Ao ver uma imagem de uma carrinha das bibliotecas itinerantes da Gulbenkian no seu blogue, explodi em memórias e, ao correr da tecla, quero declarar que muito de quem sou culturalmente, o devo a essa lata com rodas que ia visitar a minha terra, uma pequena vila sem direito a concelho a dez quilómetros de Coimbra, onde nos anos sessenta tive o direito a formar-me, graças aos conselhos de um notável bibliotecário-motorista, cujo nome não registei, mas que pegando num miúdo de dez anos me orientou bibliograficamente até à minha entrada na Universidade. Graças a ele, formei-me em marxismo quase clandestinamente logo aos catorze anos, o que foi uma adequada vacina, e talvez uma desilusão para o formador, mas agradeço, sobretudo, a perspectiva estética que me deu, sobretudo o Arrabal e a fundura daquele magnífico boletim inspirado por António Quadros que me trouxe a filosofia portuguesa, o Leonardo Coimbra, o Álvaro Ribeiro e o Agostinho da Silva. E eis como o meu bibliotecário, misto de surrealista e marxista, produziu em mim uma complexidade formativa deslumbrante, bem como o acesso a um mundo de sociedade aberta que as janelas e as portas fechadas do salazarismo elevavam à esquizofrenia. Bendita biblioteca que a tantos fez este bem de nos dar a liberdade de escolher. Bem gostaria de saber o nome de tal benfeitor, para o homenagear. Se alguém me souber dizer quem era esse empregado da Gulbenkian que percorria a zona rural de Coimbra nos anos sessenta, agradecia.
Mar
07