Noto como vai emergindo a fúria puritana que marca o princípio do fim de qualquer situacionismo. E sei reconhecer os habituais reflexos condicionados das nossas uniões de interesses fácticos, de carácter neo-corporativo, sobretudo quando se manifesta a procura de proteccionismo que marca os intelectuais e universitários subsidio-dependentes ou em gestão de carreirismo. Se a I República, já em fase de estertor, chegou a colocar um capitão e politiqueiro como reitor da universidade, não há dúvida que evoluímos um pouco em termos de qualificação para o cargo, apesar do bem reitoral deixar de ser escasso e passar a estar dependente de uma eleição periódica, não marcada pelo sufrágio universal e, raramente, fair and free. Só que essa aura democrática que marca a culminância do poder escolar, tanto a nível do global das universidades como do parcelar das faculdades e institutos superiores, depressa foi sitiada por um desviacionismo burocrático e por uma tentação de liderança vitalícia, presas fáceis do lobby que, eventualmente, controle extra-escolarmente as próprias escolas. A dita autonomia universitária equivale, hoje, à manutenção da federação situacionista de alguns bons amigos, onde são marcantes as co-optações de casta e de intelectuários. Basta reparar como, finalmente, surgiram algumas denúncias mediáticas dessa larvar realidade, só porque se mexeu na barriga das escolas não-públicas de direito. Porque, das mais fraquinhas, não rezam as estórias dos jornais e as pranchas dos assessores de imagem e das agências de comunicação, dado que, as pobrezinhas, coitadas, ainda permanecem sob a leyenda negra das ciências ocultas, apesar de mais ocultos líderes escolherem outros não menos ocultos dependentes para pretensos jagunços vitalícios de um processo que tanto escapa à hierarquia como à própria corporação, legalmente estabelecida. E quase ninguém repara que, agora, as escolas são criticadas ora por quem as fez, ora por quem, depois, andou, em concorrência desleal, a fazer e a desfazer privadas, quando não havia regras de jogo e até se condenava a parte, irresponsabilizando o todo, de que, aliás, a dita parte era consequência, para, depois de um passe de mágica, feito de pressão política e malabarismo decretino, ficarmos todos prestidigitados por uma maravilha de engenharia vocabular, sem adequada coerência de vida, nesse olha para aquilo que eu digo, não olhes para aquilo que eu fiz, onde se mantém ad nauseam este pantanoso status quo. Esta forma encapotada do centralismo sem dor leva a que, de forma extra-académica, se continue a instrumentalizar a chamada autonomia das escolas, num processo que os ministros nem sequer topam, pela natural incompetência que os elevou ao cargo. E até podemos chegar a a um paradoxo mistificador, com privatização do público e publicização do privado, numa confusão de narizes que apenas se beneficia quem parte e reparte, sem que surja melhor público e sem que se assegure a autonomia da sociedade civil.
