Jan 10

Uma campanha sem bom-senso e até sem bom-gosto

De como Balsemão respondeu às denúncias de Soares, na primeira página do seu semanário

 

A doze dias do fim desta peregrinação politiqueira de uma campanha dita eleitoral, resta saber se ainda é o povo quem mais ordena, mas antes quem controla o esquema de rede no qual o país parece encurralado, desde as teias banco-burocráticas aos esquemas de controlo da mediacracia, num sistema que tem como cúpula uma partidocracia, demasiadamente participada por desempregados sociais e revolucionários frustrados. Permanecente parece apenas ser certo sonho de devorismo possidente, manipulando símbolos como os da religião e das universidades concordatárias, da pátria e dos cargos desempenhados, da cultura e do próprio desporto.

 

Entretanto, os fantasmas de esquerda, em vez de retomarem a luta antitotalitária e de descoberta do real, isto é, das novas formas de opressão e de repressão, voltam a antigas vestimentas leninistas, trotskistas, estalinistas e maoistas, nas suas ridículas traduções em calão do vanguardismo, para que assim possa passar incólume certo autoritarismo inquisitorial, fradesco e catedratista. A invocação do mero antifascismo, onde não faltaram assassinatos políticos dos dois lados da barricada, não significa o mesmo do que mobilização para a luta de libertação, contra os subsistemas de medo que nos vão corroendo por dentro, repetindo os tradicionais erros de certo guerrilheirismo patuleia que, quando entra em desespero costuma cair na demagogia populista, sem bom-senso e até sem bom-gosto.

 

O erro do soberba intelectualóide de certos apoiantes de algumas candidaturas anticavaquistas não tem permitido que o falso elitismo, oriundo da extrema-esquerda burguesa passe aos banhos de multidão da gente simples, preferindo as tácticas de bridge capitaleiras e burguesas, que nunca hão-de conseguir corporizar qualquer movimento de resistência e de libertação nacionais. As cliques minoritárias da chamada seita da cultura, brincando aos saneamentos e às manifestações encenadas não nos dá lastro para a necessária revolta.

 

Campanha continua a ser palanque e encenação, com comícios, jantaradas e arruadas para televisão filmar, impedindo que os debates políticos se transformem em luta de ideias, porque os bonecos candidatáveis que passam no écran do videopoder, apenas parecem representar guiões previamente ensaiados pelos assessores de imagem e pelos directores de comunicação, para cumprimento de um abstracto e geométrico “agenda setting”, acordado entre os directores de campanha e os donos da programação televisiva. Temos assim mais “reality shows” do que telenovelas e corremos o risco que a intervenção do povo seja mero episódio referendário, num espectáculo que pode vir a ser mera consequência deste paralelograma de forças, previamanete ocupado por aquilo que podemos qualificar como métodos não democráticos de conquista do poder.

Jan 10

Partido Socialista: de Fontana a Ramada Curto

O Partido Socialista foi fundado em 10 de Janeiro de 1875, na sequência do Congresso de Haia. Assumia-se, então, como marxista contra o bakuninismo, como depois vai tornar-se proudhoniano, embora antes se tenha destacado no Porto, com o apoio à eleição de Joaquim Pedro d’Oliveira Martins como deputado progressista, com o apoio dos miguelistas e em nome da memória patuleia que queria restaurar o partido de Passos Manuel. Da sua primeira comissão directiva fizeram parte José Fontana, Azedo Gneco, Nobre França e Tedeschi. Antero Quental, autor do folheto O que é a Internacional, de 1871, estava nos Açores desde 1873, por morte do pai. Teve como órgão O Protesto, em Lisboa, e o Operário, no Porto, até surgir a fusão em O Protesto Operário.. O primeiro programa apenas data de 1895.

 

Fontana fazia saraus operários lendo trechos do Portugal e o Socialismo de Oliveira Martins, editado em 1873. Carteava-se com Quental para pôr de pé o programa. Mas, não conseguindo juntar os restantes membros do Cenáculo chegou a dizer que, para não haver cismas, assentara-se em não haver programa Veio a suicidar-se em 2 de Setembro de 1875. O I Congresso reuniu 23 associações e 48 delegados.

 

 

 

Em 1877 surgiu a primeira cisão quando Azedo Gneco patrocinou a candidatura de Oliveira Martins pelos progressistas, no círculo do Porto, com a desistência dos socialistas. No II Congresso, de 1878, 17 associações e 48 delegados. Aí se abandonaram as teses da abstenção, resolvendo-se que o partido nunca deveria deixar de ir à luta eleitoral. Nesse ano, o partido muda de nome, quando se funde com a Associação dos Trabalhadores da Região Portuguesa, passando a designar-se Partido Operário Socialista Português, sob inspiração das teses guesdistas. Em 1879 surgiu a dissidência do grupo A Voz do Operário, órgão dos manipuladores de tabaco já anarquista. No Congresso de 1880, o partido estava já reduzido a 9 associações.

