Mar 17

Nova cena do teatro de enganos

NOVA CENA DO TEATRO DE ENGANOS

Por José Adelino Maltez

 

“Na eterna mentira de todos os deuses, só os deuses todos são a verdade”

Fernando Pessoa

 

 

Quem ousar espreitar uma obra publicada anonimamente em 1652, com o subtítulo “Espelho de Enganos, Teatro de Verdades, Mostrador de Horas Minguadas, Gazua Geral dos Reinos de Portugal”, poderá ler que “a primeira máxima de toda a política do mundo que todos os seus preceitos encerram em dois, como temos dito, o bom para mim e o mau para vós”. Porque se aceita a regra de “viva quem vence. E vence quem mais pode, e quem mais pode tenha tudo por seu, porque tudo se lhe rende”. O autor continua por achar e a obra tem como título principal “Arte de Furtar”. Apenas se confirma que, quando a política entra em degenerescência, torna-se cada vez maior a distância entre aquilo que se proclama e aquilo que se pratica, especialmente quando domina o que Raymond Abellio considera “uma ciência, a da mentira por sugestão”, isto é, a propaganda. Aqui e agora, neste regime de condomínio fechado, onde os principais donos do poder moram em vivendas geminadas,  com telhados de vidro e muitas pedradas mútuas, apenas podemos recordar a lição de Justus Lipsius (1547-1606), o fundador da razão de Estado moderada, em  Politicorum, de 1589, onde assinala que há três categorias de fraude política: a “ligeira”, consistindo na desconfiança e na dissimulação, aconselhável a qualquer estadista; a “média”, incluindo a corrupção e o engano, apenas tolerável; e a “grande”, desde a perfídia à injustiça, considerada injustificável e absolutamente condenável. A obra, que foi posta no Index pelo papa Sisto V, em 1590, porque o autor era protestante, logo passou a doutrina oficiosa desse universo a partir 1596, tornando-se num “best seller”, com cerca de quarenta e cinco edições durante a vida do autor.  Na prática, a teoria continua a ser a mesma.

 

 

Mar 15

Dos endireitas ao espírito do das Caldas. No DN hoje

Lá encerrou o concílio de Mafra, com muitas homilias, mas sem emanações neo-sebastianistas. Foi uma espécie de jogo-treino para os candidatos à liderança, que tiveram sucessivos empates, de golos, fífias, e frangos, mas onde dominou o espírito do Oeste, especialmente o das Caldas, reflexo da resistência de um PPD profundo, o das pequenas vilas e cidades dos “self made men”, talvez com saudade da gerações dos jotas com “jeans” ….
Santana começou em glória, mesmo quando disse que Cavaco deveria reconhecer Sócrates como pior “moeda” que a do respectivo governo… Infelizmente, no “day after”, inebriado pela “virtù” dos príncipes sem ritmo de jogo, meteu os pés em lugar da cabeça e ousou elevar o respeitinho ao chefe a nível do tratamento dos crimes de heresia. Porque, se a norma pudesse ser aplicada retroactivamente, o próprio Cavaco deveria ser processado…
Felizmente, a norma estatutária aprovada é substancialmente anti-estatutária, porque viola, de forma grosseira, o núcleo central da princípios gerais do partido, e até a constituição da república. Todos os três principais candidatos rejeitaram, desde logo, o espírito e a letra dessa emenda, bem pior do que o soneto, honra lhes seja!.. Essa do “quem não é por mim é contra mim”, sempre foi velha herança dos decadentismos autoritários… os tais que, durante a respectiva rotina, preferem praticar o “quem não é contra mim é a favor de mim”…

