Abr 25

Castelos de palavras recortadas dos manuais de um pensamento petrificado

Os regimes, em Portugal, caem de podre porque, muitas vezes, ultrapassam todos os prazos de validade que lhe garantiam autenticidade. Só que a apatia e o indiferentismo gerados pelas manobras da elite no poder, lançam o colectivo numa inércia cobarde, inversamente proporcional ao activismo dos oposicionistas, cujo vanguardismo, marginal face à opinião pública, resulta, precisamente, da frustração de não se sentirem, entre ela, como peixe na água. No plano das consequências, o golpe de Estado do 25 de Abril de 1974, que Costa Gomes, no plano operacional qualificará como um acaso cómico, é uma espécie de libertação da mola desoprimida que se partiu, para utilizar-se uma expressão de Fernando Pessoa.  É que, como Salazar tinha confessado a António Ferro, o povo português é bondoso, inteligente, sofredor, dócil, hospitaleiro, trabalhador, facilmente educável, culto, mas excessivamente sentimental, com horror à disciplina, individualista sem dar por isso, falho de espírito de continuidade e de tenacidade na acção, pelo que de tempos a tempos se assiste ao fenómeno de nascimento de certas ondas de pessimismo, dessa ânsia de deitar tudo a perder, não se sabe bem porquê, porque sim, desejo infantil de variar, de mudar, de quebrar o boneco para ver o que tem dentro.  Abril é, sobretudo, essa descompressão, inicialmente gerida por uma Junta de Salvação Nacional, donde emerge um Presidente da República, o General António de Spínola, um Governo Provisório e um Conselho de Estado, tudo em nome de um programa do MFA que promete a democracia política pluri-partidária, um desenvolvimento socializante e uma descolonização com autêntica autodeterminação das populações coloniais, admitindo-se tanto a plena independência como a própria permanência na área da soberania portuguesa. Só que o programa é rigorosamente vigiado por uma comissão coordenadora dos jovens oficiais que haviam corporizado o golpe, divididos entre os operacionais, como Otelo Saraiva de Carvalho, e os mais intelectuais, como Melo Antunes, e, além disso, há o povo inorgânico, os homens da comunicação social e da cultura também comunicacional, os restos da oposição clássica e os movimentos políticos nascidos nos crepúsculo do regime, entre estudantes e sindicalistas politizados.  Digamos que nesse dia de 1974 nos vimos livres de um regime que havia sido montado por um avô autoritário, ao estilo do pai tirano, para, depois de algumas cenas de violência familiar, chegar o tempo da geração do pai modernaço e bon vivant, muito viajado, que não tinha problemas de abrir as janelas, porque resistia às correntes de ar.  Por isso é que, a certa altura, no fim da década de oitenta, os membros da família, fartos dos laxismos desse pai modernaço, que não gostava de ler dossiers e que até meteu a ideologia na gaveta, pediram ajuda a um tio austero, que nunca tinha dúvidas e raramente se enganava. E é ele que trata de pôr ordem no orçamento, pinta a casa e arranja os caminhos e as cercas do quintal. Por outras palavras, como dizia Ortega y Gasset, todas as revoluções são pós-revolucionárias. Medem-se menos pelas intenções dos primitivos revolucionários e mais pelas acções dos homens concretos que fazem a história, sem saberem que história vão fazendo. Porque, na prática, a teoria é outra…  O discurso de Cavaco pareceu-me um belo relatório, à maneira dos encomendados pelo rei D. Manuel II à escola francesa dos discípulos de Le Play, sendo digno de ir para a estante onde guardo Léon Poinsard, do tipo vá para fora cá dentro.

Abr 25

Este péssimo regime, talvez o menos péssimo de todos os que temos tido

Vinte e cinco de Abril, coisa que já havia antes da movimentação dos cravos. Porque foi no ano da graça de 1835, nesta data, que se emitiu a lei de criação dos distritos. Porque foi nesta data do ano de 1917 que surgiu o último governo de Afonso Costa, derrubado pela movimentação dezembrista de Sidónio. Porque foi nesta data, mas do ano de 1790 que Daniel Defoe publicou “Robinson Crusoe”.

E porque um ano depois do 25 de Abril de 1974 aconteceu o 25 de Abril de 1975, o das eleições para a constituinte, desencandeando-se um processo complexo onde todos fomos autores e actores. O resultado é este péssimo regime, talvez o menos péssimo de todos os que temos tido. Apesar de tudo, ainda era capaz de o defender contra regressos autoritários ou vanguardismos revolucionários. De armas na mão, mais uma vez.