Jan 13

Monárquicos e republicanos

É evidente que, no actual quadro político, não existe um problema de regime. Se formalmente não vivemos em monarquia também substancialmente não temos um regime republicano, segundo os ideais dos revolucionários da Rotunda. O facto de a I República ter sido caricaturalmente parlamentarista e partidocrática, transformando o Presidente da República num simples instrumento do partido dominante , eleito pela “classe política” num colégio eleitoral, apenas provocou um vazio na simbologia máxima do Estado. A partir do 28 de Maio e, muito principalmente, com a institucionalização do Estado Novo, através da Constituição de 1933, gerou-se um formal presidencialismo bicéfalo, onde efectivamente imperava o Presidente do Conselho de Ministros que, mesmo depois de abandonar a titularidade da “ditadura das Finanças”, continuou a ser o efectivo “Princeps”.  O salazarismo, com efeito, liquidou em Portugal o dilema Monarquia/República, gerando um hibridismo que a dita III República, posterior ao 25 de Abril ainda não conseguiu superar.  Com efeito, o estilo salazarista de chefia do Estado foi particularmente acirrado com o General Ramalho Eanes que, apesar de legitimado pelo voto popular, nunca se libertou de uma outra superior legitimidade: a de ser militar, a de pertencer a uma entidade que a si mesma se considera diversa da “sociedade civil”. Só com a eleição de Mário Soares se deu uma efectiva restauração da República a nível da chefia do Estado, uma restauração que, contudo, não foi feita contra os monárquicos nem marcada por sucedâneos cesaristas…. Paradoxalmente, a nossa primeira experiência efectivamente republicana , a nível da chefia do Estado… também gerou um dos primeiros movimentos de verdadeiro instauracionismo monárquico, retomando-se uma das constantes da nossa tradição política, que teve no Integralismo Lusitano, durante a I República, e nos movimentos monárquicos de oposição ao salazarismo os principais esteios contemporâneos.  Está , aliás, por fazer o inventário da influência da formação monárquica no actual regime, muito principalmente na biografia intelectual de políticos como Francisco Sá Carneiro e de muitos outros sociais-democratas, socialistas e democratas-cristãos que, se não fossem as convenções folclóricas do regime, sempre prefeririam um 1º de Dezembro com o Rei de Portugal do que um 5 de Outubro no cemitério dos regicidas. Não se iludam, contudo, os monárquicos militantes com estas novas brisas da história. A monarquia em Portugal não foi derrubada pelo 5 de Outubro. A monarquia já tinha sido derrubada muito antes, tanto com o absolutismo como com o revolucionarismo de inspiração jacobina, e continuou a ser derrubada depois dessa data, com as subserviências face ao cesarismo e às ditaduras. A monarquia, como instituição de direito natural, apenas existe quando a instituição tem efectiva legitimidade, isto é, quando ninguém a discute e todas a praticam como instituição viva, tão natural como o ar que se respira ou a nação que todos os dias se plebiscita.  Com efeito, não haveria monarquia em Portugal, nos termos da legitimidade das velhas leis fundamentais, se, por exemplo, através de um referendo, a maioria absoluta ou a maioria qualificada da população optasse pela monarquia. Enquanto a ideia monárquica continuar factor de divisão entre os portugueses, enquanto continuar vivo, mesmo que minoritário, um partido republicano, a monarquia nunca poderá conquistar a legitimidade. A monarquia não existe se depender da obediência e não do respeito. Só existe monarquia se o rei for tão natural como a família, sem estar dependente dos factores da conjuntura. Por isso é que a existência de partidos que se qualificam como monárquicos continua a ser um dos principais atentados contra a própria ideia monárquica em Portugal. Do mesmo modo, será impossível qualquer instauracionismo monárquico se persistir na opinião pública a confusão entre a ideia monárquica e o aristocratismo, muito principalmente daquele que continua a ser ostentado por certos aristocretinos da nossa praça, maioritariamente descendendentes da falsa fidalguia do baronato liberal, que usurparam os títulos através da especulação financeira e dos golpes partidocráticos.  Na verdade, qualquer instauracionismo monárquico só será viável se a política portuguesa voltar de novo a ter aquela necessária temperatura espiritual geradora de efectiva legitimidade e de democráticos consensos populares. Enquanto a política que temos continuar a traduzir em calão os discípulos de Maquiavel o monarquismo não passará de emblema para certas castas falsamente monárquicas e que são as verdadeiras responsáveis pela efectiva não popularidade da ideia monárquica em Portugal.  Diria, pois, à maneira de Fernando Pessoa que, apesar de sempre ter sido monárquico, se houvesse, agora, um referendo sobre a questão, teria que optar pela República para defender os verdadeiros princípios monárquicos.