Mar 13

A falta de respeito pela palavra dada e o domínio do senhor ninguém

Leio uma de muitas notícias que circulam sobre o debate parlamentar do Orçamento. Sublinho uma das passagens:Subscreveram-na todos os partidos menos o PS. Só que, à última da hora, o PSD retirou-lhe apoio: a proposta foi chumbada com os votos contra do PS, a abstenção do PSD e o voto a favor dos restantes. Jorge Costa, deputado que representa o PSD no CA da AR, explicou ao DN que o seu partido se absteve em respeito ao princípio (não regimental) segundo o qual as propostas oriundas do CA ou são apoiadas por todos ou não são, acusando o PS de ter dado o dito por não dito. José Lello, socialista que preside ao CA, disse ao DN ter pessoalmente apoiado a proposta. Mas o seu partido é que não, bem como o Governo, alegando, segundo afirmou, que conceder o estatuto de nomeação aos funcionários parlamentares criaria “um precedente que poderia contaminar outras situações”. E por isso a bancada do PS votou contra. Jorge Costa adiantou que o dossier pode ser a qualquer momento reaberto. Confirmo: a palavra destes irmãos-inimigos perdeu-se no “comunismo burocrático” daquilo que Hannah Arendt qualificou como o domínio do “senhor ninguém”. Bastou soprarem os ventos da ditadura das finanças, para que os senhores deputados se tornassem contratados a prazo do respectivo directório. E recordo-o em nome da Ana. Que teve a sua última missão pública como assessora da comissão parlamentar de orçamento e finanças. Na precisa véspera da sua súbita e trágica morte, passou a segunda-feira dita de ponte a fazer mais uma acta da dita comissão. Acreditava fazer parte de uma elite de missão entre gente de palavra.
PSD: O espelho da nação. No DN de hoje

Num partido habituado à governamentalização, quando não há votos nem sondagens favoráveis, tudo se fragmenta em neofeudalismos e arquipelágicos apoios locais (mais de metade dos militantes estão em Braga, Porto e Aveiro).

Pesa, sobretudo, a nostalgia de 1985 e 1995, quando foi pioneiro das maiorias absolutas.

Dói concluir que, nestes últimos quinze anos, foi um verdadeiro cemitério de líderes (sete), com apenas dois anos de governança, mas a charneira de Portas.

Porque a pessoa do actual Presidente da República, ao desertificar o partido, passou a ser um ausente-presente, tão invocado como o próprio fundador, embora o irmão-inimigo, depois da saída de Soares, também tenha de contabilizar seis lideranças, embora esmague com treze anos de governo. Contudo, o PSD nunca abandonou verdadeiramente o poder.

Tem, além do Palácio de Belém, o quase monopólio na Madeira. Manda na maioria das autarquias. Fez ascender Barroso a presidente da comissão de Bruxelas. E é representado, no quarto poder, por dois dos nossos principais “opinion makers”.

Depois do fracasso eleitoral do cavaquismo sem Cavaco, o partido vai a Mafra, mas sem poder retomar o segredo da mobilização vitoriosa que levou Sá Carneiro e Cavaco ao poderio.

Já não pode invocar a trindade de “uma maioria, um governo, um presidente”, porque está condenado a apoiar a recandidatura do seu patriarca vivo.

E também está preso por ser a secção nacional de uma das duas principais multinacionais partidárias da Europa, ao lado do CDS.

Tal como está geneticamente imbricado no situacionismo, sobretudo nos “monstros” das políticas educativa e de saúde e na pesada herança do clientelismo e de outros processos de compra de poder, que enferrujaram as nossas canalizações representativas da partidocracia.

Mar 12

Contra a aliança do capitalismo de Estado com o capitalismo dos pequeninos, a que dão nome social-democrata de socialismo

Começo pelo patético. Depois de ontem ter uma prestação televisiva de comentário à entrevista de Cavaco, alguém anotou num blogue: “o sujeito escolhido pela SIC para elogiar Cavaco” (cá eu), “é, alegadamente, nem mais nem menos que sogro da filha de Cavaco e, obviamente, avô dos netos dele”. Desta, não disseram que eu era filho do capitão da polícia de choque, como um ilustre crítico de televisão do antigamente e ainda servidor do velho estalinismo… Ou um cônjuge de uma funcionária da PGR, como certa televisão insinuou… Inconvenientes de um nome plebeu e raro, quando não é alcunha, mas que agora já sirva como terminação, para certezas dedutivas de compadrio, conforme a denúncia inquisitorial.

