A poesia é mais verdadeira do que a história

Pedem-me que ficcione como será o mundo depois de eu já cá não estar, no ano de 2050 depois de Cristo. Sem qualquer cedência ao cientificismo, chame-se futurologia ou prospectiva, começo por imaginar que a própria medida do tempo pode já não ter como marco esse messias, justamente maioritário, aqui e agora. Porque outro o pode superar em plenitude e vulgatas, com a emergência de novas aparições, ou com eventuais encontros com extraterrestres, se a escatologia e a ciência o permitirem. Mas talvez ainda permaneçam homens de boa vontade que sejam homens livres, se o conceito individualista, nascido das luzes do Mediterrâneo, berço do estoicismo, do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, resistir, face aos totalitarismos grupais e aos respectivos fundamentalismos. Por mim, julgo que deixará de haver esta ficção de declararmos hipocritamente a existência de uma democracia universal, apenas permanecendo algumas democracias, as que ascenderam ao universal pela diferença, assentando no “small is beutiful” da velha “polis” e dos reinos medievais, donde  veio o conceito romântico de nação, sempre em conflito com a herança absolutista da estadualidade. Embora a esperança de uma paz perpétua, à Kant, com a sua ideia de Estado de Direito universal, ainda possa permanecer nalgumas instituições, desde a herdeira da Sociedade das Nações à união europeia, julgo que continuará a ser projecto a procura da realização do sonho dos homens de boa vontade, tentando juntar, contra a intolerância, os humanismos, cristãos e laicos, os que nos deram a revolução atlântica demoliberal, da revolução inglesa à revolução norte-americana. Se não imagino uma utopia dos “amanhãs que cantam”, à procura de uma dessas revoluções de terror, que encontrem o totalitarismo de um qualquer aparelho de poder pretensamente iluminado, nem por isso deixo de assumir a esperança, vislumbrando as sementes de bem e de mundo melhor que a humanidade tem acolhido. Em 2050, quando os meus netos forem pais e avós, julgo que eles estarão em convalescença, depois de terem sofrido novas investidas dos velhos cavaleiros do apocalipse, como novas fomes, novas pestes e novas guerras, e com os consequentes rastos de autoritarismos e totalitarismos, os tais sintomas das causas que costumam acompanhar essas degenerescências. Isto é, acredito que, depois de inevitáveis quedas, os homens concretos e o homem de sempre estarão, mais uma vez, a levantar-se, com novas frases que pensam salvar a humanidade, mas ainda sem conseguirem a salvação do mundo, essa procura da perfeição que marca sempre o homem imperfeito. Continuará por fazer a obra da “política” que, desde Péricles, sempre teve como sinónimo a “democracia”, mesmo que tivesse, ou venha a ter, um novo nome. Por isso, os meus filhos e os meus neto continuarão a ler Platão, Cristo, Buda, Confúcio, Maomé e Rousseau, bem como um desses pensadores de hoje que deconheço, mas que, de certeza, já escreveu a nova inspiração do amanhã. Porque não são os teóricos do processo histórico que fazem o homem. Será o homem a fazer a história, mas sem saber que história irá fazer. Porque ela não é causa, mas consequência. Depende das acções dos homens e não das respectivas intenções e planeamentos. Por outras palavras, continuaremos a dizer que a poesia é mais verdadeira do que a história…

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