Nov 29

Europa, Sistema Eleitoral e Greve: Faz falta ouvir a malta

Estranhei, ontem e hoje, certos “mails” e mensagens que me davam em directo na RTP2, ontem, e na RTÁfrica e na RTPInternacional, hoje, quando eu continuo em quarentena. Depressa me foi dado concluir que se tratou da transmissão do programa “Entre Nós” da Universidade Aberta, gravado na semana passada. Aqui fica o esclarecimento. Em directo, sobre o tema, apenas estarei no Café Europa da Universidade Fernando Pessoa, no Porto, mas no dia 6 do próximo mês, assim recupere desta Viradeira.   Para continuar certos registos, noto que a Rádio Renascença, do passado dia 27, transmitiu o meu comentário à recente manifestação inequívoca do Bloco Central de interesses, que visa a bipolarização partidária. Também hoje a revista Visão traz comentários meus sobre o ambiente social-sindical, nas vésperas de uma Greve, onde Faz falta ouvir a malta.   Registando a comunicação, aqui deixamos a versão integral do nosso depoimento:   Na sua opinião, como é que o poder político olha para as manifestações dos trabalhadores? Como «honestas» manifestações de descontentamento? Como manipulações de outros partidos? Como provas de vida dos sindicatos? Com desprezo ou com preocupação?   Julgo que o chamado poder político nacional, no contexto da globalização e da integração europeia, já funciona em regime de pilotagem quase automático, dado que a maioria dos factores de poder que consegue gerir já não são intra-nacionais e, mesmo no plano nacional, há uma contabilidade de orçamentações plurianuais e até inter-geracionais. Logo, um qualquer governo sabe, que acima de tudo, tem que gerir dependências ditas internacionais e interdependências globais. As ditas manifestações de trabalhadores não passam de mais uma das pressões que entram na caixa negra daquilo que alguns qualificam como governança sem governo, algo que se contabiliza friamente como mais um incêndio florestal, uma cheia ou uma pequena catástrofe natural. A não ser que dê em tsunami e provoque um curto-circuito no sistema global, coisa pouco previsível, dado que, como Jacques Delors definiu a Europa, ela consegue viver com um terço de excluídos sociais, desde que garanta uma contenção, ou uma pequena melhoria de rendimento dos dois terços do centrão sociológico, dos remediados da classe média baixa que, entre nós, sustentam os partidos do Bloco central que, aliás, também são as secções portuguesas das duas multinacionais partidárias dominantes na Europa (PPE e PSE).  – E os media? Dão notícias das manifestações em França, mas por cá, aquela que juntou 200 mil pessoas no Parque das Nações a propósito da cimeira europeia, pouco mais mereceu que uma nota de rodapé. Será uma questão de credibilidade dos sindicatos portugueses? De discurso?  Quanto a credibilidade, basta assinalar que o líder da CGTP é mais qualificado academicamente que a maioria dos ministros e dos dirigentes das associações patronais, assim revelando que está prestes a patentear-se uma nova forma de questão social, não prevista por Karl Marx e Álvaro Cunhal, a emergência do proletariado intelectual. Com 65 000 licenciados no desemprego, talvez surjam manifestações de massas das pretensas elites, esses novos clérigos donde podem surgir novos fundamentalismos, provocados por certa ditadura da incompetência na organização do trabalho nacional, na vertente da formação e do sistema educativo. Claro que os sindicatos, agarrados à velha questão social do século XIX, no marxismo ortodoxo do cunha lismo cêgêtêpista, ou à questão social-democrata do relatório Beverigde, fundador do Welfare State do pós-guerra, na versão do Engenheiro Proença, ainda não entraram no século XXI.   – O que precisam os sindicatos de fazer para ganhar relevância política em Portugal, como têm em França ou na Alemanha? E para mobilizar os trabalhadores?  A embriaguez discursiva dos aproveitadores das velhas lutas de classes não tem permitido inventariar as vítimas da novíssima questão social, esses novos marginais da globalização, da europeização e do chamado desenvolvimento situacionista, os quais são a efectiva realidade deste pretenso paraíso que, sem qualquer espécie de solidariedade, lança no desemprego essa nova forma de escravatura doce. A sociedade que estamos a gerar, para garantir os pretensos direitos adquiridos de cerca de dois terços de instalados, lança as novas gerações no precário da falta de esperança. E porque os privilegiados têm o monopólio da palavra e do reformismo, continuam a música celestial das reformas do sistema de ensino e da luta pela qualificação, pensando que todos os jovens têm que ter o futuro dos “jotas” da partidocracia, dos sete aos setenta anos, que eles empregam como assessores e adjuntos, através da velha encomendação neofeudal da cunhocracia e do clientelismo, sem vergonha. Basta notarmos como começam a surgir pequenas organizações contra o precariado, esses que sabem o que significam palavras como “call center”, estágios, bolsas, recibos verdes e contratos a prazo e que não podem constituir família, ou comprar casa, mas até pagam imposto.