Parentesco com netos de presidentes belenenses já as tive, sim senhor, mas com um de antes de 1974. E era tão intensamente animosas que tais netos nunca puderam visitar a avó, mulher de ferreiro, de bela estirpe rural, o que levou parte activista da família das minhas bandas a votar toda em Humberto Delgado, como quase todos me confessaram, mas já depois do Vinte e Cinco de Abril. Mais cómico é qualificarem-me como cavaquista, eu que nunca votei, nem votarei, no ilustre economista, ou num partido por ele eucaliptizado, e que sou acusado pelos assanhados do neo-sidonismo como anticavaquista primário…

Porque há quem defenda uma mistura de capitalismo dos pequeninos com capitalismo de Estado, quando este aparece fragmentado por muitos pequeninos mais papistas do que o papa do micro-autoritarismo subestatal, sobretudo quando o invocam a ciência certa, da teocracia com que lhe torceram o pepino, com “tudo o que digo é lei” e o “não estou sujeito à própria lei que faço”…

Capitalismo de Estado é o poder pelo poder: um mercedes preto, uma secretária de pau preto, bem como um motorista e uma secretária, de qualquer cor, mas de carne e osso, com muitos “yesmen” bendizendo os restos que vou escorrendo daquilo que devia ser do povo…

Capitalismo de Estado é comunismo burocrático: sentar os opositores como comensais à mesa do orçamento e manter o clientelismo, o nepotismo, as empresas de regime, o paráclito e a engenharia da cunha e a subsidiologia, até com discursos contra a corrupção. Basta enredar um qualquer desses pretensos fariseus do “olha para aquilo que eu digo, não olhes para aquilo que eu faço”…

Prefiro o velho aviso de Jaime Cortesão: ser fiel aos “factores democráticos da formação de Portugal”, desde as “comunas sem carta” (expressão de António Sardinha), como são as freguesias, aos concelhos, essas formas de “polis” que levaram o Infante D. Pedro, no primeiro tratado de política em português, o “Livro da Virtuosa Benfeitoria”, a qualificar o reino, ou república, depois dita Estado, como “um concelho em ponto grande”.

E como ainda ontem disse a um ex-patrão dos patrões, quando me interpelava sobre este herculanismo, também seguiria a lição de Passos Manuel, reorganizando o mapa, mas de baixo para cima, para reduzir o desperdício da infuncionalidade. Utilizava a região administrativa no continente e fundia concelhos e freguesias de forma federativa, retomando a mentalidade girondina e não os códigos administrativos do absolutismo. Bastava um governo provisório alargado que regenerasse o setembrismo da patuleia que sempre foi proibida pelos vigilantes exógenos… Por enquanto, apenas estou num activo Vale de Lobos da sabática, cumprindo rigorosamente o espírito e a letra da lei, isto é, trabalhando mais!

Como Cortesão também ensinava, o castelhano é que segue Quixote. Nós somos mais do partido de Sancho Pança, mas precisamos de engenharia de sonhos, daquela “visão do paraíso” que não é da utopia mas do terráqueo, de um transcendente situado que não se confunde com a demagogia dos falsos sebastianismos. Porque, cada um tem de começar por ser empresário de si mesmo, isto é, tendo uma ideia de obra que respeite as regras e promova manifestações de comunhão entre seus próximos, vizinhos e compatriotas. Estamos com sede de coisa pública, neste momento de esperança dos desesperados.

