Nova cena do teatro de enganos

NOVA CENA DO TEATRO DE ENGANOS

Por José Adelino Maltez

 

“Na eterna mentira de todos os deuses, só os deuses todos são a verdade”

Fernando Pessoa

 

 

Quem ousar espreitar uma obra publicada anonimamente em 1652, com o subtítulo “Espelho de Enganos, Teatro de Verdades, Mostrador de Horas Minguadas, Gazua Geral dos Reinos de Portugal”, poderá ler que “a primeira máxima de toda a política do mundo que todos os seus preceitos encerram em dois, como temos dito, o bom para mim e o mau para vós”. Porque se aceita a regra de “viva quem vence. E vence quem mais pode, e quem mais pode tenha tudo por seu, porque tudo se lhe rende”. O autor continua por achar e a obra tem como título principal “Arte de Furtar”. Apenas se confirma que, quando a política entra em degenerescência, torna-se cada vez maior a distância entre aquilo que se proclama e aquilo que se pratica, especialmente quando domina o que Raymond Abellio considera “uma ciência, a da mentira por sugestão”, isto é, a propaganda. Aqui e agora, neste regime de condomínio fechado, onde os principais donos do poder moram em vivendas geminadas,  com telhados de vidro e muitas pedradas mútuas, apenas podemos recordar a lição de Justus Lipsius (1547-1606), o fundador da razão de Estado moderada, em  Politicorum, de 1589, onde assinala que há três categorias de fraude política: a “ligeira”, consistindo na desconfiança e na dissimulação, aconselhável a qualquer estadista; a “média”, incluindo a corrupção e o engano, apenas tolerável; e a “grande”, desde a perfídia à injustiça, considerada injustificável e absolutamente condenável. A obra, que foi posta no Index pelo papa Sisto V, em 1590, porque o autor era protestante, logo passou a doutrina oficiosa desse universo a partir 1596, tornando-se num “best seller”, com cerca de quarenta e cinco edições durante a vida do autor.  Na prática, a teoria continua a ser a mesma.

 

 

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