações como administrador por parte do Estado. Estrangeiro, evidentemente. Até o mar territorial se vende em lotes.

Há palermas que só repararam que foram ocupados, depois de as tropas de ocupação levarem o saque, barra fora, de acordo com a convenção com o chamado libertador, que nos disse vir proteger. Há outros, mais espertos, que passam, de colaboracionistas das primeiras, a governadores do reino do segundo. Continuam a mandar enforcar. Mesmo sem luar.

Há, tradicionalmente, dois partidos em Portugal. Um é o castelhanista, de D. Quixote, contra os moinhos de vento e pela utopia, no sem tempo, pensando ter lugar. Outro é de Sancho Pancha, em cima do burrico, dizendo que há paraíso na terra, porque Deus quer, o homem sonha e a obra nasce. Portugal é do segundo, o da aventura e do pragmatismo. Com lugar no tempo. Aprendi com Jaime Cortesão esta metáfora. Acrescentei-lhe Sérgio Buarque de Hollanda. E umas pitadinhas da Mensagem.

Li, hoje, dois editoriais da imprensa económica. Sobre coisas menos más. Num, fala-se no aumento dos depósitos na banca. Noutro, num acordo de concertação informal que o mundo dos trabalhadores e dos empresários está a executar. Por outras palavras, tem sido o esforço do homem comum. Para completar a mobilização, basta o velho recurso aos emigrantes. Quando é que o Portugal à solta recupera e faz com que o país seja administrado pelo país? Através de um novo contrato social que ponha o país político a ser governado com pilotagem de futuro. Através de quem acredita e faz.

Quando uma voz livre fura o bloqueio, a subversão pela justiça pode frutificar em adequada revolta.

Desculpem a troca intencional do anexo, mas o princípio é o mesmo e o óbvio não precisa de ser demonstrado pelos desmultiplicadores periciais da solução política imediata: Procurador-geral da República, Pinto Monteiro, justificou nesta terça-feira o atraso na investigação do caso da compra por Portugal de dois submarinos à Alemanha com a falta de dinheiro para perícias.

 

 

 

Abr 16

Eu, que me aproximo mais da Cabala que do Corão

Eu, que me aproximo mais da Cabala que do Corão, não acho graça nenhuma a quem não repara que a política consensualizada da República Portuguesa é bastante coincidente com aquilo que, sobre a matéria, tem sido proclamado pelo Bispo de Roma (neste momento, Bento XVI). Ambas as entidades defendem a criação de um Estado Palestiniano que garanta o Estado de Israel.

As quatro parangonas do “i” de amanhã são bem achadas. Os ovos ficam caros para quem os quer atirar aos ministros. A procissão de Mação dói. Ferreira Leite pesa e mede. Louçã continua Francisco. E a venda do mar a retalho, do mar salgado, pode fazer as lágrimas de Portugal:

Não gosto destes anúncios de viagens de intervenção, quase em regime de intervencionismo. A força usa-se. Sem propaganda.Para bem das escolhas populares de Bissau, em cooperacao

O quinquagésimo secretário da reforma administrativa desde que Marcello Caetano, como ministro da presidência, há mais de cinquenta anos, elevou a coisa a direcção geral, promete levar a matéria a conselho de ministros, embora se queixe da avaria dos Magalhães. Nova comissão parlamentar de inquérito já prometeu estar atenta.

O problema da política em Portugal está na rede dos que nela confluem, dos actores, dos guionistas, dos recensores e das claques. Os que vão a tal teatrocracia andam entre contínuos, operadores de reprografia, impedidos e emplastros. E os chefes das comadres e compadres, do país oficial, odeiam que se eleve o nível de exigência, não vá alguém descobrir que, há muito, as chefaturas atingiram o princípio de Peter. É a chamada tirania do “status quo”, ou melhor, a ditadura da incompetência, a dos salazarentos que continuam a usurpar o sistema, julgando que os nomes correspondem à coisa nomeada.

O meu pessoal e intímo desejo é que se cumprissem os princípios gerais de direito, a hierarquia clássica da legalidade, isto é, a lei acima do regulamento, porque seria pedir demais aos politiqueiros e burocratas que acedessem ao Estado de Direito e cumprissem a Constituição. Basta o curto-circuito de uma comichão ornada com o filho do coiso e um protegido do mesmo coiso, para que as viúvas da coisa continuem a propagar o vérmico da contrafacção.

Cá vou meditando na diferença que separa a ética de um militante de causas da ética da razão dita de Estado. Como professor, dessa coisa universitária a quem chamam clube dos poetas mortos, estou sempre do lado do poder dos sem poder. Julgo que apenas tento cumprir o meu dever. O magistério, o que vem de “magis”, nada tem a ver com ministério, o que vem de “minis”.

