Mais um dia, mais uma insuportável dor, sempre que tenho que aturar o quotidiano deste governo dos espertos, onde, em defesa dos altos hierarcas, nomeados por favor político ou por cunha do chefe, da facção, da seita e, sobretudo, da congregação, o que o príncipe diz é o que tem valor de lei (“quod princeps dixit legis habet vigorem”), e onde o príncipe está isento da própria lei que faz para os outros (“princeps a legibus solutus”). Mas onde há outros que são de primeira, os da sociedade de Corte e os apoiantes da nossa lista vencedora, e outros que são de segunda, os derrotados, os que estão sujeitos à tolerância zero de um Livro V das Ordenações, onde continua a ser crime pôr os pés no chão. Porque as Viradeiras têm sempre os seus intendentes que acumulam o cargo com a administração das alfândegas. Que às segundas, quartas e sextas são polícias do pensamento. E às terças, quintas e sábados, ilustres tecnocratas. Para, no domingo, agradecerem ao senhor, na ressaca da orgia da vépera. Todas as Viradeiras têm os seus pines e os seus manicas, onde eu-pine, Pombalista, e de esquerda, posso arrassar o povo da trafaria, porque, sendo da seita, não posso ser contra o povo, e onde eu-manica, todo marianista, recordado dos tempos da bentina semineira da ungitura e da tonsura, posso mandar o mafarrico do marquês para o desterro, porque o novo chefe me mandou refazer o pino e manicar noutro louvaminheirismo e sempre vai sendo tudo no outro e neste regiminho. Mais um dia de insuportável dor, especialmente quando ontem contava as verdades da persiganga a um ilustre hierarca deste regime, dado ao sincero pluralismo, autêntico defensor do Estado de Direito, e realmente pouco solidário com as espertezas da administração colonial otomana, mesmo quando assume a dimensão de vizir. Porque ele me dizia que tais realidades que lhe descrevia só poderiam fazer parte da ficção. Quando lhe mostrei as provas, preto no branco, facto sobre facto, comparando-as com a prática salazarenta , ele apenas confirmou: agora, de facto, é bem pior. Ao menos, a lei de antigamente dava cobertura à hipocrisia…
Daily Archives: 10 de Setembro de 2008
Pedroso contra um PS tímido, reverente e preconceituoso
Acabo de ouvir extractos da entrevista de Paulo Pedroso que a TSF vai emitir esta tarde. Apenas saliento que ela equivale à entrevista de Menezes a Mário Crespo, marcando o regresso da luta política e anunciando a hipótese de uma nova dialéctica dentro de um PS, farto de certos moralismos que Pedroso qualifica como “conservadorismo”. Por outras palavras, verifica-se que regressa um dos principais líderes de um PS de esquerda, disposto a pescar nas águas dos antigos votantes PS que têm mostrado preferências nas sondagens pelo PCP e pelo BE. A maneira pouco preconceituosa como falou na eventualidade do Bloco Central revela como, às vezes, faz bem certa travessia do deserto. Esperemos que seja, agora, dada voz a outros socialistas, como, por exemplo, António José Seguro, libertando o partido das cangas dos fidalgotes e dos muitos mandarins da rede de micro-autoritarismos sub-estatais.
Não estranhem, habituais leitores, que nada tenha dito sobre os recentes meandros judiciais que envolveram Pedroso. Sobre a matéria, já disse tudo, e bem antes, aquando da prisão de Paulo Pedroso e dos testemunhos pessoais e silenciosos que lhe manifestei, como era meu dever, sofrendo das incompreensões dos que preferiram transformá-lo em bode expiatório. Como nunca votarei nas suas ideias, tenho toda a legitimidade para o reconhecer como um elemento imprescindível à dinâmica política de um regime que ficou empobrecido com os episódios que o marginalizaram, levando a que o cinzentismo bonzo, dito tímido e reverente, tivesse enredado um partido fundamental para a liberdade portuguesa.
Quando o debate sobre o socialismo democrático empolga grande parte da esquerda europeia, seria estúpido que, por cá, a esquerda preferisse o ritmo salazarento daquilo que qualifico como viradeira. Já nos chega uma direita marcada pela feudalização das personalizações do poder e a quase total ausência de um centro excêntrico, bem radical, mesmo quando assume aquilo que alguns qualificam como coragem de esquerda para se assumir como direita.