Dez 14

Reflexões sem conjuntura, para quem quiser enfiar a carapuça

Quase todos os dias, tento resistir aos velhos fantasmas que tive e talvez ainda tenha sob a forma de preconceitos, sobretudo contra as categorias políticas que considerei inimigas. Quase todos os dias, tento educar-me, procurando distinguir certos “ismos” das pessoas concretas que os enquadram e servem. Pelo menos tento reconhecer que, entre os meus, há tão maus exemplos pessoais quanto nos meus antigos, ou presentes, adversários. Os homens não se medem pelos redutores “ismos” com que os classificam. Todos somos imperfeitos, sobretudo na falta de autenticidade. Mas isso não me impede a revolta contra certas bestas que nos querem oligarquizar. Nem o agressivo combate espiritual por minhas crenças, valores e princípios, os da minha perspectiva, da minha concepção do mundo e da vida, ou da minha própria irmandade. Lamento sempre não ter partido. Não tenho sequer o partido dos sem partido, com que se costumam vangloriar os chamados independentes, os que estão sempre à espera que os contratem, para um qualquer estágio de adesão à partidocracia, período em que demonstram o máximo de facciosismo, nomeadamente quando cantarolam o seguidismo face a um qualquer novo príncipe do populismo das elites, mesmo que não chegue a césar de multidões.

Dez 14

Lançamento do Abecedário Simbiótico

 

No famoso políptico do século XV atribuído a Nuno Gonçalves, conhecido como Tábuas de S. Vicente de Fora e existente no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, reencontramos o tema do «livro ocluso»: no painel central da direita, a que António Quadros chama «Painel da Missão das Ordens de Cristo e de Aviz» (Quadros 11-1987, 173 segs.), o Hierofante tem o «livro ocluso» debaixo do braço, além de empunhar a vara simbólica da Iniciação: é o tempo passado e presente dos mistérios por abrir; no painel central da esquerda, «Painel da Aliança no Espírito Santo» (Quadros ibidem) o Hierofante já apresenta o livro aberto, o Evangelho de João, onde Jesus anuncia a vinda futura e desveladora do Paracleto (João 14, 16.26; 15, 26; 16, 7) – a verdadeira História do Futuro de que se haveria de encarregar António Vieira. Não deixa de saltar à vista, para quem contemple os painéis no seu conjunto, tal como se encontram agora, a organização hermética dos três grandes grupos humanos que os integram, num total de 60 personagens: o grupo de pessoas de negro («obra em negro» ou nigredo), o grupo de branco(«obra em branco» ou albedo) e o grupo de vermelho («obra em rubro», ou rubedo). Destaca-se, neste último, a majestosa figura do Hierofante, totalmente vestida de vermelho em suas duas aparições, que Lima de Freitas identifica com il Messo di Dio, o que virá como «Consolador», ou Paracleto (Freitas 2003, 303-312): com efeito, o vermelho é a cor simbólica do Espírito Santo, tal como o azul é a do Pai e o amarelo-dourado a do Filho.

 

 

 

 

 

 

É possível semear no tempo que passa. Só atingimos a essência pela existência e só podemos aceder ao eterno pelo fugaz do dia a dia.

 

Os templos não são do céu. Têm as fundações no magma que vai crescendo por mim dentro.

 

A vida é o máximo de além vida que nos permite ascender.

 

Para nos diluirmos na corrente de vivermos uns com os outros em cadeia de união.

 

Quando alguém ,por acaso um antigo aluno aqui presente, me deu a adequada explicação da capa deste livro, eu próprio me comecei a interpretar a posteriori.

 

Aliás, não é por acaso que não trago a origem da ilustração da capa na presente edição.

 

Porque a ela acedi por mera adesão íntima, de emoção estética e compreensão poética, na linha do título do recente livro de Steiner, “The Poetry of the Tought”.

 

Nunca o fiz por comunhão de especialidades alquímicas, cabalísticas ou esotéricas.

 

Apenas confirmei que a poesia pode ser mais verdadeira, no sentido de mais filosófica, do que a própria história.

 

Confesso-o, aqui e agora, com toda a humildade de quem se sente mero elo de uma corrente que ninguém sabe de onde vem, nem para onde vai.

 

Nem sequer tenho aquela erudição esotérica, capaz de articular segredos e símbolos, perdidos no livro ocluso.

 

Por minhas mãos apenas escrevo um livro que na verdade não sei nem tenho de saber.

 

Os mistérios antigos, os que nos podem dar futuro, não são passíveis de adequadas engenharias reconstrutivas, mesmo que possam ser despertados pelos rituais.

 

Apenas quero inscrever-me como soldado das velhas religiões e heresias. E confesso que já era herege antes de me reconhecerem como tal.

 

Até não passo de eterno aprendiz, mesmo depois dos decretos e cânones do Estado me titularem no terceiro e último grau do chamado universitarês.

 

Tenho pelo menos aquela sabedoria daquele que sabe que só sabe que nada sabe.

 

Pelo menos, mereço que a perfeição me reconheça como autor de obras imperfeitas e que, por isso mesmo, procuram a imperfeição.

 

Já agora, uma confissão. Orgulho-me de fazer parte de uma sociedade secreta iniciática que teve a sua saída da caverna no ano de 1140.

 

Pretendo continuar obreiro desse grito de nós somos livres, numa pátria livre. E estarei com todos aqueles que queiram continuar a resistir a um qualquer merceeiro da geofinança que nos queira extinguir, mesmo que seja ministro do reino por vontade estranha.

 

Porque D. Afonso I ou D. João I também não percebiam nada de finanças, nem consta que tivessem biblioteca. Como aquele palestiniano que as únicas palavras que escreveu foram sobre a mobilidade de um qualquer pó de terra.

 

E as pátrias, tal como todos os filhos do homem, nesta terra de homens, podem alcançar o direito a seu voltar, quando se der a regeneração que lhes permita ascender. Quando quiserem vencer a lei da morte e assumirem que cada um as pode regenerar em suas vidas terrenas.

 

A esperança é como essa esfera que tem eixo em cada um dos homens em seu indiviso, mas que são do todo quando crescem por dentro.

 

Por enquanto apenas sabemos que podemos caminhar para o eterno. Alguns, os que nacionalizaram uma tendência importada de 1717, chamam Oriente a tal lugar comum da civilização, desde 1802.

 

Mas só o podem dizer, não por causa da invocação de outras lendas e livros sagrados, quando as letras não matarem o espírito.

 

Como, depois de nós, outros irão dizer, caso não confundam os nomes com as coisas nomeadas, nesta raiz do mais além, onde continuamos a procurar. Porque esse navegar é preciso para que o sobreviver apenas seja o suficente para a luta pela vida, isto é, pelo necessário.

 

Se soubermos ser homens de boa vontade.

 

Isto é, de uma comunidade pelas coisas que se amam. Mesmo que continuemos a fazer amor através das próprias palavras que dissemos e por vezes já não lembro.

 

Porque o máximo de espírito que podemos atingir é quando, depois de um acto de criação, adormecemos a conversar, para sonharmos.