Ainda ontem, em dia pleno de frio, se podia olhar a plenitude solar do Tejo, em fim de tarde, e ler, com calma, o magnífico artigo de André Glucksman no “El Pais” que, a propósito da questão de Gaza, se inspirava no meu querido Pascal, antes de espreitar o belo livro de Sheila Jasanoff, Designs on Nature. Science and Democracy in Europe and the United States, Princeton University, 2005, sobre os sonhos da república dos cientistas, nesta viragem do milénio, quando a mesma se fica pelo mero esclarecimento da procura das pretensas causas e não está preparada para a compreensão (Verstehen). Porque também aqui caímos na esparrela de um cientificismo de economistas e financeiros, a quem dão o diabólico nome de neoliberalismo, mas que muitos liberais denunciaram antes dos socialistas. Aliás, só os macacos cegos, surdos e mudos do “mainstream” é que não notaram o desastre, que, para eles, é o fim do oásis de um paradigma criado e gerido por socialistas democráticos, sociais-democratas e democratas-cristãos. Os tais que aceitaram a governança sem governo da pilotagem automática do gnosticismo da integração europeia e da globalização, metendo na gaveta o socialismo, a social-democracia e a democracia-cristã, e que, perante a casa arrombada, logo clamam pelo mesmo São Keynes que, através do velho ISCEF, delineou o nosso modelo salazarento de forças vivas em “gentlesman’s agreement” com o centro do Estado, com uma economia privada, mas sem uma economia de mercado. Hoje, já não há o velho Estado, do já enterrado soberanismo, com o consequente proteccionismo do liberalismo a retalho, o da nacionalização dos prejuízos e da privatização dos riscos, de um pretenso empreendorismo de patrões sem risco, e nem sequer pode aterrar em Lisboa um avião cheio de marcos, para nos ajudarem na ameaça de bancarrota. Aliás, esta governança sem governo reduz o futuro às fichas avaliativas da ministra rodiguinha, corrigidas pelo simplex albicastrense de um secretário de estadão, quase igual ao chefe dos sindicatos educativos, com saudades da correia de transmissão. E o sonho não pode reduzir-se às andanças de um chefe de governo fingindo ser o Oliveira de Figueira nas cimeiras ibero-americanas. Porque o Fernão do outro Magalhães também morreu a meio da viagem que agora andam a fazer ao contrário.