O espaço criativo daquilo que continua a ser a universidade, a dos alunos e dos professores que querem ensinar e aprender, uns com os outros, tem-me absorvido por estes dias, especialmente quando se consegue furar o bloqueio com que as más leis, os péssimos regulamentos e os automáticos burocratas, dia a dia, nos tramam, de forma quase kafkiana. Felizmente, tive a ocasião de poder casar a honra com a inteligência e de assim participar numa iniciativa de alunos que se pratica desde os anos oitenta do século passado, a que eles dão o pomposo nome de Jornadas de Relações Internacionais, onde, como coordenador de um departamento que continuam a proibir, fiz breve discurso de iniciação, pedindo ao regime da bolonhesa que deixe entrar esta invenção como parte das unidades de crédito, dado tratar-se de uma continuidade das velhas sessões quodlibéticas da Idade Média, quando Bolonha não nos vinha de cima para baixo, dos eurocratas para os ministros e dos ministros para os povos. Claro que a minha bolonhesa é outra. Tem mais a ver com um velho aluno da instituição, um tal João Hispano, a que, nós demos o nome de João das Regras, esse constitucionalista que elaborou, pelo discurso, a primeira constituição portuguesa, mais ou menos escrita, a das actas das Cortes de Coimbra de 1385, talvez uma das primeiras perspectivas políticas consensualistas pós-feudais que, sem esforço, podemos equiparar à ideia de democracia, baseada no princípio dito do QOT que, traduzido do tópico latinista, sempre quis dizer: o que a todos diz respeito, por todos deve ser decidido. O tal princípio, bem relatado por Fernão Lopes, assente no dever geral de conselho, que obrigou à eleição do rei, contra os pactos de Salvaterra do senhorio de honra, em nome do senhorio natural das velhas franquias nacionais que, entre nós, nunca admitiram o rei morto, rei imposto, quando os reinos não eram monarquias de tradução em calão. Claro que os pretensos bolonheses dos nossos dias têm outra genealogia. Dizem que estão contra o “magister dixit”, mas praticam coisa pior: o “burocrata dixit”. Pior: cedem ao domínio do ninguém (Hannah Arendt) de certo comunismo burocrático (J. P. Oliveira Martins) que assume o gnosticismo das reformas feitas de amanhãs que cantam e continuam essa estratégia lançada pelo veiga-simonismo, que sempre foi a de irmos de decretino reformista em decretino conservador do que está, a caminho da derrocada final da ideia criativa de universidade. Por isso me entusiasmou o pensamento essa possibilidade de uma aula medieval “de quod libet”, sem magistrais lições de sapiência, mas com o peripatético da tópica da Academia de Platão e do Liceu de Aristóteles, que sempre foi dar um passeio à volta de um problema, tirando várias perspectivas da coisa complexa, conforme as concepções do mundo e da vida dos observadores que pensam de forma racional e justa. O problema que ontem debatemos foi o do politicamente correcto e tive a honra de imoderadamente moderar os meus colegas e mestres Saldanha Sanches e Rosado Fernandes, sem que este último assumisse a postura hierarquista de antigo reitor dos outros dois. E lá se foram os fantasmas e preconceitos da direita e da esquerda e lá se destruíram as pretensas barreiras dos palanques das pretensas autoridades que o pensam ser só porque falam de cima para baixo, como actores face a uma audiência passiva. Porque os auditores também passaram a autores e tiveram intervenção.
Daily Archives: 22 de Novembro de 2007
O país real. A fronteira com Espanha recuou para Setúbal
Nestas conversas de corredor, de que é feita a universidade, discutia há pouco com o meu colega Mora Aliseda sobre as diferenças de desenvolvimento entre o interior de Portugal e o interior de Espanha. Pouco depois, ele mandou-me um mapa, elaborado pelo Professor Doutor João Ferrão que, por acaso, é secretário de Estado do actual governo. Fiquei esclarecido. A azul claro estão as freguesias regressivas, a azul mais escuro, as que estão em coma. Percebi a falta que nos faz um resto de Estado que volte ao lema do rei povoador. E voltei a admitir que deveríamos acabar com a capital, começando pela compressão dos capitaleiros, especialmente dos que continuam a estratégia desenvolvimentista do crescer a caminho do mar sem crescermos por dentro e para dentro. Confirmei que Portugal é uma ilha, sem direito a jangada de pedra. Não tarda que sejamos atirados borda fora. E não há ninguém que declare o estado de emergência? Por mim, preferia a institucionalização de regiões, por razões de salvação pública, e que se apostasse numa estratégia nacional assente em perspectivas rurbanas… Voltei a dar razão a meu mestre Herculano, quando ele denunciava o centralismo como um fideicomisso do absolutismo, mantido no liberalismo e na democracia. Percebi Joaquim Pedro de Oliveira Martins e a sua lei de fomento rural. Entendi Ezequiel de Campos e a sua denúncia sobre a falta de organização do trabalho nacional. Procurei saber se ainda existe um partido de agrocratas, como o defendeu Rodrigo Morais Soares. Dizem-me até que a semente lançada por Gonçalo Ribeiro Teles deu em fados e guitarradas, numa espécie de produção de novas melancias de outra cor, ao serviço do PSL. E meditei nalgumas imaginações. Mudarmos o parlamento para o Porto. A sede do poder judicial para Coimbra. Restaurarmos o reino e o rei povoador, sem o confundirmos com a monarquia. E até me apeteceu propor que minha universidade deixasse de ser UTL e passasse a ser Universidade Técnica de Portugal, com todos os mestres e instalações lá para as bandas de Elvas, mas sem que se repetissem competidores em Lisboa. Cheguei à conclusão que me chamariam louco, por ousar uma espécie de um arquipélago de novas Portugálias, assim à maneira de Brasília, plurais e com diminutivos. Concluí apenas que estou a querer grandeza, incompatível com este Portugalório de bonzos, canhotos e endireitas. Mas não decidi calar.