Daily Archives: 11 de Janeiro de 2005
Da fúria puritana que marca o princípio do fim de qualquer situacionismo
Noto como vai emergindo a fúria puritana que marca o princípio do fim de qualquer situacionismo. E sei reconhecer os habituais reflexos condicionados das nossas uniões de interesses fácticos, de carácter neo-corporativo, sobretudo quando se manifesta a procura de proteccionismo que marca os intelectuais e universitários subsidio-dependentes ou em gestão de carreirismo. Se a I República, já em fase de estertor, chegou a colocar um capitão e politiqueiro como reitor da universidade, não há dúvida que evoluímos um pouco em termos de qualificação para o cargo, apesar do bem reitoral deixar de ser escasso e passar a estar dependente de uma eleição periódica, não marcada pelo sufrágio universal e, raramente, fair and free. Só que essa aura democrática que marca a culminância do poder escolar, tanto a nível do global das universidades como do parcelar das faculdades e institutos superiores, depressa foi sitiada por um desviacionismo burocrático e por uma tentação de liderança vitalícia, presas fáceis do lobby que, eventualmente, controle extra-escolarmente as próprias escolas. A dita autonomia universitária equivale, hoje, à manutenção da federação situacionista de alguns bons amigos, onde são marcantes as co-optações de casta e de intelectuários. Basta reparar como, finalmente, surgiram algumas denúncias mediáticas dessa larvar realidade, só porque se mexeu na barriga das escolas não-públicas de direito. Porque, das mais fraquinhas, não rezam as estórias dos jornais e as pranchas dos assessores de imagem e das agências de comunicação, dado que, as pobrezinhas, coitadas, ainda permanecem sob a leyenda negra das ciências ocultas, apesar de mais ocultos líderes escolherem outros não menos ocultos dependentes para pretensos jagunços vitalícios de um processo que tanto escapa à hierarquia como à própria corporação, legalmente estabelecida. E quase ninguém repara que, agora, as escolas são criticadas ora por quem as fez, ora por quem, depois, andou, em concorrência desleal, a fazer e a desfazer privadas, quando não havia regras de jogo e até se condenava a parte, irresponsabilizando o todo, de que, aliás, a dita parte era consequência, para, depois de um passe de mágica, feito de pressão política e malabarismo decretino, ficarmos todos prestidigitados por uma maravilha de engenharia vocabular, sem adequada coerência de vida, nesse olha para aquilo que eu digo, não olhes para aquilo que eu fiz, onde se mantém ad nauseam este pantanoso status quo. Esta forma encapotada do centralismo sem dor leva a que, de forma extra-académica, se continue a instrumentalizar a chamada autonomia das escolas, num processo que os ministros nem sequer topam, pela natural incompetência que os elevou ao cargo. E até podemos chegar a a um paradoxo mistificador, com privatização do público e publicização do privado, numa confusão de narizes que apenas se beneficia quem parte e reparte, sem que surja melhor público e sem que se assegure a autonomia da sociedade civil.
Dos rituais decadentistas
É triste verificarmos como, em plena democracia, se mantêm rituais decadentistas, típicos dos regimes que, antes de deixarem de ser já o não são. Basta assinalarmos como os cinzentões serventuários do crepúsculo do antigo regime, esses jovens adjuntos ministeriais dos anos setenta, e que agora são eles os próprios quase septuagenários, se enfileiram, mais uma vez, na comitiva de sempre, à espera da comenda e exigindo troca das prebendas que fingiram dar à custa do contribuinte. Ei-los já sem a peitaça de teddy boys das Avenidas Novas, com aqueles óculos fumados à Ray Ban que faziam mossa na garotas do Chiado e dos bailes do jazz band. Ei-los os ex-práfrentex só porque foram de avião aos States, a expensas do senhor director, do senhor ministro ou de outra sua excelência, e que ainda hoje tentam usar as palavras mágicas dos servilismo, fazendo razias de temor reverencial junto de nova garotagem construída à respectiva imagem e semelhança, a dos mandadores-mandados de novas comitivas e de velhas comendas do mesmo tipo. O prémio da comitiva é, com efeito, a comenda dada aos que nunca ousaram e que nunca assumiram a rebeldia do pensamento livre ou do livre pensamento, só porque também nunca tiveram luz própria. Esses baços espelhos que apenas emitem indirectamente os ténues brilhos dos patrões que os fabricaram pela encomendação. Ei-los, os meros capatazes de uma quinta que sempre foi dos outros. Ei-los, os pequenos autoritários do velho autoritarismo, não percebendo que, pura e simplesmente, nunca existiram como seres autónomos. Eles não sabem, coitados, que, voltados sobre quem foram, na sua impunidade professoral, que já não ouvem, já não lêem e já não vêem, movidos que estão pela energia de uma soberba que os faz , além de centro do mundo, a cabeça do próprio mundo. Que descansem em paz, que nos deixem em paz. Há muita coisa nova debaixo do sol. Sobretudo uma pequena semente chamada liberdade.