Neofeudalismo. Depoimento a O Diabo

Neo-feudalismo

 

10-Abr-2007
«Há em Portugal um neo-feudalismo no controlo da comunicação social». Seja através de telefonemas para as redacções ou pela «via administrativa», os socialistas têm sido alvo de críticas por estarem a pressionar os «media». Para Sarsfield Cabral são preocupantes as intenções legislativas de colocar a Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas «a exercer sanções». Costa Pinto alerta para o perigo de «reacções negativas e de desconfiança» por parte da comunicação social relativamente ao Executivo e Adelino Maltez sublinha que «o Governo não dá condições de liberdade de informação aos homens livres».

IMPULSO irresistível de controlar». É desta forma que tem sido descrita a forma como o Governo de José Sócrates tem lidado com a comunicação social. Nas últimas semanas têm surgido inúmeros episódios que envolvem o Executivo e que têm revelado a forma como os socialistas gerem a sua relação com os jornalistas, tendo o caso mais flagrante surgido com a polémica sobre a licenciatura do Primeiro-Ministro.
«Pela via administrativa, mais ou menos disfarçada, o poder político está a ceder à tentação de controlar a informação». A frase é de Francisco Sarsfield Cabral, director de Informação da Rádio Renascença, publicada no «site» deste órgão de informação. Apesar de todos os meios de comunicação rejeitarem a ideia de que o Governo tem exercido pressão sobre os «media», a polémica continua na ordem do dia tendo, inclusivamente, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) convocado vários jornalistas e o assessor de Sócrates para uma audição na próxima quinta-feira.
A O DIABO os politólogos Adelino Maltez e António Costa Pinto e o director de informação da Renascença, Sarsfield Cabral, falam sobre a tentação do Governo de controlar os meios de comunicação social.

«Não há igualdade de oportunidades»
O politólogo José Adelino Maltez considera que «nas sociedades espectáculo» a existência de um «controlo indirecto»sobre os mecanismos que surgem na comunicação social «são intensos». Afirma que este Governo se caracteriza Porter «um alto grau de profissionalismo e de imagem»: «não há secretários de Estado, directores-gerais ou ministros que não tenham um gabinete de imprensa e de controlo de opinião».
Lembra que, hoje, quando falamos em controlo de opinião «estamos a pensar no regime da censura, dos primeiros tempos do Portugal pós-revolucionário, onde o secretário de Estado da comunicação social fazia o alinhamento do Telejornal». E sublinha que actualmente «tal não se faz porque o verdadeiro controlo não o parece simplesmente porque não deixa rasto».
Maltez recorda ainda que não conhece nenhum Governo «que não tenha tentado controla ra comunicação social» e afirma que «isso é indispensável»e «faz parte da governação dar uma imagem através de formas, muitas vezes, artificiais de propaganda inteligente e naquilo que pode não corresponder à verdade».
Contudo, acrescenta que a questão é outra e que passa pelo facto de no Executivo de Sócrates «a política de imagem ser das mais profissionais que tivemos até hoje em Portugal».
«Essa diferença exerce-se através de circuitos altamente profissionalizados. Este Governo, por exemplo, baseia-se em estudos de opinião que não são conhecidos do público onde há toda uma aparelhagem institucional de alto profissionalismo», sustenta.
No que respeita aos perigos decorrentes desta tentativa do Governo para controlar a comunicação social, e «invertendo o tom dramático», Maltez frisa que os mesmos residem «na verdadeira falta de liberdade de informação». «Julgo que o grande controlador da comunicação não é propriamente o poder público, mas sim os grupos privados de comunicação. Esses, sim, são os perigosos, porque podemos ficar na mão de grupos de comunicação estrangeiros, ou de dois ou três capitalistas que manipulam de uma forma indirecta todo o noticiário económico. É esse o grande perigo que neste momento temos», argumenta.
Adelino Maltez acusa o Governo de «não dar condições de liberdade de informação em Portugal relativamente aos homens livres». «Neste momento, no nosso País, um homem livre não pode dar uma notícia. Todos nós sabemos que não se podem fazer investigações jornalísticas porque os pequenos grupos de comunicação não têm meios financeiros para sustentar uma perseguição que em nome da lei depois seria feita por um determinado número de pessoas, com dinheiros e com processos», critica.
Além disso, o politólogo considera que «não há igualdade de oportunidades quanto à liberdade de expressão de pensamento»e exemplifica com as diferenças que existem entre as investigações na «blogosfera» e dos jornais. «O caso da licenciatura de José Sócrates já há mais de um ano corre na “blogosfera”. Passou para o jornal quando foi conveniente ao patrão desse jornal tramar o Governo porque este não lhe deu o que estava à espera que desse», frisa, sublinhando que «há um neo-feudalismo claríssimo em termos de controlo da comunicação social».
No que respeita ao facto de a ERC ter chamado vários jornalistas e directores de meios de comunicação para esclarecer a questão das pressões do Executivo sobre alguns profissionais, Maltez diz que «o problema não passa por uma entidade reguladora», mas sim pela «existência de igualdade de oportunidades», algo que «não existe neste País».

«Sanções só nos tribunais»
Sarsfield Cabral, director de Informação da Rádio Renascença, diz que mais preocupante que os telefonemas do Governo para as redacções são as intenções legislativas no que respeita a colocar a Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas a «ter poderes de fiscalizar e de aplicar sanções». «Se houver sanções elas devem ser aplicadas pelos tribunais e não pela Comissão da Carteira», defende.
Contudo, garante que o Executivo socialista «tem uma forma muito eficaz de lidar com a comunicação social», sobretudo no «timing» e «nas acções de propaganda que promove». «Se interferem ou não em órgãos de comunicação social, nomeadamente públicos, não sei. Mas o facto é que realmente existe a tendência de controlar por outros meios», refere.

«Efeito ricochete»

Para o politólogo António Costa Pinto o controlo da comunicação social é, apesar de tudo, «limitado» já que «uma parte muito significativa da comunicação social é privada e dificilmente controlável».
No entanto, reconhece que «este Governo tem sido mais eficaz e profissional». «Na realidade, até agora, tem havido uma boa gestão da comunicação e dos contactos com a comunicação social», sublinha, lembrando que «o único antecessor deste Governo nos contactos com a comunicação social foi o do professor Cavaco Silva, que também tentou, com alguma eficácia, gerir e evitar a comunicação social».
Costa Pinto adianta que «governar hoje em dia é cada vez mais o tentar passar uma mensagem que, muitas vezes, nem sequer é o acto mais importante da governação» e lembra ser «natural que o Governo tente, sobretudo, nas medidas mais inócuas, fazer passar uma mensagem positiva».
Quanto aos perigos que podem resultar de tentativa de pressão governamental sobre os «media», afirma que «o que pode acontecer é que a comunicação social pode começar a ter uma reacção negativa e de desconfiança à estratégia governamental». Exemplifica com o caso das habilitações do Primeiro-Ministro e lembra que «são este tipo de ricochetes que podem surgir». «Há uma altura da governação em que a conjuntura se altera, independentemente até da circunstância económica ou das boas ou más medidas governamentais, os chefes das mensagens do Governo pode provocar ricochetes», conclui.

ANA CLARA | O DIABO | 10.04.2007

 

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