Nov 29

A partidocracia corre o risco de se tornar numa federação entre caciques, locais e regionais, e uma casta de políticos profissionais

Para além do folclore das reivindicações e do apoios, um redivivo rotativismo decidiu entrar em ditadura sistémica, procurando feudalizar, em bipartidarismo, mas sem bipolarização, o monopólio da representação política, numa altura até em que o PS e o PSD são secções nacionais das principais multinacionais partidárias da Europa. Por outras palavras, já não serão precisos mais golpes violentistas de chapelada para que, no futuro, tudo continue como dantes. O anunciado “gentleman’s agreement” do vira o disco e toca o mesmo vem, assim, garantir, através da lei, que todas as futuras mudanças eleitorais serão alternâncias sem possibilidade de alternativa. Belém, naturalmente, lavará as mãos como Pilatos, dado que seria feio aplaudir. Desta forma, os tradicionais “inputs” do sistema político ficam cada vez mais reduzidos ao situacionismo oficial e ao oposicionismo oficioso das duas faces do Bloco Central. As outras forças políticas estão condenadas à residual dimensão de “vozes tribunícias”, cada vez mais prenhes de demagogia, para forçarem o “agenda setting”. Todos vão deixar o campo do dinamismo interventivo aos grupos de pressão das velhas forças vivas, dado que se desiste da mobilização cívica de uma maioria de indiferentes e de abstencionistas. Corremos assim o risco de a chamada sociedade civil perder as pontes de ligação à “black box” do sistema político, onde passa a circular, quase impune, uma classe política bipartidocratizada. E esta ameaça tornar-se numa federação entre caciques, locais e regionais, e uma casta de políticos profissionais, face à qual apenas temos que referendar e plebiscitar as respectivas propostas. Logo, as “eleições”, assim rigorosamente vigiadas, poderão ser limitadas às canalizações representativas de um sistema que parece temer a voz directa dos povos. O ambiente é propício à criação de um “mainstream” que retome os vícios do rotativismo dos monárquicos liberais e da ditadura sistémica do afonsismo durante a Primeira República. Não tardará que o mesmo caia na tentação de condicionar ou punir o dissidente ou de procurar estigmatizar a heresia. Até pode acontecer que os serviços oficiais de espionagem comecem a comunicar, a grupos políticos, a lista dos infiltrados, ou que os partidos dominantes abram uma secção de renovação com blocos de bons desinscritos dos partidos marginais. Aliás, se consultarmos um desses engenheiros de sistemas políticos e eleitorais, ele dir-nos-á, em termos técnicos, que o bipartidarismo é mau para os pequenos e médios partidos, mas que é bom para o sistema, até porque um parlamento ou uma assembleia municipal que fosse uma fotocópia do país, ou da autarquia, conduziria à ingovernabilidade. Por mim, preferiria que os engenheiros sistémicos cedessem lugar aos repúblicos que se preocupam com a crescente falta de participação cívica, para todos tratarmos de reinventar a cidadania. Por isso, continuo do contra!