Depois da provocação do ex-comissário Vitorino, também me apetece continuar a fazer “ruído” sobre a Europa. Dizendo “sim” através do “não”. E repito que, como português, fiel às Cortes de Coimbra de 1385, às promessas traídas das Cortes de Tomar e à solução de autodeterminação pela vontade nacional concretizada no dia 1 de Dezembro de 1640, acredito na Europa como a república universal a que temos direito. Acredito na Europa da respublica christiana como o defendeu o humanismo cristão; acredito na Europa dos ius gentium como o defenderam os estóicos e o humanismo laico dos projectistas da paz. Acredito na Europa que os democratas-cristãos, os sociais-democratas, os conservadores reformistas e os liberais éticos começaram a reconstruir face às últimas tragédias do Leviathan e do Behemot, como as conhecemos na Segunda Guerra Mundial. Não tenho, portanto, medo da Europa. Não tenho o receio atávico de certo conservadorismo britânico, com medo da Invencível Armada. Não tenho complexos do cordão sanitário luterano, como certos nórdicos da Europa enriquecida continuam a alimentar, para não falar nalguns descendentes dos huguenotes franceses que por aí circulam com outros nomes. Julgo que o principal objectivo estratégico pelo qual os portugueses devem lutar é o da descolonização interna da Europa. Que todos façam, sem defenestrações, através da revolução do poder dos sem poder, o que nós praticámos em 1640. Mas sempre através de um conceito de casa comum europeia. Não me repugna, portanto, sacrificar o conceito absolutista de soberania ou a perspectiva geométrica de Estado moderno. Desde que se garantam os reinos, os povos e as nações; desde que se pratiquem as antiquíssimas virtudes da defensão e conservação das comunidades históricas. A União Europeia pode não tornar-se inimiga dos nacionalismos libertacionistas, como alguns europeístas herdeiros do iluminismo geométrico e construtivista andam por aí a proclamar de forma politiqueira. Julgo, pelo contrário, que nem sequer poderá haver autenticidade na construção europeia se a Europa não se assumir como nação das nações, com a consequente auto-determinação das nações proibidas por impérios e pan-nacionalismos europeus. O nacionalismo português, por exemplo, não é irmão gémeo do nacionalismo germânico ou francês. Nós que somos resistência a partir de uma separação, como podemos comparar-nos a nacionalismos que ainda são expansão de certos núcleos étnicos dominantes, através da supressão de certos direitos à secessão ou à diferença, num processo chamado de unificação? Comparar os lombardos com os franceses, os irlandeses com os defensores da Anschluss e os que queriam uma España una, grande y libre, de mar a mar, sin Portugal ni Gibraltar com os que sempre disseram que de Espanha, nem bom vento nem bom casamento, é o mesmo que colocar os nossos sebastianistas como emissários de Olivares ou continuar a dizer, muito estalianiamente, que o nacionalismo ucraniano era agente do nazismo.
Tag Archives: Europa
A Europa dos impérios frustrados
Portugal já tinha saudades dos vibrantes discursos de Pedro, honra lhe seja, dado que começamos a perder a ajuizada vontade do pensar difícil, especialmente quando reparamos que o máximo de socialismo e de catolicismo coincidem nos que também representam o máximo de financismo e de filosofismo, nessas comunicativas personalidades do que está e do que estava, discordando no acordo de serem as duas faces da mesma moeda situacionista. Por isso, poucos se dão conta de debates como o francês, bem como das reuniões cimeiras do rolo compressor da Europa do directório, dessa federação de impérios frustrados que pretendem disciplinar os pequenos e médios Estados que ameaçam escapar ao controlo. Com efeito, a questão europeia só em Portugal é que não está na agenda. Porque começa a tornar-se prepotente este pretenso europeísmo de certos centros estaduais antinacionais, conformados pelas memórias de Napoleão ou pelos II e III Reich, esse métodos carolíngios ou bismarckianos, mais ou menos apoiados pelo vaticanismo que, depois de aprenderem com os erros das derrotas que lhes foram infligidos pelas coligações negativas das resistências anti-imperiais, trataram de usurpar as boas intenções de Schuman e de Monnet, decretando agora tal europeísmo oficioso tão estreito e falsificador como a única maneira de podermos ser europeístas. Reclamando a vitória sobre o sovietismo, conseguiram instrumentalizar, à esquerda e à direita, o grande Bloco Central do interesses, os do Partido Socialista Europeu e do Partido Popular Europeu, bem como os dos neocorporativismoss sindicais e patronais. E, por ironia do destino, parece que as liberdades nacionais estão dependentes do chauvinismo francês que, a pretexto de Frankenstein ou lá o que é… e da recusa de adesão da Turquia, pode, através do “não”, dar aos europeus aquele necessário tempo de pausa que impeça a adopção de certas tolices gnósticas, emitidas pelo grupo capitaneado pelo senhor Valéry Giscard d’Estaing. O que seria uma notícia tão excelente quanto a que permitiu, outrora, a rejeição da UEO. Com efeito, o egotismo gaulês pode, paradoxalmente, permitir que se reformulem as actuais palas do projecto europeu dominante. Porque uma Europa que passe a depender, para o “sim” ou para o “não”, de uma votação conjuntural de mais um, ou de menos um, por cento, é uma Europa que deixa de assentar no necessário vasto consenso ou de uma votação por maioria qualificada. Fazermos depender um passo estrutural dessa dimensão da vontade de uma maioria conjuntural e relativíssima significa que passamos