Um sistema político que é, ao mesmo tempo, um retrato da nossa impotência e uma causa dela

Alguns dos políticos a que temos direito continuam a minar a raiz da democracia, quando tratam de destruir o sentido da palavra pública e, consequentemente, a racionalidade comunicativa. Porque quando se gasta a necessária paixão da palavra pelo mau uso, da demagogia, e até se prostitui tal sinal pelo abuso, os discursos saem da zona do “logos” e passam para a pouca vergonha da falta de autenticidade. Valia mais enumerarem-se os muitos concursos públicos por fotografia, os inúmeros directores-gerais de aviário, a imensidade dos assessores de imprensa ganhando mais do que os respectivos ministros, o desaparecimento de todas as chefias que o mesmo ministro da defesa herdou no palácio do Alto do Restelo, a lista das encomendas às empresas de consultadoria dos inúmeros amigos de colégio e de croquete, bem como a utilização de multinacionais do direito para tratamento concorrencial dos contratos envolvendo funções de soberania do Estado. “Não sou Bocage, discurso no Nicola e vou para a oposição se o povo votar noutra pistola”.  Portugal tem quatro senadores que já foram líderes partidários, com um deles como Presidente da República e outro como Primeiro-Ministro, que estiveram unânimes no reconhecimento da necessidade de liquidação do presente sistema eleitoral que eles criaram e, depois, usaram e abusaram, para se manterem no poder, salientando, muito hipocritamente, que as actuais “lideranças apenas procuram descredibilizar-se umas às outras”, quando deveriam identificar “as novas causas” por que lutar. E nenhum deles mostrou a ficha das aposentações, reformas e mordomices que os sustentam financeiramente, desde os fornecimentos directos do OE aos subsídios vindos do mesmo bolo, ou das empresas publicamente dele dependentes,  Portugal continua a ter presidentes de câmara que persistem em assumir o título do termo de identidade e residência, enquanto se assistiu a um debate entre os estalinistas e os trotskistas, ou entre os adeptos do sovietismo e do albanismo, onde os dois estiveram de acordo sobre tudo e mais alguma coisa, salvo quanto ao uso da gravata. Portugal tem, afinal, políticos que continuam na senda decadentista, confundindo a administração pública com a empregomania e a sociedade civil com o devorismo. E quem denuncia a presente calamidade pública, desobedecendo aos ditames dos que expelem os slogans da “convicção”, da “lealdade” e da “competência”, não passa de gente maldosa que anda a fomentar a “depressão” nacional e que deverá talvez ser internada num desses hospitais psiquiátricos comprados nos saldos do Gulag. Entretanto, lá vão saneando, devagarinho, muito sem dor, de acordo com as regras da “imagem, sondagem e sacanagem”. Esperemos que um dia deixemos de ser o tal país de bananas desgovernado pelos ditos cujos…  Tudo me pareceu vogar num clima de irrealidade e de inutilidade considerável. Para já, havia “senado” a mais, num país que não o tem, e, portanto, como é um defeito dos nossos costumes políticos, demasiada reverência e pouca discussão. Parece uma maldição: ou temos a má educação das “jotas”, ou as vénias dos que gostariam de ter uma política sem conflito, higiénica, obrigada e reverente.  Foram primeiros-ministros, presidentes, ministros, dirigentes partidários, deputados. O problema é que, quando se chega à “hard politics”, os “senadores” dizem pouco, porque se o dissessem pareceriam menos “senadores”. É que o mero acto de identificar as resistências e interesses, sem ser de forma vaga e genérica, já é política pura e dura e conflitual, divide amigos e inimigos, torna-nos pouco “consensuais”, um mito da nossa política.  …eles são os “pais” de um sistema político feito para ninguém mandar e todos poderem impedir os outros de mandar. Um sistema político que é, ao mesmo tempo, um retrato da nossa impotência e uma causa dela.

Comments are closed.