Todos os golpes de Estado querem ser sempre legitimados “a posteriori”. O 28 de Maio plebiscitou Carmona em 1928. Depois do 28 de Setembro até elegemos um presidente com apenas o voto de um par. E foi preciso o 25 de Novembro para que se cumprisse o voto popular de 25 de Abril de 1975. Noutros pequenos micro-autoritarismos sub-estatais continua a plebiscitar-se o golpe prévio, superiormente ratificado pela conveniência e pela oportunidade. Não é apenas na foz do Geba que funciona o conselho dos oligarcas de ocasião.

Sobre o alerta que ontem emiti, quanto ao Hugo Leal, verdade já pode ser dita: a máquina do Estado português e das instituições europeias parece ter defendido um cidadão, português e europeu, e um universitário, neste caso, europeu.

Convém não darmos tempo de antena a assassinos. Mesmo que sejam da Noruega. Pior ainda: com imagens.

“Pudemos entrar para lhe entregar os medicamentos…Ele está bem como uma pessoa pode estar bem nestas circunstâncias. É uma situação sem dúvida muito complicada para ele.” O candidato a presidente, vencedor da primeira volta. Na Guiné.

No tempo em que havia chefes de posto, os crimes prescreviam quando o chefe de posto chegava a chefe dos chefes de posto e, por postura circular, interpretava a lei e violava o direito, porque nunca soube o que era justiça e achava poética, e pouco política, essa do nem tudo o que é lícito é honesto. No eterno processo otomano, que Hannah Arendt qualificava como governo dos espertos, parece que até devemos agradecer o facto de não termos sido assassinados, embora tentassem. Os chefes de posto mudaram de nome quando um deles foi supremo e procedeu a adequada requalificação de carreiras, como muitas notações, para que, decretinamente, uma coisa seja o regulamento para os amigos e outra para os inimigos. Quem ainda não acredita, confirmará, quando já estivermos todos chagados.

Nos últimos doze anos, há uma diminuição de católicos (de 86,9% da população para 79,5%), duplicou a percentagem de pessoas com uma religião diferente da católica (2,7% em 1999 para 5,7%), assim como cresceu o número de pessoas sem qualquer religião (de 8,2% para 14;2%), um aumento que se sentiu em todas as categorias: os indiferentes passaram de 1,7 para 3,2; os agnósticos de 1,7 para 2,2 e os ateus de 2,7% para 4,1%. Raio de contas: eu não sou indiferente, tal como não sou agnóstico nem ateu. E não integro os de religião, seja católica, ou diferente da católica. Logo, não faço parte dos 100%.

Quando ouço e vejo o palrar dos papagaios, do europeísmo cá-cá-rá-cá, desligo. Prefiro reflectir no paradoxo do golpe da Guiné-Bissau. Cá-cá-rá-cá. “Na primeira metade do século passado, o grande poeta português Fernando Pessoa, inconformado com a situação, no seu país, em que “ninguém sabia que coisa queria, nem conhecia que alma tinha”, convocava o seu país e a sua gente, com um grito que ecoa, até hoje, no coração dos portugueses, nas horas difíceis: “Ó Portugal… é a Hora!”. Quero saber como é que a bota vai bater com a perdigota…

 

Abr 15

Andamos entalados entre a teocracia e o laicismo

A democracia é mero instrumento de voz de um povo. Primeiro, a comunidade. Depois, o regime. O que está em causa é uma guerra de povos e o que deve procurar-se é o mínimo existencial de cada um deles. Para além da guerra. Logo, exige-se a paz pelo direito. O idealismo mais pragmático de sempre. O que mata menos. Estou a falar daquele espaço sagrado que tem Jerusalém como centro de ascensão, para as três grandes religiões ditas do Livro.

Só agora li a entrevista, inteirinha, de Passos Coelho às ditas “páginas amarelas” da revista Veja, concedida ao paulista Duda Teixeira, que bem se preparou para a fazer, posso garanti-lo. Está boa. Para Portugal. Que é o que me interessa. Na mesma revista, uma explosiva reportagem sobre os desenvolvimentos da corrupção no Brasil. Explosiva, mesmo. Apenas concluo: como falta jornalismo de investigação em Portugal.