Capitalismo de Estado é saber que qualquer homem tem um preço. Há uns que se compram com honrarias, outros com amendoins. Os inimigos são os que preferem o antes quebrar que torcer. São hereges, dissidentes e inimigos do povo. Mesmo que transforme o antigo inimigo de ontem em amigo de hoje. Ele apenas era oposição com mentalidade de situação…

E Estado é dividir o mundo entre os superiores da ministerialidade, escolhidos pelos “boys”, e os inferiores eleitos nas autarquias e nas regiões, para quem “no money for the boys”. Tudo para “inglês” das “ratings” ver. Será o resultado do novo aconselhamento da agência de “lobby” ou cansaço da respectiva tradução em lusitano: “passos perdidos”, que é nome parlamentar do “átrio”?

Mar 11

Esprit de finesse

Esprit de finesse, precisa-se!

 

Presidente falou. Um reflexão de direito constitucional de experiência feita, ao bom estilo de um oficial de dia, e de muitas comparações protocolares face aos respectivos antecessores. Mas tudo o que disse era aquilo que se esperava que ele dissesse. Não houve anúncios de golpe de estado constitucional, como clamavam os chamados presidencialistas do revisionismo constitucionaleiro.

 

A mais arriscada afirmação: o PR sabe o que os portugueses querem. Trata-se de questão teológica, de quem não tem “postestas”, mas mais complexa “auctoritas”). A lição de moral política mais séria: o carácter dos homens é duradouro, os cargos políticos transitórios. A honra, a honra. Espero que esta finalmente se case com a inteligência.

 

A rasteira em que ia caindo, mas não caiu: distanciar-se da afirmação de um dos candidatos a líder do PSD sobre a dissolução da AR. A única coisa que o irritou: a questão dos pastéis de Lima e Zé Manel Fernandes, com PS pelos meandros. Que teve direito à rispidez: “uma total invenção”. Porque há coisas que se explicam uma vez e não se voltam mais a dizer.

 

Sobre as relações com José Sócrates: 150 reuniões de trabalho que “não se medem pela temperatura”. E nunca tiveram fugas de informação. Não foram quentes nem resfriadas. Até porque nunca vetou nenhum diploma do governo, ao contrário de anteriores presidentes. Também parece que ainda não está esclarecido sobre o projecto de compra da TVI pela PT. Compras dessas têm que ser tanto do conhecimento do PM como da própria opinião pública. O parlamento é que vai esclarecer…

 

Pinto Monteiro: ele só informa o PR naquilo que entende informá-lo. A nomeação e a exoneração dele depende sempre de proposta do governo. E o PR não o pode avaliar publicamente.

 

Quem fiscaliza o governo é o parlamento. É este que pode decretar que há crise política. O PR não pode substituir-se à oposição. Os processos têm que fazer o seu caminho. Ninguém está acima da lei. E ele está acima da vida partidária. Mas a situação está grave.

 

Transcrevi em oito pedaços o que os meus ouvidos quiseram ouvir das mensagens do presidente. Foi cartesiano demais, em análise e síntese, com o tradicional espírito geométrico. Faltou-lhe Pascal e “esprit de finesse”. Nunca poderia ser brasa, porque nada tem de além. Ele não acredita que a política tenha metapolítica. Separa a física da metafísica….

 

Cavaco nunca foi do partido da criatividade, isto é, considerando ciência apenas como aquilo que pode medir-se, reduz as potências da alma à razão e à vontade, temendo a imaginação. Por mim, face à alteração anormal das circunstâncias, deveria haver palavras de excepção, para que se mobilizasse a esperança libertadora de uma maioria de desesperados…

 

Meia dúzia de minutos de Alexandre Soares Santos, logo a seguir, foram palavras assentes em obras. Como seriam as de Belmiro. Gosto destas derivas liberais que não são neoconservadoras. Que os políticos ponham os empresários que o são, em contrato com os sindicatos. Para que os portugueses regenerem Portugal em esperança. E não tenham que escolher apenas entre Cavaco, Alegre e Nobre. Novo contrato social precisa-se, novo pacto de união que seja superior aos sucessivos pactos de sujeição, ou de governo, nascidos das eleições às pinguinhas, onde as perguntas e as opções estão sistematicamente fechadas pela partidocracia e pelos seus aliados das forças vivas instaladas.

