A partidocracia corre o risco de se tornar numa federação entre caciques, locais e regionais, e uma casta de políticos profissionais

Para além do folclore das reivindicações e do apoios, um redivivo rotativismo decidiu entrar em ditadura sistémica, procurando feudalizar, em bipartidarismo, mas sem bipolarização, o monopólio da representação política, numa altura até em que o PS e o PSD são secções nacionais das principais multinacionais partidárias da Europa. Por outras palavras, já não serão precisos mais golpes violentistas de chapelada para que, no futuro, tudo continue como dantes. O anunciado “gentleman’s agreement” do vira o disco e toca o mesmo vem, assim, garantir, através da lei, que todas as futuras mudanças eleitorais serão alternâncias sem possibilidade de alternativa. Belém, naturalmente, lavará as mãos como Pilatos, dado que seria feio aplaudir. Desta forma, os tradicionais “inputs” do sistema político ficam cada vez mais reduzidos ao situacionismo oficial e ao oposicionismo oficioso das duas faces do Bloco Central. As outras forças políticas estão condenadas à residual dimensão de “vozes tribunícias”, cada vez mais prenhes de demagogia, para forçarem o “agenda setting”. Todos vão deixar o campo do dinamismo interventivo aos grupos de pressão das velhas forças vivas, dado que se desiste da mobilização cívica de uma maioria de indiferentes e de abstencionistas. Corremos assim o risco de a chamada sociedade civil perder as pontes de ligação à “black box” do sistema político, onde passa a circular, quase impune, uma classe política bipartidocratizada. E esta ameaça tornar-se numa federação entre caciques, locais e regionais, e uma casta de políticos profissionais, face à qual apenas temos que referendar e plebiscitar as respectivas propostas. Logo, as “eleições”, assim rigorosamente vigiadas, poderão ser limitadas às canalizações representativas de um sistema que parece temer a voz directa dos povos. O ambiente é propício à criação de um “mainstream” que retome os vícios do rotativismo dos monárquicos liberais e da ditadura sistémica do afonsismo durante a Primeira República. Não tardará que o mesmo caia na tentação de condicionar ou punir o dissidente ou de procurar estigmatizar a heresia. Até pode acontecer que os serviços oficiais de espionagem comecem a comunicar, a grupos políticos, a lista dos infiltrados, ou que os partidos dominantes abram uma secção de renovação com blocos de bons desinscritos dos partidos marginais. Aliás, se consultarmos um desses engenheiros de sistemas políticos e eleitorais, ele dir-nos-á, em termos técnicos, que o bipartidarismo é mau para os pequenos e médios partidos, mas que é bom para o sistema, até porque um parlamento ou uma assembleia municipal que fosse uma fotocópia do país, ou da autarquia, conduziria à ingovernabilidade. Por mim, preferiria que os engenheiros sistémicos cedessem lugar aos repúblicos que se preocupam com a crescente falta de participação cívica, para todos tratarmos de reinventar a cidadania. Por isso, continuo do contra!

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