Haverá actos de violência menos violentos do que certos estados de violência?

No dia em que os restos corporais de Aquilino são recolhidos no Panteão Nacional de Santa Engrácia, num gesto simbólico de homenagem a que me associo, sermos pátria seria colocar sob o mesmo manto de comunhão os restos de el-rei D. Carlos, para definitivamente enterrarmos o magnicídio de 1908, porque o ricochete desse acto acabou por matar o Sidónio Pais em 1918, por produzir a Noite Sangrenta de 1921 e o assassinato cobarde de Humberto Delgado em 1965. No século XX, todos matámos e morremos. Já chega! Por isso, prefiro recordar o perfume de palavras de paz que nos trouxe a visita do Dalai Lama. O mesmo que veio dizer que os portugueses não têm que ser budistas, sugerindo que peregrinemos pelas nossas raízes a fim de redescobrirmos as tradições que nos podem dar futuro. Mas acrescentando que todas as religiões, incluindo a dele, se assumem como uma verdade absoluta, pelo que cada uma delas está condenada a respeitar as outras. Por isso não vou falar de fantasmas carbonários ou preconceitos buissidentes, porque teria de fazer uma comparação entre religiões universais e religiões seculares. Porque nisto de confrontarmos absolutismos já tivemos Tárique antes de haver cruzadas, conquistas de mouros antes de haver monarquia da reconquista, donde até se fez Portugal. Tal como houve Inquisição e queima de igrejas, judeus baptizados à força no Palácio dos Estaus e mártires cristãos. Até o Dalai Lama ainda não excomungou a guerrilha tibetana contra o ocupante chinês, falando antes, e justamente, na tortura a que são sujeitos os seus fiéis, quando procuram exercer a liberdade de expressão contra a morte lenta do genocídio cultural, a que a paciência pós-totalitária condenou o Tibete. Claro que aprendo mais com o Dalai Lama do que com o secretário-geral do PCC. Claro que prefiro o budismo ao confucionismo vestido de marxista-lenininista-dengpiaoista. Mata menos. Mas também mata, nem que seja para sobreviver. Porque todas as religiões universais admitiram guerras santas, expressa ou tacitamente. E sempre em nome do que, um dia, proclamou um conhecido teólogo da libertação, bispo católico: há actos de violência menos violentos do que certos estados de violência. E foi em nome deste silogismo escolástico que surgiram as justas resistências aos totalitarismos. É em nome deste absolutismo que se fez a Guerra do Iraque. Não conheço filósofo que tenha resolvido o paradoxo destes passados reais. Todos gravitamos em torno da polarização que vai da ética da convicção à ética da responsabilidade. Porque se estes nos dizem que podemos perder a alma para salvar a cidade da Razão de Estado, outros há que, querendo viver como pensam, vão para o “ashram” dar o exemplo, antes que um qualquer fundamentalista o assassine cobardemente. Por mim, não tenho latim que me permita candidatar àquele Prémio Nobel da Paz que vai ornando o “curriculum” de alguns antigos terroristas.

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