Jan 07

Monárquicos e republicanos

Comecei por salientar a ideia de Passos Manuel sobre a necessidade de cercarmos o trono com instituições republicanos, para dizer que a vantagem dos monárquicos estava na circunstância de não serem anti-republicanos, mas antes de serem, além de republicanos, monárquicos.  Porque, em primeiro lugar, colocam a pátria; em segundo, a ideia tradicional, aristotélica e tomista, da origem popular do poder político, como o demonstrámos com a eleição do rei em 1385 e 1640, e na resistência consensualista ao absolutismo, seja o da monarquia de direito divino, seja o do jacobinismo, em novo do povo absoluto. Só por conclusão somos monárquicos, defendendo a necessária invenção da instauração do poder real, como chave da abóbada do corpo político, com essa instituição de direito natural. A memória das quinas na nossa segunda bandeira de reino medieval pré-soberanista Primeiro, em nome da experiência. Porque também algumas das mais exemplares monarquias democráticas da Europa se instauraram depois de experiências republicanas, desde a britânica, contra o republicanismo pré-totalitário da república dita dos santos de Cromwell, às monarquias dos País Baixos e da nossa vizinha Espanha. Até porque não convém esquecer que foi a monarquia britânica que resistiu à republica hitleriana e que também eram repúblicas a chinesa de Mao ou a russa de Estaline, não esquecendo a do nosso Estado Novo salazarento. Porque na necessária instauração monárquica não iríamos escolher uma pessoa, pedindo-lhe a personalização do poder, mas antes uma instituição, uma espécie de continuidade simbólica da pátria em figura humana, onde o rei não tem poder, mas antes autoridade, porque reina, mas não governa e reina representativamente, como expressão do povo, dos mortos, dos vivos e dos que estão para nascer. Porque todas as personalizações do poder, incluindo as dos presidentes-reis, estão sempre dependentes de um tiro assassino, de uma constipação mal-tratada ou de uma simples queda de uma cadeira. O rei tem a vantagem de poder ser uma ideia de obra, constitucionalmente organizada que gera espontâneas manifestações de comunhão, como símbolo de uma dinastia, de uma permanecente unidade na diversidade que até pode coincidir numa família como a dos nossos duques de Bragança cujo tronco remonta ao próprio D. Afonso Henriques, sem o recurso a Borbons franceses ou a Hannover feitos Windsor. Aliás, algum propagandismo antimonárquico que continua a disparar os odientos tiros do Buiça, de 1908, não repara que o mesmo lhes saiu pela culatra, vitimizando Sidónio em 1918, e António Granjo e Machado Santos, em 1921, para não falarmos em Humberto Delgado, em 1965. Também não repara que o fundador do conceito de ética republicana e de Estado de Direito, um tal Kant, também era monárquico, tal como o teórico da representação e da separação de poderes, Montesquieu. Confessei que um dos meus maiores sonhos políticos era poder ser procurador do povo numas Cortes que instaurasse o poder real, não que restaurassem a monarquia, mas que a reinventassem pelo consenso popular. Mas também reconheci que estávamos em tempo de sementeira, para o médio e longo prazos, não aceitando os facilitismos dos golpes de Estado constitucional que, dentro das presentes regras do jogo, nomeadamente da dupla revisão constitucional, fizessem do rei uma espécie de sucessor de um presidente, quase à maneira do plebiscito de Luís Napoleão. Se assim fosse, nesse referendo, eu, como monárquico, até votaria pela república, como um dia disse o monárquico Fernando Pessoa. Aliás, a banalidade demagógica de alguns dos argumentos regicidas, mesmo os que se disfarçam sob as teses presidencialistas, obrigaria alguns a ter que reconhecer como foi falso o messianismo que precedeu o 5 de Outubro de 1910, quando, apontando para o bacalhau a pataco, nunca referendou o regime e logo tratou de reduzir o colégio eleitoral, para educar o povo dos cavadores de enxada. Hoje, basta consultarmos os relatórios do PNUD, para verificarmos que a maioria dos que estão entre os dez mais dos países do mundo, em termos de índice de desenvolvimento humano são monarquias democráticas, por acaso modelos de democracia pluralista e de sociedade aberta. Basta imaginar o que seria Portugal se em 1945 o rei D. Manuel II ainda estivesse vivo e congregasse todas as forças políticas para a restauração da monarquia, libertando Salazar para Santa Comba e a eventual chefia de um partido da democracia-cristã musculada. Só então se perceberia como seria mais feliz a existência de Portugal sob as cores azuis e brancas da liberdade, onde até a descolonização poderia significar a conciliação das independências dos actuais Palops com a pertença a uma comunidade lusófona, sob o mesmo símbolo da coroa aberta e do abraço armilar de um reino unido a que, para cumprirmos o desígnio de D. João VI, só faltaria o Brasil e a eleição de um descendente de D. Pedro IV para a tarefa.