Mar 10

Entre Belém e São Bento, não há portas abertas…

Ontem foi o quarto aniversário do cavaquismo presidencial. Em tudo o que ele e a primeira dama vão dizendo, em tudo o que cada um de nós disser não há ponto sem nó. Tem em vista a recandidatura do dito. Preferia que servisse sem esse porquê.

Portugal não é a Grécia. Ainda não vendemos as Berlengas, as Desertas e as Selvagens. Mas já concessionámos parte do Terreiro do Paço e ainda temos essa estupidez do conceito de domínio público marítimo, que impede a venda de praias a lotes… Assim, não demorará muito que se atinja o regime do “onde dollar beach” para cada acesso da chamada “classe média” que somos nós todos…

Quando o velho rei do Congo ouviu a leitura das nossas Ordenações, na primeira viagem que fizemos para as bandas da foz do Zaire, terá dito ao comandante lusitano: “em Portugal também é crime alguém pôr os pés no chão?”. Julgo que a imaginação fiscal do burocrata vai entrar no delírio da taxação, ao estilo do uso dos isqueiros ou do mero acesso ao “Google” e ao “Facebook”, esses privilégios da classe média…

Quem gasta pelo mau uso e prostitui pelo abuso a máquina do estadão já não está habilitado a fazer com que o estado a que chegámos volte a ser um Estado ao serviço da república, ou da comunidade, da comunidade das coisas que se amam, a que damos do belo nome de Portugal. Não nos reformem mais, reformem-se antecipadamente. Precisais de uma valentíssima e reverendíssima reforma, bem penalizada…

Os filhos do PREC viraram patrões do PEC, neste “processo em curso” que ninguém sabe onde vai dar, mas que terá sido negociado, nas nossas costas, com os eurocratas e os consultores da geofinança, retendo, do PREC, os amanhãs que cantam, e dizendo sempre que o inferno são os outros, enquanto os mafarricos do presente nos vão tostando em “simplex” do paga agora, protesta depois.

Preferia que o Zé Povinho mantivesse o sentido do gesto! Que desse o “Toma” a quem não podemos “Fiar”…

Ontem foi dia da belenização de Cavaco, com a primeira “psico” para a futura injecção fiscal que não era aumento de impostos. Depois do PREC, o PEC, ou a pecuária política sempre em curso, nesta “animal farm”, onde somos todos iguais, mas há alguns mais iguais do que outro…

Entre Aníbal e José, foram mais os anos de cooperação estratégica e de estado de graça, em que tudo foi porreiro, mesmo sem o pá. Depois foi aquela coisa dos espiões em autogestão com as respectivas teorias da conspiração, confirmando-se como entre São Bento e os arredores da gamela da Ajuda, houve um interregno de regime de assessores, “boys” e “boomerangs” sobre telhados de vidro…

José e Aníbal são siameses. Até dizem que Sócrates é o Cavaco do PS. Ambos comungam do mesmo preconceito “cainesiano” de um estadão assistencialista, intervencionista e clientelar, a que dão o nome de social-democracia, onde as mulheres são a consciência de esquerda intelectualóide…

Esta ficção da classe dita média vive do pingue-pongue valorativo, marcado pelo utilitarismo do homem de sucesso. Um dia pode ser fracturante, no outro catolaico, numa democracia-cristã que procura benzer-se com memória de Guterres, discurso de Silva Pereira ou encontros com o Padre Seabra e Dom Policarpo…

O tal estado a que chegámos tem, de um lado, Armando Vara e, do outro, Manuel Dias Loureiro. Por outras palavras, são Guizot, têm como lema o “enriquecei” da sociedade de casino dos fundos estruturais, assente em titulares honestos e incorruptíveis que usam desonestos como pés de barro, de acordo com aquele velho maquiavelismo, segundo o qual as árvores precisam de estrume.

