Andam muito agitadas as hostes situacionistas e oposicionistas, principalmente depois de uma alegada e inspeccionável actuação policial preventiva junto de um sindicato que prometeu, e tem praticado, protestos contra o chefe do governo, mas que este tem qualificado como insultos, vindos dos comunistas. Por mim, não me aflijo com esses bailados discursivos e julgo que a coisa tem mais a ver com o estilo do nosso Primeiro, dotado de um temperamento que o faz aproximar de um dos mais insignes democratas do século XX: Afonso Costa. O tal que, apesar de, demagogicamente, chegar a citar Karl Marx, em plena revolta dos abstecimentos de 1917, foi generosamente cognominado pelos activistas operários da época como o “racha-sindicalistas”. Julgo que não estamos nesse ano de fome, pneumónica e grande guerra, até porque não parece que voltem aparições em Carnaxide ou na Serra de Aire, nem que um dos partidos da oposição democrática prepare um qualquer golpe dezembrista que leve Sidónio Pais ao presidencialismo, apesar dos apelos de Medina Carreira e dos relatórios do SIS sobre as infiltrações do alvará do partido eanista no partido de Manuel Monteiro. Em 1917 ainda não havia secretas dessas, detectando que o latifundiário Fernandes, do tal partido de Brito Camacho, subsidiava um golpe anti-afonsista… As invocações do fantasma repressivo do salazarismo não passam de mera literatura de justificação de situacionistas e oposicionistas, e não se vê rasto de uma qualquer Legião Vermelha, com o seu Bela Kun, a promover atentados contra o chefe da polícia republicana, o coronel com familiares de hoje na Lusoponte que há-de lançar a secreta do 28 de Maio e ter como adjunto um tal Agostinho Lourenço, o célebre institucionalizador da PVDE, exactamente o mesmo que veio da democracia para a ditadura, porque era um bom tecnocrata destes meandros. Isto é, de uma democracia irritada, quando as forças vivas lutavam contra o governo e o proletariado ia aplaudi-lo ao Terreiro do Paço, enquanto a classe média ficava entalada entre o camartelo daqueles milionários e a bigorna do proletariado (Rocha Martins, o jornalista monárquico manuelino, que a partir do “República”, se torna no “fala o Rocha, fala o Rocha, o Salazar está à brocha…”). A PIDE é do pós-guerra, já aliada dos aliados, e até começou por prender os nazis que aqui estavam exilados… Estas comparações da intimidade da nossa história contemporânea que me vieram das imagens televisivas são certamente provocadas pelo trabalho de casa que vou fazendo, porque, no próximo sábado, estarei na Biblioteca Municipal de Sintra, a ter que apresentar uma tese sobre a relação de Salazar com o pensamento político da direita desse tempo, em confronto com o Professor Doutor António Reis, que vai fazer a apresentação inversa, na relação com o pensamento de esquerda. Vale-nos que nas campanhas de Quintão Meireles, Norton de Matos e Delgado, pensadores políticos de direita e de esquerda estiveram juntos contra um regime que não era de direita nem de esquerda, mas que nos suspendeu a política durante meio século. Por mim, não quero repetir as causas que o geraram. Nem com novos democratíssimos e racha-sindicalistas. De outra maneira, o primeiro secretário-geral do PCP, Carlos Rates, ainda pode vir a aderir ao Estado Novo dos viracasacas e dos troca tintas… Por isso, ouvi atentamente o meu amigo José Miguel Júdice, ontem na SIC-Notícias, já na qualidade de tão independente como eu, embora me tenha libertado do compromisso, depois de brevíssima ilusão de coisa nova, já lá vão três anos, recindindo-a pela justa causa que hoje se torna patente. Confesso que o compreendi, apesar de antiquíssimas divergências. Sempre preferi a revolta à revolução e a tradição à ideologia, mas nem por isso deixei de saudar os primeiros dias de Abril, embora sem ter as ilusões dos grupos que, então, se foram gerando. Só voltei a acreditar e a aderir a um quando o Francisco Lucas Pires teve a ilusão de refundar o CDS, para logo o largar quando voltou o Diogo. Por isso relativizo esta fúria de menezistas e socrateiros e continuo a assumir a revolta para servir a tradição, longe dos neoliberais que não são comunitaristas, e dos neoconservadores que se tornam reaccionários, ou clericalistas.