Entrevista a O Diabo

1 — Começando pela redução em 50 por cento das taxas moderadoras para idosos, passando pelo plano estratégico para o sector têxtil, prosseguindo com o anúncio de um défice público de 2,6 por cento, abaixo das previsões, e acabando na redução de um ponto percentual no IVA, de que forma se pode interpretar a estratégia do Governo a ano e meio das legislativas?

Os grandes estrategas e tácticos do “agenda setting” socrático, à procura das simpatias de um milhão de eleitores que ora vota no PS, ora no PSD, aconselharam a que o líder do PS nos vendesse um socialismo de rosto humano, mostrando estados de alma, naquilo que os frios comentaristas chamam eleitoralismo e que Belmiro de Azevedo qualificou como publicidade. Porque a boa propaganda não deve mostrar que é propaganda e um governo dizer-se de esquerda implica parecer que está com os humilhados e ofendidos.

 

 

2 — Temos um abrandamento do discurso mais austero do Primeiro-Ministro e, à primeira vista, boas notícias para os portugueses. Tem a oposição razão em dizer que o PS já está em campanha eleitoral?

Por estes dias, qualquer taxista de uma grande ou média cidade lusitana percebe que não há crise das carteiras dos portugueses, devido à intensidade de tráfego que, dentro de uma semana, quebrará. Sócrates também sabe medir a coisa. Só que tem de enfrentar duas novas realidades que podem alterar as propostas dos respectivos propagandistas.

 

Por um lado, as cem mil famílias sobre-endividadas que correm o risco de não pagar a hipoteca das casitas, até porque já não há banca livre da crise hipotecária da glbalização, que os juros já não são da nacionalizada, nossa, mas dos que emprestam aos nossos emprestadores. Em segundo lugar, os 700 000 funcionários públicos que conhecem o discurso real de João Figueiredo e as ilusões do PRACE, apesar dos estados de alma do PM. Em terceiro lugar, os sinais que deram os cem mil professores na rua, quando os conselheiros do governo diziam que só a problemática dos centros de saúde é que punha os portugueses na rua, levando a que Sócrates despachasse o Correia de Campos e apostasse na continuidade da Maria de Lurdes, com muitos beijinhos de militantes anti-professores no “hall” do comício nacional do PS, no Porto anti-piercings.

 

Na próxima reunião de Belém, estou convencido que Cavaco deverá aconselhar Sócrates a não fingir que é Zapatero, até porque as ortigas não são arcebispos de Madrid da guerra civil, e a não procurar repetir o Cavaco governamental. Julgo até que o Presidente, neste momento, deve estar mais zangado com essa brincadeira do laxismo eleitoralista face ao défice orçamental, do que com o telemóvel da Escola Carolina Michaelis…

 

 

3 — Em termos teóricos como analisa este posicionamento político do Governo e do Primeiro-Ministro nas últimas semanas?

Apenas saliento que PS e PSD são dois rostos do mesmo Bloco central, onde o primeiro domina o situacionismo governamental e parlamentar e o segundo, o situacionismo presidencial e autárquico. Porque os oligopolistas da presente partidocracia, como efectivos partidos pilha-tudo (catch all), se assumem como grandes federadores de grupos de pressão e de grupos de interesse.

 

 

Trata-se de um jogo dos tradicionais influentes, ou caciques, no processo de alinhamento neofeudal, em torno da procura dos benefícios da mesa do orçamento, quando, face aos dois situacionismos do mesmo Bloco central, há dúvidas quanto alinhamento do poder económico-financeiro, do poder dos patrões da comunicação social, do poder sindical e do poder eclesiástico, bem como uma forma de clandestina implantação dos círculos uninominais.

 

 

 

 

4 — A descida do IVA é, como dizem muitos analistas, um caso crasso de propaganda pré-eleitoral?

 

Quando Jaime Gama veio reconhecer o situacionismo madeirense, o presidente do parlamento apenas proclamou a necessidade de um tratado de tordesilhas entre os regeneradores e os progressistas, neste rotativismo de alternâncias sem alternativas. E o mais certo, com os dados circunstanciais da opinião pública que temos disponíveis, é que a presente campanha eleitoral desague em nova vitória socrática, mas sem maioria absoluta, para gáudio dos engenheiros feudais do presente sistema, com os seus gestores de pilotagem automática. Daí o encravanço a que ontem foi sujeito o ministro das finanças no parlamento, quando revelou nem sequer ter informação sobre os milhões de investimento “off shore” de parcelas estaduais da nossa economia e da nossa finança.

 

5 — O que podemos esperar em termos de estratégia a partir de agora e no próximo ano e meio? O Governo vai utilizar os resultados mais favoráveis, nas várias áreas, como arma eleitoral?

A maior parte dos factores de poder já não são nacionais, ou domésticos e o presidente, preso na autoridade, mas sem poderes, não tem condições para utilizar os restos de poder moderador que ainda possui para alterar as regras do jogo deste situacionismo de oligopólio partidocrático, dado que ele próprio é uma consequência dessa causa.

 

 

A não ser que aconteça o imprevisível de uma crise importada e que já não seja a pilotagem automática da chamada governação e que essa crise leve a uma espécie de interregno do mais do mesmo PS/PSD, surgindo uma regeneração de baixo para cima, do Estado-Comunidade para o Estado-Aparelho de Poder, isto é, da república para o principado da governação. Não se vêem, contudo, sinais de uma temperatura espiritual regeneradora, dado que o sistema de controlo da opinião pública depende mais dos patrões da comunicação social que detêm os dossiês que poderiam abalar o situacionismo, mas que os vão negociando em trocas neofeudais.

 

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