Dez anos de cavaquistão betuminoso, passaram para o ciclo das energias renováveis, sempre com sacos azuis que restauraram a casta capitaleira e banco-burocrática, conforme as denúncias de Antero de Quental sobre o crepúsculo do rotativismo devorista da monarquia liberal, a que juntámos a ditadura da incompetência da I República, com alternâncias ilusórias, onde os bonzos vencem sempre, embora animem a fantochada dos endireitas e dos canhotos.

Se um prefere a gestão dos silêncios, outro é herdeiro da picareta falante, mantendo os monstros das políticas públicas de educação e de saúde e o desperdício de muitas tentações de intervencionismo propagandístico, nomeadamente no alinhamento da comunicação social pública e privada, com os inevitáveis clientelismos e engenharias de cunhas e subsídios…

Ambos mantiveram vacas sagradas constitucionais, como, por exemplo a divisão das magistraturas, enquanto o perfil politiqueiro os levou a provocar esta propaganda que não parece propaganda, dando uma imagem de políticos antipolíticos…

Mar 03

Contra o beatério fracturante dos prós e dos contras!

Pode parecer paradoxal, mas, quanto mais sou mobilizado pelos meios radiofónicos, televisivos e escritos da comunicação social, para pensar, ao vivo, as circunstâncias, mais preciso de apoio da metapolítica. Por isso, por aqui não tenho escrito. Porque continuam intensas as minhas pesquisas de teologia política, para poder ser prático… Não é ironia! Nos tempos do PREC, quando a instabilidade a nível do supremo poder quase chegou à transmissão de golpes em directo pela televisão, alguns observavam que o vencedor das jogadas nunca era o autor do golpe, mas o gestor do contragolpe. Quando tudo aponta para o regresso àqueles acasos procurados, onde não é a história que faz o homem, mas o homem que faz a história, apetece aconselhar alguns mais histéricos de tácticas, isto é, de disposições de forças no terreno, que importa mais uma estratégia e muita paciência. Porque é o homem que faz a história, mas sem saber que história vai fazendo. Por isso recordo o comentário que, em Setembro de 2009, fiz ao manifesto do João Gomes de Almeida: “Não posso dizer que concordo com tudo, porque a forma mais irracional de racionalidade é assinarmos manifestos. E este é tão indisciplinador que merece mesmo ser manifesto”. Estou farto de tacticistas que julgam obter vitórias berrando e esgotando-se em acções tomadas contra um inimigo, apenas quando este entra no campo de visão. Prefiro ir além daquilo que é possível ver. Ir além da simples técnica do bota-abaixo. Prefiro uma outra maneira de pensar e não o mero irmão-inimigo do situacionismo. Porque, como dizia Castex, a estratégia é como o espectro solar: há um infravermelho que pertence ao campo da política e um ultravioleta, o domínio da táctica. Prefiro a política. Imaginemos que Sua Santidade o Papa dizia que não tinha visto, não tinha ouvido e não tinha lido isso de bispos pedófilos ou de bispos que ocultaram pedófilos, só porque um deles estava em caminho beatificante. Era hipocrisia. Eram sarcófagos pintados da cor de ex-adjuntos de gabinete socrático postos em empresas ou contratos de regime… Suas ministerialidades e suas “girls”, “boys” e “lgbts”, mesmo que titulados em juridicidades e malhadeirismo, devem recordar que a justiça é a mãe do direito e que o primeiro preceito é o do “honeste vivere”, porque nem tudo o que é lícito é honesto, para além do “alterum non laedere” e do “suum cuique tribuere”… Há, neste PS, um beatério fracturante que não passa de um transplante fanático naquele tronco de um PS com o qual deveria ser incompatível se, por dentro das coisas, a natureza do partido realmente fosse. Isto é, se o poder pelo poder não tivesse unidimensionalizado o originário liberdadeirismo…

Mar 02

A liberdade é poder defender o que não penso, mesmo num regime ou num mundo que aprovo

