Polícias de ideias, nunca mais!

Apenas estamos a assistir à tradução em calão de movimentos exógenos, como consequência da própria integração europeia, invocando-se nacionalismos estrangeirados, contrários à ecologia da pátria portuguesa e até ao próprio ideário do autoritarismo salazarista, que proibiu os nacionais-sindicalistas e mandou a PIDE em 1945 caçar os nazis que aqui se encontravam exilados. Salazar nunca perdoou o que eles fizeram ao seu companheiro de ideias austríaco, Dolfuss. Não podemos tratar, como questão ideológica, um simples caso de polícia e eventuais crimes de uso de arma ilegal ou de discriminação racial. A polícia deste Estado de Direito deve continuar a tradição que levou Otelo à prisão, não por ele ser esquerdista, mas por associação criminosa, de que foi amnistiado, com um juiz que era camarada ideológico dele a cumprir o seu dever. Aliás, mesmo hoje, pode haver um juiz de convicções fascistas que persiga criminosos, não por eles serem fascistas, mas por serem criminosos. A ETA em Espanha é perseguida, não por ser socialista revolucionária, ou independentista, mas por ser terrorista. Já não está em vigor o conceito sovietista de contra-revolucionário, com direito a ingresso no Gulag, ou o conceito hitleriano de Gegenreich, com bilhete para o exílio ou para o campo de concentração. A sociedade pluralista e aberta do actual Estado de Direito assenta em valores que têm como adversários a intolerância, o fanatismo e a ignorância, mas nem por isso pode proibir ideias que defendam a intolerância, o fanatismo e a ignorância. Porque houve ilustres filósofos e pensadores adeptos do totalitarismo no século XX e seria estúpido passá-los pelo silêncio. Porque a sociedade demoliberal costuma reciclar os seus inimigos. Os do século XIX, dos socialistas ao clericalismo, passaram a sociais-democratas e a democratas-cristãos, e trataram de ser os principais gestores do modelo depois de 1945. Para, nos finais do século XX, antigos comunistas se converterem ao pluralismo (veja-se o PDS italiano e os nossos ex-PCP e ex-MRPP), ou antigos neofascistas passarem a pós-fascistas (veja-se o caso de Fini e de analogias lusitanas do mesmo teor) , ambos como ilustres ministros de governos do pluralismo democrático na Europa Ocidental. Seria estúpido que caíssemos nas armadilhas de certoscaça-fascistas, para quem um extrema-direita até pode ser um conservador maçon como Churchill, o tal que liquidou o nazi-fascismo, ou um integrista teológico como Karol, depois João Paulo II, que derrubou os muros. Os segredos da liberdade têm que ser geridos pelos liberdadeiros e não pelos herdeiros da Inquisição ou dos moscas do Intendente.

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