Jan 13

Pequena reportagem íntima de um dia de campanha

Esta noite, desloquei-me ao círculo eleitoral onde fui honrado com uma candidatura a deputado. E, depois de uma conferência de imprensa de apresentação da candidatura, dentro da sobriedade e modéstia esperadas, quando uma rádio local me entrevistou, questionando-me sobre como sentia o “peso desta responsabilidade”, logo disse que não o fazia vergado pelas ciclópicas tarefas, mas com um grande prazer. Porque o civismo impõe que aqueles que criticam, debatem e combatem, a nível do comentarismo político e doutrinário, têm o dever de sujar as mãos e de descer ao terreno, largando as celestiais alturas de quem apenas faz homílias, mas que teme o risco de ir ao sufrágio e de fazer campanhas no meio do povo. Tenho imenso prazer na cidadania activa, no eleger, no candidatar-me, em suma, no viver a política até ao fundo, do porta-a-porta ao comício. Já o faço há muitos anos, desde a adolescência, porque, da democracia, posso dizer, parafraseando Luís Vaz, que vale mais experimentá-la do que julgá-la, embora também não faça mal que a julguem os que, infleizmente, a não podem experimentar. Até citei a velha sabedoria militante daqueles religiosos que tinham como lema o “ora et labora”. E “laborando” lá dei, e os meus companheiros, uma conferência de imprensa, na presença do líder, e com muita gente da imprensa local. A certa altura, demonstrando como pode exercitar-se o pluralismo, assumi claramente a minha divergência com o presidente do partido, quando me declarei defensor da regionalização e invoquei a minha antiga qualidade de militante do movimento “Portugal Plural”, quando ele andava pelo “Nação Una”. Mais acrescentei que nunca participaria num movimento unidimensional, com uso de “cassette”, “disquette”, “cd rom” ou “dvd”. O prazer da luta política democrática enobrece quem a assume e pode ter a ilusão de viver como pensa. Senti até o pequeno orgulho de ter sido um dos impulsionadores de uma candidatura que foi das primeiras que em Portugal, nesta campanha, lançou um blogue como suporte de unidade da mesma e como, noutros locais desta blogosfera, como tal foi reconhecido. É evidente que, por razões deontológicas, também aqui não indicarei o caminho para a ele acederem, embora tenha o realismo de considerar que, com o mesmo, não serão imensos os votos que conseguiremos. Mas quem anda em campanha para lançar semente, sabe que só pode colher se antes semear para o médio prazo. Só pode servir quem merecer o povo e a política não é economia… Regressado a casa, depois de sentir, felizmente, a chuva, lá para as bandas do meu círculo eleitoral, e clicando nos telegramas das agências, logo verifiquei como o critério jornalístico escolheu, e muito bem, duas ou três pequenas frases de um crivo oportunista, a fim de entrar na corrente do “agenda setting”, confirmando-se que, nestes domínios, como ensinou o teórico da aldeia global, importa mais o “medium” do que a “mensagem”. Mas não me queixo. Sei perfeitamente quais são as regras do jogo. E até reconheço como outras podem ser as perspectivas da imprensa regional, mais atenta ao olhos nos olhos, ao estilo das pessoas e ao pequeno-grande ritmo da vizinhança, do “small is beautiful”. E a democracia precisa cada vez do multidimensional e da pluralidade de pertenças.