a andar a reboque de uma simples “vontade de todos” e não da necessária “vontade geral”. Por outras palavras, todos os nossos destinos comuns passam a depender de um breve fio de linho, onde tudo varia de acordo com dois ou três sinais de oportunismo reivindicativo e de um complexo de barganhas que pode pôr em perigo o método do sufrágio universal. Ninguém pode construir pátrias, ou grandes espaços marcados pela supranacionalidade, através desses passos de uma mágica aparelhística e eleitoralista. Ganhe o “não” ou o “sim”, no próximo referendo francês, já todos perdemos. E perderemos ainda mais se, como é previsível, soarem as trombetas épicas do euro-entusiasmo ou do euro-cepticismo. Porque, na imediata curva do caminho, o que se decidir num ou noutro sentido pode des-decidir-se meses depois, conforme se satisfaçam, ou não, as reivindicações instrumentalizadoras da ida às urnas, como já aconteceu com a compra de votos, depois do primeiro não dinamarquês a Maastricht. Aliás, se se impusesse um patamar mínimo de participação para a validação dos referendos, poderíamos concluir por uma eventual maioria de indiferentistas, bem superior aos euro-entusiastas ou euro-cépticos. Por outras palavras, tendemos cada vez a sermos cada vez menos euro-calmos, assentes numa contraditória gestão de geometrias variáveis, pouco interessadas na aplicação do princípio da subsidiariedade, quando este reforça os modelos de manutenção das autonomias nacionais.
Europa. Constituição europeia.
Os holandeses rejeitaram a dita Constituição Europeia e um ilustre catedrático lusitano, dizendo ter lido todos os jornais holandeses do dia, mesmo não sabendo neerlandês, tudo explica por causa da xenofobia de extrema-direita e de extrema-esquerda. Isto é, depois dos republicanos franceses, chegou a vez dos monárquicos holandeses, esses nobres fundadores da CECA e da CEE que agora vieram rejeitar as delícias da constituição valéria. Esse europeísmo de pronto-a-vestir, misto de chouriço e banha da cobra, parece não conseguir resistir a simples desafios urneiros. Valia mais que entendesse a simplicidade do conceito de vizinho, de amigo, de compatriota, de português e de europeu. E que não nos tratasse a todos como párias do come e cala, para que o presidente da Comissão Europeia esfregue o olho, pensando na reforma que vai receber quando sair. Caso se mantenha a intenção de dar democracia ao processo de edificação do projecto europeu, julgo que importa assumirmos a necessidade de uma Europa dos homens comuns com signos efectivamente mobilizadores. Esses burocratas e subsidiocratas, higienicamente transnacionais, que se passeiam por aeroportos e programas de propaganda quase colonial, não podem continuar a refugiar-se à sombra dos belos símbolos da bandeira azul das doze estrelas e do hino de Beethoven. Muito menos, devem misturar-se com os politiqueiros que pedem a suspensão do mandato para responderem a processos judiciais ou a confundir-se com políticos reformados que esperam um tachito dourado numa qualquer empresa pública. Estamos fartos de ouvir esses discursos enlatados de ministros que fazem da austeridade para os outros um hino épico de resistência nacional, enquanto todos os dias vão abichando a sua pensão de ex-bancários. Não é por mera xenofobia que tememos alguns dos anexos da Constituição europeia que por aí circulam em denúncia justa: pena de morte em caso de sublevação, insurreição ou “ameaça de guerra”; requisição de cidadãos para trabalhos forçados; prisão arbitrária; vigilância electrónica da vida privada; liberdade de expressão e de informação; clonagem humana. Como ainda hoje li num “mail” privado de um querido amigo: “estão a jogar aos brinquedos com seres humanos que deitam para o lixo e autoproclamam-se humanistas!” Noutro “mail”, de outro silencioso revoltado, posso ler que antigo gestor do PSD “está em grande guerra com o governo por causa da indemnização que exige para sair. Aliou-se com o X que também faz qualquer coisa no Serviço Z e aufere de lá apenas 1600 contos e também diz que não sai se não lhe derem uma certa fortuna”. Por mim, preferia que a Europa fosse como a bela festa dos vizinhos que a minha junta de freguesia promoveu, onde nos fomos conhecendo uns aos outros, neste olhos nos olhos e mãos nas mãos dos homens comuns, sem os quais não há enraizada democracia e confiança pública. Por isso continuo a apoiar uma mudança autárquica na cidade onde vivo. E transcrevo o apelo ao voto no meu candidato a Lisboa, recebido de A.A., porque “quem impugna e impugna sempre alcança; ainda não reclamou de todos nós os juros compensatórios a que tem direito pelo esforço no acto de estar atento; conhece a interpretação do jus gentium; sabe que as obras vivas correspondem à parte submersa das embarcações que não são nem obras novas, nem obras de arte, nem obras mortas, nem obras públicas; é objector de consciência da sociedade quando a esta faltam as convicções profundas no dever de actuar; e finalmente porque tem sido pelo Não tal como se devia fazer no referendo para a Constituição europeia, apenas porque os que vão votar pelo Sim não sabem explicar porque lhes não resta outra escolha. E assim se passeia a democracia na Europa, como se de negócio jurídico abstracto se tratasse!”. Se calhar, para escrevermos Europa por estas linhas tortas, temos de receber inspiração no checo prédio de Gehry que aqui deixo como imagem de meditação. Para os devidos efeitos se comunica que também já fui catedrático Jean Monnet. Fiquei farto dos pretensos filhos de algo. Mas continuo a venerar a nobreza de Jean Monnet.