Há uma certa história que incomoda alguns adeptos do processo histórico: aquela onde é o homem que faz a história e não a história que faz o homem. Onde o homem faz a história, mas sem saber que história vai fazendo. Reparo que está novamente em cena em Portugal “O Príncipe de Homburgo”, de Heinrich Von Kleist. Reparo que, há mais de quarenta anos, Goulart Nogueira encenou a peça. Na Oficina de Teatro dos Estudantes de Coimbra. Como também a traduziu em 1961, editando-a então na Contraponto de Luiz Pacheco. A pedido do Teatro do Gerifalto, de António Manuel Couto Viana. Apenas um registo de verdade contra o banimento. É tudo uma questão de romantismo contra os invasores napoleónicos. Sempre.

 

Também por cá, José Acúrsio das Neves esteve ao lado de José Bonifácio de Andrade e Silva. Que reaccionários e maçons deram as mãos em nome da pátria. Como, depois, as voltaram a dar na Patuleia. Só historietas de literatura de justificação de posteriores regimes, sobretudo quando eles entram em crepúsculo de banhas de cobra comemorativas, ou de procura de historiografias oficiais de livro único, para uso, como catecismo, nas escolas também oficiais. Só então é que procedem a saneamentos de intolerância, fanatismo e ignorância.

 

A liberdade não é mera abstracção geométrica, mas a consequência de uma pluralidade de indivíduos autónomos. É uma vivência feita comunidade, que só existe quando existem homens livres que são autores e não meros auditores, dado que estes acabam quase sempre como meros súbditos, quando preferem a servidão do bem-estar e da segurança, à imprevisível revolta dos escravos, em nome da justiça.

 

Também Albert Camus salienta: a liberdade é poder defender o que não penso, mesmo num regime ou num mundo que aprovo. É poder dar razão ao adversário. E, mesmo comparando-a coma justiça, clarifica: Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade perserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade.

 

Goulart foi uma espécie de D’Annunzio em português e é uma homenagem atribuir-lhe o qualificativo de fascista, um dos poucos que conheci, inteiro e artístico, e que assim deve ser lembrado. Kleist foi o pretexto para um encontro com o nacionalismo romântico, onde tudo, até a palavra fundamental, havia sido inventada por Rousseau. Porque, como ensina Ortega y Gasset, outro dos meus mestres, ao homem lhe sobe o coração à cabeça, quando o sentimento passa a predominar sobre a razão e acaba por explodir em paixão: o sentimento não se contenta do seu predomínio sobre a razão, como fonte de inspiração literária ou artística: converteu se em paixão, que a cada passo perdia o sentido das medidas correntes da realidade física ou moral.

 

Assim também foi Coimbra, no ambiente de “fim de regime”. Lá aprendi a ser neo-romântico e panenteísta. Com Heinrich Von Kleist. Com Paul Claudel. E até com Fernando Pessoa. Todos encenados na Oficina. Com Goulart Nogueira e com António Manuel Couto Viana. Não são apenas memória que quero esquecer. Continuam a ser saudades de futuro…

 

Que, para o mês de Abril, irei conferenciar sobre o tema, em Condeixa, comemorando os cem anos desta república. O pretexto vai ser Francisco de Lemos Ramalho, conde de Condeixa e Marquês de Pereira, o trisavô da Ana, títulos que nunca usou por fortes convicções políticas. E aquele retrato de família, onde também aparecem o conselheiro Luís de Magalhães, o filho de José Estêvão, e Jaime de Magalhães Lima, assim se religando a restauração de 1808 à própria Traulitânia, com progressistas casando com miguelistas . Com outras histórias da raiz das guerrilhas patuleias. Das que chegaram à Revolta dita do Grelo, já nos primeiros anos do século XX. E à revolta de Cernache de 1936, onde meus avoengos se insurgiram contra a GNR, e foram condenados e presos durante anos, mas ainda hoje sem lugar nos catecismos da liberdade, apesar de constarem com nome próprio, perdido no anonimato do colectivo, nos próprios anais inventariados por Fernando Rosas…