A tal Europa a que chegámos não passa de mera política internacional, onde os diplomatas são mais importantes do que os políticos e onde os tecnoburocratas controlam os próprios diplomatas. Melhor: é política internacional higienicamente afastada dos povos, talvez porque os chefes sabem que os povos já não confiam nos políticos, para que os políticos desesperem dos diplomatas, os quais, por seu lado, se pensam os únicos políticos profissionais, mas para que todos temam o excesso de poder dos funcionários. A Europa deixou de ser um sonho, convertendo-se numa espécie de circuito integrado de alguns tratadores e tratantes, numa espécie de modo de vida neomaquiavélico, entre eurocratas, grupos de pressão e subsidiados, todos esquecidos da política como religião secular. É portanto natural que Putine chegue hoje a Lisboa e venha ao Palácio da Ajuda inaugurar a bela exposição dos czares no nosso Palácio da Ajuda, entre Pedro, o Grande, e Nicolau II. Política internacional também seria José Sócrates oferecer a Putine uma biografia de Gomes Pereira Freire de Andrade e Castro (1752-1817), com textos de Raul Brandão. O tal que tendo alcançado licença para servir no exército de Catarina II, em guerra contra a Turquia, partiu para a Rússia. Em São Petersburgo conquistou as maiores simpatias na corte e da própria imperatriz. Na campanha de 1788-1789, comandada pelo príncipe Potemkin, distinguiu-se nas planícies do Danúbio, na Crimeia e sobretudo no cerco de Oczakow, sendo o primeiro a entrar na frente do regimento quando a praça se rendeu em 17 de Outubro de 1788, depois de cerco prolongado. Praticou muitos actos de bravura, sendo aos 26 anos recompensado com o posto de Coronel do exército da imperatriz, que em 1790 lhe foi confirmado no exército português, mesmo ausente. Política internacional seria Sócrates dizer ao novo czar que o mesmo Gomes Freire, foi um dos principais líderes da célebre “Légion Portugaise” de Napoleão e que esta também esteve na malograda entrada do usurpador na Rússia. E contar-lhe que, em 1816, o mesmo Gomes Freire, a quem chamávamos o general russo, foi eleito Grão-Mestre da Maçonaria portuguesa e tornou-se a «alma» de uma conspiração contra o Marechal Beresford, oficial que administrava Portugal sob mão de ferro e com a ajuda de um primo do grão-mestre, Miguel Pereira Forjaz , como se tratasse uma colónia inglesa, despertando grande descontentamento junto dos oficiais e intelectuais portugueses. A 25 de Maio de 1817, em estado avançado dos preparativos da insurreição contra Beresford, Gomes Freire foi preso conjuntamente com outros 11 conspiradores, por denúncia de três maçons (três traidores, como na Lenda do 3.º grau…), José Andrade Corvo de Camões, Morais de Sarmento e João de Sequeira Ferreira Soares. Gomes Freire de Andrade foi enforcado por ordem do Marechal Beresford no cadafalso na Torre de S. Julião da Barra e os demais no Campo de Santana, hoje denominado, em sua memória, Campo dos Mártires da Pátria. Segundo narra Borges Grainha, um dia antes da execução um coronel inglês, Robert Haddock, visitou o Grão-Mestre na cadeia e ofereceu-lhe como irmão a oportunidade para a fuga. Gomes Freire recusou a oportunidade!
Out
25