Jun 23

Porque o mal não está apenas na floresta, mas em cada uma das árvores que a integram

Almossardinhei numa dessas tascas de peixe fresco da Lisboa ribeirinha, com dois companheiros de geração, dando as tradicionais bicadas de quem, não sendo vencido da vida, começa a ter a maturidade dos que só sabem que nada sabem e vão arranhando na procura do tempo perdido. Reparámos como, na universidade, tudo continua entre jubilados e pré-jubilados, nesses bailados em torno do que já não há, e todos subscrevemos o nosso desejo de exílio, interno, externo ou do que vier, para não termos que pactuar com o desvario do oportunismo. Embora nenhum de nós seja, tenha sido ou tenha vontade de ser PS, quase todos reconhecemos que esta governação, com todos os seus erros, é a última oportunidade que tem este regime, para se libertar de um sistema decadente que só não anda à procura de Gomes da Costa e de Oliveira Salazar porque, hoje, tanto é tecnicamente impossível um golpe de Estado, como já não hipóteses de manipulação da engenharia financeira e da macro-economia. Contaram-se dessas muitas história proibidas das desventuras dos magistrados e dos júris universitários, assim se revelando como, mesmo na zona do que deveriam ser as corporações sustentadoras das pátrias e dos Estados, penetraram os vírus do vazio axiológico e da também falta de boa educação, entre o cristianíssimo e confuciano “não faças aos outros aquilo que não queres que te façam a ti” e o Kantiano “actua de tal maneira que a máxima da tua conduta se transforme em lei universal”, coisas que o meu falecido pai traduzia de forma rural quando me mandava ser homem de cabeça levantada e espinha não torcida. Porque o mal não está apenas na floresta, mas em cada uma das árvores que a integram, pelo que as reformas apenas podem ser consolidadas se forem sustentadas por pessoas livres e responsáveis. Por estas e por outras é que pesquisei o significado do “humor merancórico” e espreitei uma análise da obra de L. Lemnio, Della complessione del corpo humano Libri III, da quali a ciascuno sará agevole di conoscere perfettamente la qualitá del corpo suo, e i movimenti dell’animo e il modo di conservarli del tutto sani, , Venezia, Domenico Niccolino, 1561, 2ed., 1564, onde, citando Galeno, para uso dos jesuítas, se afirma que enquanto os indivíduos de temperamento sanguíneo são inconstantes e volúveis e por conseguintes pouco aptos para a vida religiosa, a perseverança e a diligência do animo procedem do humor bilioso sendo que este humor determina a velocidade, o ímpeto e a inquietação, bem como a fluência do discurso. A constância e a firmeza são consequências do humor melancólico combinado com um moderado calor. O indivíduo fleumático não é apto para obras de entendimento e memória e para os estudos, pois o calor que estimula o engenho neste temperamento é inibido ou diminuído pela presença da qualidade húmida. A partir deste referencial, pode-se explicar o porque os temperamentos definidos como colérico-melancólico, ou colérico-sanguíneo, ou simplesmente colérico sejam maiormente aptos para a atividade missionária, pois dotados daquele ímpeto, capacidade de comunicação, e inteligência necessários para empreender acções num campo social e natural difícil e novo. Da mesma forma, os indivíduos fleumáticos são destinados, na organização da Companhia, aos ofícios domésticos; os melancólicos, em pequena quantidade, trabalham nos colégios como professores e desenvolvem actividades intelectuais. Quem quiser que enfie a carapuça do Quixote! Eu sou do partido de Sancho Pança…. Face a algumas discrepâncias interpretativas sobre a metáfora de Quixote e Pança, hei por bem fazer um “acertamento”, informando que, apesar de tentar seguir ao lado do primeiro, na suas farpas contra e além dos moinhos, em noite sem vento, prefiro a fiabilidade da embraiagem do meu jumento, mesmo sem ar condicionado. Mais informo que não farei abdominais, não sonho com Dulcineias e, apesar da promessa de “jobs” numa ilha com lugar, perdi o cartão de “boy” e tenho o dever de revoltar-me como funcionário público. A felicidade é uma utopia, mas ter momentos de felicidade pode ser todos os dias.

 

Jun 23

o poder só muda quando o mesmo começar a temer o poder dos sem poder

Somos obrigados a reconhecer que o poder só muda quando o mesmo começar a temer o poder dos sem poder e efectivamente se democratizar. Não para substituir o rei absoluto pelo povo absoluto. Não para dizer que manda o povo em democracia. Que mandam poucos em aristocracia. Ou que manda um só em monarquia. Mas antes para dizermos que, nesta democracia, o dever-ser não é responder ao quem manda, mas ao como se controla o poder de quem manda. E aqui é que o 25 de Abril ainda não se libertou do 28 de Maio. Tal como este nunca saiu do 5 de Outubro. Tal como todos eles não escaparam dos tentáculos leviatânicos, onde o Estado, enquanto alma artificial, sempre disse que era lei o que o príncipe dizia e que o príncipe não estava sujeito à própria lei que fazia. Só há Estado de Direito, isto é anti-Estado, enquanto “l’État c’est moi”, quando: -as polícias deixarem de receber cunhas  para safarem os políticos e os amigos dos políticos das multazinhas; -as polícias investigarem mesmo tudo quanto merece ser investigado; -as polícias não brincarem a manifestações anedóticas, ideológicas ou insultuosas para as crenças dos outros. Há dias de azul e dias de negro. Podem seguir-se dias de viver como pensamos, sem pensarmos muito como os vivemos. Quando pudermos cumprir o que prometemos. Quando voltar a moral, enquanto ciência dos actos do homem como indivíduo livre. Quando voltar a casa bem arrumada, vivendo com aquilo que temos e estando conscientes da circunstância de problemas económicos, como o défice ou a evasão fiscal, só poderem ser resolvidos com medidas económicas, mas não apenas com medidas económicas. Porque só depois da casa, “oikos” em grego, com a sua “oikos-nomos”, ou ciência dos actos do homem enquanto membro da casa, a que damos o nome de economia, só depois da casa é que saímos para a praça pública e fazemos política, que é coisa dos cidadãos, da ciência dos actos do homem enquanto membro da “polis”, da “civitas”, da “respublica” ou do “Estado”. Quando a política regressa ao nível da casa, os negócios da política voltam ao doméstico e o chefe político tanto passa a “paterfamilias”, como a “dominus” (de “domus”, isto é, casa em latim), isto é a “dono”, ou “oikos despote”, em grego. Quando a política não se distingue da moral, pode até chegar a Inquisição, santa, católica, apostólica, romana ou salazarenta , quando não comunista, sovietista, trotskista, maoísta ou doutro rebanho colectivista, onde o indivíduo se perde como “indiviso”, como ser que nunca se repete e que passa a ser mera consequência do rolo compressor das ideologias, pieguices ou catecismos. Por outras palavras, não há política, sem que antes haja economia, sem que antes haja moral, mas desde que se respeitem absolutamente essas esferas de complexidade crescente. Pôr a economia a fazer moral é tão pouco liberal como misturar política com religião, alhos com bugalhos, ou ter a ilusão totalitária de pensar que pode haver cidadãos sem indivíduos ou sem trabalhadores. Quem não trabalha não come. Quem não paga impostos não deve poder exercer a cidadania. E todos devemos ser contribuintes morais.