Porque hoje é sábado. Ruiu um prédio na minha terra. Na Rua dos Gatos. Encostadinha ao Largo da Portagem. E vieram cães de Albergaria. Cheiraram os escombros. Não detectaram mortos. Hoje é sábado, amanhã é domingo. A vida vem em ondas, como o mar. O Papa visitou a Turquia. Correu tudo como deve ser. Até deu para que D. José Policarpo fosse entrevistado peloExpresso em mangas de camisa.
Porque hoje é sábado. Há a perspectiva do domingo. Amanhã é dia do Senhor. Ontem foi dia da Restauração. E anteontem houve jantar dos conjurados em Carcavelos, onde Ricardo Abranches, presidente da Real Associação de Lisboa e membro da Comissão Executiva da Causa Real reconheceu que “há monárquicos a favor do ‘sim’ e monárquicos a favor do ‘não‘”, na questão da IVG.Porque hoje é sábado. Porque, nesse mesmo jantar, o Duque de Bragança fez ironia quando questionou “porque não contratamos um japonês para ministro da Tecnologia e um escocês para ministro das Finanças?“, acrescentando que, se ao povo não é reconhecida competência para se pronunciar em referendos, então o melhor será “mandar vir um senhor para mandar em nós, como sucedeu em mais de metade do tempo da nossa República” – numa alusão aos 48 anos de Estado Novo.
Porque hoje é sábado. Há a perspectiva do domingo. Não fui ao jantar em causa, apesar de convidado. Foram alguns republicanos que gostam de ouvir críticas ao artigo 288º da Constituição, alínea b), e que levou o Duque da Bragança a exagerar, quando proclamou que isto “já não é uma democracia, é uma fraude”. Porque não é por isso que o actual regime é uma fraude. E o uso de “já” constitui um erro, porque a cláusula pétrea sempre existiu desde 1976. Para tanto, continuo, muito manuelinamente a repetir o que proclamei num colóquio organizado por monárquicos em 25 de Novembro de 1989:
Interpretando tal parcela de texto que vincula os portugueses à forma republicana de governo, talvez seja capaz de dizer, com todo o cuidado literal e doutrinário, que foi alguém de formação monárquica que inspirou esse agregado de palavras. Com efeito, julgo não poder haver nenhum doutrinador monárquico, dos clássicos aos contemporâneos, incluindo os próprios integralistas, que não defenda a monarquia como forma republicana de governo.
Em abono desta afirmação, poderia, aliás, começar por invocar Francisco Suarez e depois passar aos clássicos do tradicionalismo contra-revolucionário e anti-absolutista, dado que todos eles assentaram as suas crenças consensualistas no pacto de associação e na consequente origem popular do poder.
Diria até que, para ser profundamente constitucionalista, teria de começar por reverenciar a matriz de todos os constitucionalismos modernos, que é o muito res publicano constitucionalismo da monarquia britânica, um constitucionalismo que nunca precisou do conceito de Estado nem do conceito de Constituição para ser a matriz de todos os Estados de Direito Democráticos …
Porque hoje é sábado. Há a perspectiva do domingo. Logo, não subscrevo monarquices antidemocráticas nem jacobinices que esquecem o papel de alguns monárquicos na restauração da democracia, como as expressas pelo meu amigo Zé Mateus que, com D. Duarte, foi meu colega no Curso de Defesa Nacional, ou por Vital Moreira. Por mim, morrerei monárquico, sempre favorável à forma republicana de governo, defendendo o modelo do regime misto, com um trono cercado de instituições republicanas, para citar Passos Manuel.
Apenas preferia que o azul e branco mantivesse a armilar, e que a coroa fosse aberta como a da casa de Aviz. Continuo fiel aos exemplos de luta contra o autoritarismo que me foram legados por Paiva Couceiro, Luís de Almeida Braga, Francisco Vieira de Almeida, Francisco Rolão Preto, Gonçalo Ribeiro Teles ou Henrique Barrilaro Ruas. Porque hoje é sábado. Há a perspectiva do domingo. Até vou votar sim no referendo da IVG. Como o fiz da outra vez. Não seguirei os apelos de D. José Policarpo, de D. Duarte de Bragança e de Marques Mendes…