Nacionalistas e europeístas, precisam-se !
Não gosto de utilizar esta minha coluna de quinzenal opinião para despejo dos meus arquivos de justificação política, mas face à actual questão europeia, não posso deixar de recorrer a um texto que emiti, em Janeiro de 1995, para a Comissão de Assuntos Europeus da Assembleia da República, onde, de forma bastante europeísta, contra eurocépticos, eurocalmos e eurocratas, assumia aquilo que as propagandas do Partido Popular Europeu e do Partido Socialista Europeu continuam a considerar uma espécie de impossível lógico: a conciliação do nacionalismo com o europeísmo.
Repetindo o que então proclamei, volto a dizer que “a Europa que interessa a Portugal é a Europa que tenha uma alma, como dizia Robert Schuman. A Europa que possa recomeçar pela cultura, como acrescentava Jean Monnet.
Porque não haverá Europa se esta não for entendida como uma polis, como um conjunto de cidadãos, onde só é cidadão aquele que participa nas decisões. Mas a polis Europa só o poderá ser se se assumir como o resultado da complexidade das polei que a história gerou, como ânimo comum assente nas comunidades efectivas que a formam e conformam.
Qualquer europeísmo que caia na tentação de criar um super-Estado, uniformizado, centralizado e concentracionário, em nome de um despotismo esclarecido e utilizando a metodologia da Europa confidencial, através da elefantíase legiferante e do regulamentarismo, nada mais faz do que elevar o soberanismo absolutista à escala europeia.
Destruir o soberanismo dos Estados, mantendo-o num centro político supra-estatal é deixar entrar pelo sótão aquilo que pretendeu, em boa hora, defenestrar-se.
Só uma Europa consciente de que os problemas económicos só podem ser resolvidos por medidas económicas, mas não apenas por medidas económicas, pode ser viável e fiel ao ideal europeu.
Isto é, uma Europa que crescer a partir de um mercado único e de uma união económica e monetária, só pode ser diferente dos modelos de free trade, se assumir uma identidade política, se ascender a uma alma, se for mais cultura, mais cidadania e mais política, mas através de uma perspectiva pluralista e poliárquica.
A autonomia política dos portugueses que, desde a sua conformação medieval, esteve na vanguarda de uma construção racional do político através do consentimento comunitário, considerando que só a partir do particularismo, da diversidade e da diferença pode atingir-se o universal, não pode deixar de continuar a ser vanguarda na construção de uma Europa que queira ser unidade na diversidade”.
Os partidos que tentam monopolizar o europeísmo, abusando da respectiva posição dominante e tentando esmagar os que não alinham no respectivo oligopólio, isto é, aqueles que têm entre nós, como simples secções retalhistas, o PSD e o PS, com o PP como satélite, podem dizer que têm com eles o bem e atacar os adversários como agentes do diabo oposicionista. Que fiquem com o respectivo situacionismo político e sociológico, que repartam entre si os milionários subsídios de campanha, os quais não entram nas contabilidades nacionais do controlo do financiamento partidário.
Estes bons alunos de Jacques Delors e da eurocracia têm a ilusão da vitória só porque acreditam que dois terços dos europeus estão cada vez melhores e mais anafadinhos, enquanto pouco lhes interessa a revolta da justiça, nomeadamente daquele um terço de excluídos que constituem os novos povos mudos da Europa.
A Europa que interessa a Portugal tanto não é aquela que continua, por cá, à procura do tempo perdido, quando havia Jacques Delors, Mitterrand, Kohl, Cavaco Silva ou Mário Soares, como a mais recente defunta, aquela jovem senhora oportunista inventada pos Mr. Donald Rumsfeld, a dita “Nova Europa”, agora desaznarizada.
Julgo que talvez valha a pena estragar a paisagem situacionista e fazer como o nosso Zé Povinho diante do rotativismo: Não! Rotativismo e Bloco Central, nunca mais!