O grande drama da política, em muitos Estados, como na terra do egípcio Moisés e do palestiniano nascido na gruta de Belém, está na circunstância de andarmos entalados entre a teocracia e o laicismo. Falta coragem para chegarmos ao pós-secular. À conciliação da pluralidade de crenças, das religiões ao ateísmo, no espaço público. Julgo que o Brasil é bom exemplo, nesse exercício de Estado mais metafísico do mundo. Por cá, eliminando antiquados congreganistas e teimosos anticongreganistas, entre caçadores de pedreiros e caçadores de vestes talares, as coisas bem podem melhorar. Se formos mesmo pós-seculares.

 

 

Abr 15

Já agora vou comunicar-vos um pequeno segredo

Há dias em que apetecia dizer aqui, para os amigos que são amigos, o que não posso dizer. Logo, digo tudo, não dizendo nada. Sou um homem do meio-dia e, nos dias de chuva e frio, já fora do tempo, apenas apetece revoltar-me contra a tenaz da meia-noite que nos impõe a ideologia e a regra de ouro. Apenas apetece revolta. E vou manifestar-me na rua. Preciso de ler urgentemente um livro que aqui não tenho e de comprar um periódico da estranja que não há no quiosque da esquina.

Já agora vou comunicar-vos um pequeno segredo: quando tenho muita vontade de fazer uma manifestação em certos sítios inconvenientes, levo um pequeno pedaço de lápis e deixo um microscópico risco com um símbolo muito meu, de eterno adolescente, quase invisível, nos sítios mais solenes, mas nas paredes mais escondidas, seja numa casa de amores, seja num gabinete de estadão. E quando volto, às vezes, muitos anos depois, confiro a marca e a vontade da esperança. Há muito que os não faço, mas já fui buscar a afiadeira e o pedacinho de Viarco. Só outra pessoa pode saber o significado do risco.

Consegui. Os textos em papel que procurava. Para invejar esse escrever-se de quem consegue simplificar a alegoria de transviver. Cada palavra me trespassa e me translaça, nessa magia de friccionar a própria verdade. Vou continuar a ler quem somos, todo o santo dia.

 

 

Abr 14

Reparemos na profundidade das parangonas da tarde

Reparemos na profundidade das parangonas da tarde, misturando-as e servindo-as em todo o seu vazio, porque, conforme a imagem do leme, a pátria nos contempla e não apetece seguir os aperitivos do futebol: anunciou hoje que 600 hectares de terra/ com caráter de urgência/ Godinho Lopes garantiu que o Sporting/ mas admitiu que o futuro da Segurança Social/ ministra da Agricultura/ não tem qualquer envolvimento no caso Cardinal/ nos setores eléctrico e do gás/ o aumento da idade da reforma/ ministro da Solidariedade negou hoje/ Partido Socialista pediu a audição no Parlamento/ para que possam ser aproveitados por jovens/pode passar por um sistema misto/ PS quer diminuir rendas / que esteja a ser estudado/ que restam da “reforma agrária / segunda-feira em leilão.

 

 

Abr 13

“Vai mas é cavar batatas…”

Ex-ministro da Defesa detido por corrupção nos submarinos (na Grécia). Presidente detido e primeiro-ministro atacado num golpe militar (em Bissau). O líder do PS, António José Seguro, disse que o Tratado Orçamental da União da Europeia. “é indispensável para Portugal ficar no euro”.

“Vai mas é cavar batatas…” é plebeísmo correspondente a esta declaração ministerial: Na agricultura “não falta emprego, falta é gente para trabalhar”

Carlos Gomes Júnior apenas está detido pelos militares em Bissau. Menos mau. Um povo que vota merece o nosso respeito, o nosso apoio, a nossa força.

O grande papagaio aprova o tratado.

Da profecia do regime dos bons alunos. Dos que ou comem ou calam.

Recebi comunicação sobre o “impeachment”, pouco collorida. Fui ler. Pode ser o velho soldado que estava ao serviço particular de um oficial, na tropa. Pode dizer-se de um jogador de futebol que está “offside”, ou em fora-de-jogo, e mesmo assim marcar golo, porque o fiscal de linha já não tem força para levantar a bandeirinha e até o leva em padiola. Ou pode ser mais um retrato dos traseiros desta sociedade de corte, em viagem à roda da Parvónia. Prefiro Guerra Junqueiro.

Enquanto o pau vai e vem, rapam-se os queixos e as leis.

Os filhos bananas e as bichas republicanas ou o Estado do Estado

A necessidade aguça o engenho, mas encher a urna de pedras e areia para o corvo debicar dá ilusão que ela está cheia, mas depois do esperto se servir, fica só calhau. Ou a fábula do Estado Social, segundo Esopo: “Sitibunda cornix reperit urnam aqua plenam, sed erat urna profundior quam ut exhauri a cornice possit. Conatur igitur vano molimine aquam effundere, sed non valet. Lectos igitur ex arena lapillulos iniectat. Hoc modo aqua levatur et cornix bibit. Necessitas est ingenii mater.”

