Jan 06

O homem é um ser que nunca se repete…viva a heresia!

Dizem que temos ano novo e vida nova só porque mudaram as marcas que assinalam os dias e os sinais. Só porque os novos sinais nos dão a ilusão de um tempo que julgamos diverso, nessa permanente procura do que não temos. Apenas mudou o sinal, não mudou quem somos, se as janelas permanecerem fechadas, sem um breve intervalo, ou um secreto recanto onde guardemos as sementes que a invernia ameaça destroçar. Apenas porque tememos que o incontrolável da mudança possa desfazer os equilíbrios onde nos acoitamos, em ilusão de bonança, quando, afinal, apetece retomar um qualquer cais que nos dê viagem destemida. Porque há sempre um sinal de mar no ciciar da folhagem, na brisa que nos chega em madrugadas de espera. Acabou mais um ano deste tempo que passa, mas continuam a circular as sementes de sonho e estas mãos que ainda sabem moldar o tempo dito futuro, para que o fruto semeado possa amadurecer, dando tempo ao tempo. Basta aprender com quem mais sabe e que ainda há dias me dizia: nunca há uma verdade verdadeira, a verdade é sempre uma composição. E há sempre um muro intransponível que nos separa do que nunca podemos saber. Não é preciso gritar nem bater para dizermos que temos razão… Vou abrir as janelas e deixar entrar a madrugada. Há um sinal de mar que nos traz a noite. Basta que um qualquer pássaro da manhã nos ajude a capturar o sinal da esperança e que um vento imaginário nos leve para um qualquer cais de partida, onde a espera nos dê além, um tempo de ter tempo onde possamos semear quem sonhamos… Há um Deus que pode nascer todos os dias dentro de quem somos. Porque, às vezes, é na rebeldia que está a lealdade, nessa suprema ortodoxia do heterodoxo, e não na diluição no rebanho seguidista. Deus pode ser o mundo e haver mais mundos, sobretudo aqueles que continuam a criação, dando novos mundos ao mundo. As seitas sempre foram a própria negação da verdade. Não passam de rebanhos de dilectos que apenas reagem aos exoterismos, mesmo que se disfarcem em rituais, sobretudo quando estes perderam o sentido dos gestos. Nas seitas já não há sacerdotes, mas apenas sacristães e sacristas. Até nem há generais, mas apenas sargentos de economato. Não há mestres, mas apenas lentes, repetidores da vulgata. Desses que se extinguem nas eternas sessões de esclarecimento dos sindicatos das citações mútuas, transformados em correias de transmissão da unicidade. Odeio todos os grupos e movimentos que procuram assumir o monopólio da verdade, do espírito, da vida e do próprio bem, só porque alguns exibem uma contrafacção da chave da verdade e dizem ser o caminho. Odeio catecismos e formulários, bem como os seminaristas de cordel que procuram transformar-se nos cardeais da propaganda da falsa fé e nos comandantes de uma nova Inquisição que nos quer a todos relaxar para o braço secular da persiganga. Os que retomam a hermenêutica disciplinada da unicidade preferem a liturgia da subserviência à religiosidade da libertação. Até nem compreendem que só há pátria quando se cultivam as complexas heranças que nos sagraram a terra das árvores, dos rios e dos montes. Eles nunca entenderão que é possível o não através do sim e o sim através do não. A heresia continua a ser a única foram criativa de fecundarmos este caminho repleto de dejectos, ditos os filhos dilectos, mas que sabem que a revolta individual dos que procuram é o que mais se aproxima de sua imagem e semelhança. O homem é um ser que nunca se repete.

Jan 06

O que não é a política

Há um maquiavelismo, dito da razão de Estado, como o seu segredo, também de estado, tal como há uma razão revolucionária, com a sua clandestinidade. Ambas as ditas razões assentam e formas de monopólio da violência, para a sublimarem em ordem que espera o carimbo da legitimação. Há também outras zonas de segredo, próprias do indivíduo e da ciência que trata dos actos do homem como indiviso. Uma, a mais sagrada, tem a ver com o castelo muralhado da intimidade pessoal e familiar. Outra, com o esotérico dos actos litúrgicos ou iniciáticos. Daí o perigo de confusão entre o político, o litúrgico, o familiar e o pessoal. A política é apenas aquela zona da praça pública onde acedemos com a máscara da personalidade, sem nos desnudarmos ou nos confessarmos, depois de largarmos o espaços do privado, incluindo o doméstico, e do sagrado. Logo, em tudo o que é político não pode haver zonas não transparentes de litúrgico, iniciático, familiar ou privado.