Neste dia de São Martinho e de seu Verão, apetece pensar e repensar o que neste blogue tenho escrito. Estes escombros em que vou esboçando uma colecção de pequenas reportagens íntimas com que quero reflectir uma breve peregrinação interior pelas sensações de uma viagem à volta das minhas circunstâncias, onde o sujeito escrevente não é apenas uma simples placa registadora das ocorrências, nem quer transformar-se numa máquina de projectar preconceitos e ideias feitas sobre esse terreno que vai calcorreando. Aliás, sinto que faço parte daqueles grupos que são objecto de uma conspiração de silêncio, só porque não gostam de beber nas fontes das intelectualices que estão na moda. Até porque os cultores da opinião dominante têm toda uma plateia que vai transformando as frustrações em vulgatas e palavras de ordem, nesse pretenso contra-poder que não passa do mais extremado dos situacionismos, filho do iluminismo Pombalista, adorador de positivismo serôdio e saneador dos que não seguem os catecismos da seita ou não bajulam os pretensos grão-mestres do pensamento único. A casta dos intelectuais é, com efeito, uma balança sem fiel, deusa ou espada, onde todos os pesos da pressão apenas pendem para um dos lados, querendo transformar o que resta do Portugal-que-pensa-pensar numa simples colónia cultural da estupidez de uma sub-Europa de exportação para as bolsas terceiromundistas das respectivas periferias. Aliás, o próprio jornalismo de ideias constitui uma das primeiras cabeças do chamado quarto poder, procurando configurar-se como uma nova espécie de catedratismo, desse que, outrora, foi representado pelas universidades. Até se aliou à chamada cultura empresarial, medida pelos padrões da compra, esse parecer a que falta o ser e que acaba por ser medido pelo ter. E todos representam o que de mais vácuo há nessa ponte do tédio que vai do poder para a cultura, constituindo uma forma suave e gaguejante daquilo que têm os Maxwell, os Murdoch e os Berlusconi, esses que, vendendo mistelas de pornografia e análises de política internacional, conseguem marcar o ritmo dos que pensam pensar. Surgiu assim um estranho pensamento em Portugal que nada tem de enraizadamente português, ou de qualquer outra pátria, constituindo a principal via de uma nova forma de colonização cultural e empobrecimento identitário. E não haverá nenhum manifesto anti-Dantas, capaz de proclamar revolta, nem ninguém capaz de dizer que o rei vai nu. Não! Porque o situacionismo nos vai suicidando, através do avivamento daquelas incomensuráveis distâncias que continuam a separar o país político do país real. Isto é, Portugal vai ficando cada vez mais estreito, cada vez mais fechado sobre fantasmas, cada vez mais prisão, sobretudo para quem gostaria de sentir que a liberdade pode rimar com o bom senso.
Daily Archives: 11 de Novembro de 2005
Direito e blogosfera
DIREITO E BLOGOSFERA
A propósito da minha participação como testemunha no julgamento de António Balbino Caldeira no Tribunal de Alcobaça, notei que vivia uma inédita e pioneira chegada do judicialismo à blogosfera lusitana. Tive de concluir que quem passa por Alcobaça, não passa sem lá voltar e reparei que um blogue é esse fio que liga um indivíduo ao espaço supra-soberano da cidadania universal, onde o imediatismo de um clique participa naquele espaço de etérea mudança que torna este meio de comunicação incompatível com as regras da agulha que cose os processos feitos de acordo com a ciência de que foi mestre José Alberto dos Reis. O blogue pertence sempre ao império do efémero, onde só é novo aquilo que se esqueceu, onde só é moda aquilo que passa de moda e onde, na prática, a teoria é outra.
A blogosfera é um universo íntimo de desabafo, situado, como meio de comunicação inter-pessoal, num círculo pré-político. Um espaço que, saindo do doméstico, não pisa as raias dos controlos da cidadania nacional, não fazendo parte da ciência dos actos do homem como membro do Estado, mas da ciência dos actos do homem como indivíduo. É matéria que só pode ser verdadeiramente regulada pelo consenso daqueles, que praticando blogues, pensam e agem de forma racional e justa. Porque neste espaço de homens livres, não há leis, nem polícias, nem tribunais, nem prisões, onde deveria estar plenamente em vigor o princípio da subsidiariedade, dado que tem a ver com a pluralidade de pertenças cidadânicas, onde uma comunidade de ordem superior, como é o Estado, não tem que interferir na esfera de autonomia de uma comunidade de outra natureza.
Julgo que na lei portuguesa só incidentalmente existe uma ideia de blogosfera, pelo que a analogia com os meios de comunicação social pode levar a pouco adequadas interpretações extensivas, dado que um blogue nem sequer pode equiparar-se a um jornal electrónico. Logo é muito difícil que o teatro do mundo judicial penetre nestes universo. No mundo processual, há uma sobre-vida, com sobre-homens, sobre-factos e sobre-linguagens, pelo que é extremamente complexa a boa intenção de se aproximar o direito da vida e da verdade, bem como as subjectividades analíticas daquilo que deve ser a objectividade da justiça. Logo, sempre poderei dizer, como Fernando Pessoa, que se o Estado está acima do cidadão, também não deixa de ser verdade que o Homem está acima do Estado.
E mais não posso dizer, obrigado que estou obrigado ao chamado segredo de justiça, neste ambiente de triste balbúrdia e de mesurado intervencionismo, em que vamos decaindo, esquecidos que já estamos das eleições autárquicas, neste dia seguinte à greve dos magistrados e de muita memória curta, quando Pedro Santana Lopes regressou ao comentarismo político, depois de estarem lançados os principais dados da corrida presidencial da história recente da nossa democracia.
Nossas mãos, serenamente livres, porque nada devem a quem não o merece, podem continuar a acalentar o prazer da descoberta, acariciar cordas do navio que nos vai levar longe daqui, para o outro lado de um mar que há-de ser.