Voltando às pedradas no charco, posso observar que quando Cravinho estabelece a clássica lei do preconceito de esquerda, segundo a qual uma governação liberal, mesmo que neo, ainda por cima assumida por governantes socialistas e sociais-democratas, promove a corrupção do chamado Bloco Central de interesses e trata de apelar ao regresso à ideologia, identificando-se com o socialismo de esquerda, acaba por entrar em mera retórica de um vicioso silogismo. Em termos de linguagem de comadres, bem doméstica, eu poderia sublinhar que, desde os inícios da democracia pós-revolucionária, o situacionismo sempre foi um casamento de conveniência entre a esquerda moderna e a direita dos interesses, com a segunda a entender que os seus melhores feitores são os políticos mais à esquerda do estado a que chegámos, da mesma maneira como os interventores da CIA durante o PREC sempre preferiram instrumentalizar os MRPPs. Não me apetece ir por aí. Prefiro notar as estatísticas comparadas da “Transparency International” e observar que quanto mais consolidadamente demoliberal é um regime, menor é o indíce de percepção da corrupção e mais eficaz é a punição judicial do corrupto. Porque melhores são a prevenção e a repressão de tais actividades de compra de poder. Do mesmo modo, quem ocupa os lugares da cauda são os regimes onde os antigos partidos únicos marxistas-leninistas passaram a liberais globalizadores pelo discurso, mas a cleptocráticos na prática, mesmo que o ministro, que foi estagiário do KGB, tenha agora dois seminários de transição para a democracia e quatro conferências de Hayek e Von Mises. Com estas bicadas, não queremos desvalorizar a coragem analítica do antigo governante de Vasco Gonçalves e do PS, também antigo e distinto colaborador da governança tecnocrática de Marcello Caetano e autor de pós-revolucionários projectos proteccionistas de substituição das importações na fase pré-europeia e pré-globalizadora da nossa democracia, rigorosamente vigiada pelo FMI. Por mim, se aceito alguns dos erros que ajudou a cometer, nomeadamente certos elefantes brancos que nos continuam a agravar o défice, nem por isso deixo de louvar as suas bem intencionadas estratégias de investimento público. Tal como louvo a sua attaliniana conversão à economia de mercado. Apenas pretendo recordar que não há apenas liberalismos processuais e por mera conclusão bancária. Há também concepções liberais do mundo e da vida, feitas de normas morais, princípios e valores, que tanto rejeitam um Estado de Favores como rimam com a Justiça, combatendo efectivamente os processos de compra de poder. Especialmente em espaços políticos com um pedacinho mais de autenticidade do que aquele nosso universo bem caseirinho, onde, na prática, os socialistas e sociais-democratas transformaram a prática na teoria do nem carne nem peixe, com alguma água benta de seita catolaica ou leninista à mistura.
Out
09