A Constituição diz que “não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida” e que “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”. Na prática de certos micro-autoritarismos sub-estatatais, a teoria do ostracismo é outra. Deve ser para comemorarem o 13 de Abril de 1961.

Os portugueses podem, hoje, reclamar que estão no promontório dos séculos: são os mais europeístas da Europa inteira e toda a Europa e todos os Europeus vibraram intensamente com este feito. PS, PSD e CDS aprovaram tratados ditos europeus. Um que cria o MCE (Mecanismo Europeu de Estabilidade) e outro a ECGUEM (Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária). Que Mceecguem! Ou o indo nós, indo nós, a caminho de Bissau…

Releio Bulhão Pato, em testemunho sobre os últimos momento de Alexandre Herculano. Lá estão as últimas palavras do Mestre. Primeiro o
“– Isto dá vontade de a gente morrer.”
Momentos depois:
“– Os de casa, coitados, andam com a cabeça perdida. Dê uma vista de olhos àquilo lá por baixo, para que arranjem a ceia. Veja os melões. Este ano são magníficos.”
Mais adiante:
“– Abram a janela. Quero ver as árvores.”

Confesso que como melões todo o ano, vantagem da globalização, e nem preciso de abrir a janela para estar sempre a ver as árvores, estou sempre voltado para a árvores. Por isso é que podemos viver cada hora como se fosse a última. Desculpem o plágio dos estóicos de quem continuo a ser. Os greco-romanos.

Abr 13

Reuters

“On matters of European policy there is no real opposition in Portugal,” said Adelino Maltez, a political scientist at the Lisbon Technical University. “The Socialists cannot cause any problems. Both the ruling Social Democrats and the Socialists just want to be good pupils in their wider European parties.”

Abr 12

O tempo beneditino do professor

Há um portugalório exotérico, oficioso, patriotorreca, o dos que decretam estórias de cima para baixo, cuspindo no microfone, com pena de já não poderem mandar os dissidentes para a fogueira. Mas há outro, aquele que apenas se vai descobrindo e que resiste, como este:
O meu reino, largo e vago,
Tem um rouxinol e um lado
E constelações no céu:
Tem um barco, um passaporte,
Quatro celtas, um Judeu.

O tempo beneditino do professor nada tem a ver com o curto-prazo dos maquivélicos detentores de um poder que precisa de ser pactado pelas pequenas e médias oligarquias das assembleias das pequenas e médias oligarquias. Os mandarins passam, as obras trabalham-se.

Há um nome sentenciado em 1 de Agosto de 1938, cujo nome está dentro do meu. Uma pequena revolta local contra o poder estabelecido, o espírito da Patuleia e da Revolta do Grelo das gentes de que sou mera consequência. Os foros e costumes que defendiam eram umas regras medievais sobre regas e louvados, contra a interferência do estadão e das espingardas da GNR. Uma questão de ADN.

Regra de ouro, o que é? É assim como o diálogo entre Patolas e Ventoinha, dos velhos Parodiantes: “Sim, Chefe! Contrariado mas vou!”. Para que o presidente Cavaco siga o discurso que fez em Florença contra a actual política europeia. Para que Mário Soares continue a dizer o que muito bem tem dito ao dizer mal. Para que um ex-ministro democrata-cristão dos estrangeiros dos socialistas denuncie o casal Merkozy. Isto é, para que o discurso da bota não bata com a perdigota. E tudo se reduza aos anti-europeístas do costume, como outrora rematou D. Policarpo.

Fui durante um anito lectivo, já há no outro século, gestor de uma cátedra Jean Monnet, numa universidade pública. Acreditava. Era preciso acreditar. Mas depois de algum esforço, de patriótica obediência, depois dessas reuniões de caça-subsídio e turismo científico, lá nas eurocracias do negócio euro-universitário, mais propício a ex-ministros, ouvi de outro catedrático lusitano, bem mais velho, e dos pioneiros na matéria, aquilo que, depois, pratiquei imediatamente: “estou farto do rolo compressor!”. Continuo europeísta, mas contra este situacionismo europeu.

Convinha repetir o óbvio: a grande culpa do nosso endividamento desorçamentado está na engenharia financeira que as regras europeias nos obrigaram a praticar, copiando os grandes, para que se fingisse que não era verdade aquilo que todos sabiam que era uma mentira. Os critérios formais da maastrichtomania são uma das principais causas do presente desastre, com que os irmãos-inimigos do bloqueio do centrão nos enredaram. Não acredito em bombeiros pirómanos.