A recente mudança política na Galiza tem recebido, da maior parte dos nossos comentadores jornaleiros e blogueiros, uma espécie de análise partidocrática, pró-esquerda ou pró-direita, ou, quando muito, de antipatia ou simpatia para com o velho Fraga, o ministro franquista que foi protagonista da transição para a democracia e para o Estado espanhol das autonomias. Julgo que o problema, visto de Portugal, é bem mais complexo, dado que se confirma a emergência de uma Espanha feita de um rendilhado de nações sem Estado que ameaçam conviver quase federalmente, a médio prazo, navegando em conjunto no mar da integração europeia e da globalização. Transformar os nacionalistas galegos em governantes de Santiago de Compostela, tal como já sucedia aos nacionalistas bascos e catalães, é um exemplo de maturidade democrática e de sabedoria dos nossos vizinhos e irmãos, bem como um excelente investimento da própria integração europeia. Esperemos para ver. E, como portugueses, não queremos ver qualquer tipo de destruição do Estado espanhol, de liquidação de uma experiência de cinco séculos, mas antes a vitória da democracia sobre separatismos traumáticos, mas respeitando-se as autodeterminações nacionais proibidas pelo centralismo madrileno. Se este processo continuar sustentada e pacificamente, julgo que será inevitável dar corpo político a uma nova relação multidimensional e de geometria variável no espaço peninsular, a que Portugal não pode ficar alheio, assumindo sem complexos a inevitável pluralidade de pertenças e até de um modelo de federalismo que, a coberto da estrutura europeia, pode eliminar o fantasma madrileno e castelhano e refazer a irmandade medieval donde brotámos. Bem gostaríamos que a Galiza pudesse vir a participar como observadora da CPLP, tal como não nos repugnaria que a região Norte portuguesa se inserisse com mais intimidade no espaço Norte-Atlântico da península. Se forem respeitadas as vontades das várias entidades políticas peninsulares, temos o dever de desejar a todos os nossos irmãos peninsulares que o caminho das autodeterminações nacionais possa desenrolar-se. A autonomia não tem limites, a não ser a vontade dos povos. Portugal deve oferecer a estabilidade da mais antiga Nação-Estado da Europa e das respectivas autonomias, não para instabilizar a vida interna dos vizinhos, mas para dizer que está satisfeito com a conquista da história que nos permitiu o querermos ser independentes. Somos nação politicamente autodeterminada antes de haver nacionalismo e comunidade política independente antes mesmo de ter surgido o conceito e a prática de Estado moderno. Podemos ser calmos e difundir a calma. E não confundir alhos com bugalhos.
Jun
29