 

 

 

No Congresso de 1885 surge novo programa do partido, inspirado no federalismo de Proudhon, alheando-se da luta revolucionária e do princípio da luta de classes. Com efeito, em 1884-1885 começou a intensificar-se o anarquismo e a respectiva propaganda, principalmente quando a partir do momento em que Manuel Luís Figueiredo e Viterbo de Campos participaram no Congresso Internacional de Paris de 1889. Surgiu então o confronto entre os economicistas, possibilistas defensores das reformas (Luís Figueiredo) e os marxistas ou revolucionários (Azedo Gneco). Os primeiros publicam O Protesto Operário e o Trabalhador, mobilizando Carvalho e Cunha, Agostinho da Silva e José Martins. Os segundos publicam o Eco Socialista e têm a apoiá-los Nobre França, Domingos Leite, Conceição Fernandes, Viterbo de Campos e Luís Soares. Estes dois grupos, maioritários, distinguem-se de mais dois: o grupo dito dos ecléticos, que publicam A Voz do Operário e o Amigo do Povo e o grupo dito dos socialistas de Estado, com Sousa Brandão, Costa Goodolphim, Liberato Correia, Augusto Fuschini, Jaime Batalha Reis e Oliveira Martins.

 

 

A verdadeira vocação dos portugueses é socializar os prejuízos e individualizar os lucros (Ramada Curto)

 

Como então reconhecia Nobre França, o que hoje existe tem pouca significação verdadeiramente socialista. O que predominam são agremiações, animadas pela burocracia, esperando pelas cebolas do Egipto. Em 1897 houve uma cisão dentro do grupo de Gneco, quando Ernesto Silva e Teodoro Ribeiro pretenderam uma aliança com o Partido Republicano, tendo surgido uma aliança republicano-socialista.

 

Alguns socialistas chegaram a apoiar Sidónio, levando a uma divisão em 1919, com o ministro socialista Augusto Dias da Silva a receber apoio dos anti-sidonistas. Na altura, conseguiram 4 deputados (2.126 votos em Lisboa e 1 569 no Porto). Realizou-se então, em Outubro de 1919, o Congresso da Figueira da Foz. Seguiu-se o X Congresso de Maio de 1922, em Tomar. No XI Congresso, realizado no Porto, em Junho de 1924, o partido passou a ser dominado por Ramada Curto e Amâncio Alpoim. Tinham então, no Porto, o jornal República Social e em Lisboa O Protesto.

Jan 10

No dia da morte de António Sardinha

Hoje, há algumas marcas do tempo a assinalar. Poderia dizer da publicação do manifesto Common Sense de Thomas Paine, de 1776, ou do nascimento de Lord Acton (1834), prefiro escolher a fundação do Partido Socialista e a morte de António Sardinha (1888-1925). Diria deste último, enciclopediacamente, que foi um ensaísta português, fundador do Integralismo Lusitano. Acrescentaria que também pode ser qualificado como o insigne vulgarizador do tradicionalismo. Nada diria do meu António Sardinha que tanto me influenciou, quando silenciosamente o li aos dezasseis anos e fiquei para sempre sardinhista, mesmo quando, depois, dele fui discordando em acordo.

 

 

 

 

Sardinha, marcado pela origem republicana e formado no positivismo de Comte, quis colocar-se naquilo que designou como o campo da ciência objectiva, assumindo-se contra o romantismo revolucionário. Considerou que “pela federação das nossas confrarias agrícolas Portugal se constituiu”. Salientou que as causas da crise espiritual do Ocidente derivam do chamado renascimento do direito romano, onde o “absolutismo dos reis entra a preverter a noção cristã de autoridade”. Esse vício teria sido agravado pela Renascença “com a sua ideia naturalista do Poder e o seu centralismo excessivo, mesmo despótico” e com ela, Lutero que “quebra a unidade moral da Europa”.

 

 

 

 

 

Acontece que, na Península Ibérica, “o humanismo pretensioso da Renascença se depura e deixando de ser, como era para os gafados italianos, um fim, um ideal de vida, volve se com os Colégios da Companhia (de Jesus) acentuadamente, um meio de educação valiosíssimo, um valioso agente de formação mental, de que o Colégio das Artes em Coimbra nos fornece um exemplo convincente”. Depois, com a derrota da Invencível Armada, deu se “o cisma das nações e o advento das éticas do norte com o seu natural triunfo em Vestfália”. Finalmente, o absolutismo vai triunfar sem reservas no século XVIII, “destruindo todos os organismos intermédios” e deixando “apenas o Estado na presença do indívíduo, despojado já da rede miúda das associações domésticas e económicas”.

 

Para Sardinha, “o Estado Absolutista do século XVIII antecede logicamente o Estado Metafísico e todo poderoso das modernas democracias. Esse Estado é o Estado napoleónico baseado não na noção histórica da autoridade derivada da Família, da Comuna e das Corporações, mas no simples conceito materialista da força e do domínio”. A seguir veio o idealismo alemão:”nos seus vícios estruturais o germanismo, para evitar o vácuo, encaminha nos para o absoluto. Donde a quase divinização do Estado, com Fichte e Hegel por seus corifeus na Pátria de Kant, no solar do livre exame”. Citando George Santayana, vai considerar pagã essa filosofia germânica do eu, “procurando sobrepôr a inteligência como princípio e fim de si mesma, às evidências contantes do ser”. Para ele, “na pulverização crescente da sociedade, o ‘indivíduo’ dos idílios solitários de Rousseau dera lugar ao ‘cidadão’ dos festins eleitorais do liberalismo” e este “volveu se sem demora no ‘produtor’ da metafísica bastarda de Karl Marx”.

 

 

 

 

 

 

Foi, assim, que o Estado passou de “instituição coordenadora e complementária” a “instrumento de domínio” e que se gerou “o estadualismo mais abusivo e mais arbitrário”. Nestes termos, Sardinha vai propôr o regresso ao direito natural, “como compreendia São Tomás e toda a magnífica coorte dos seus comentadores peninsulares da Contra Reforma, com o insigne Francisco Suarez à cabeça”. Seria o regresso à liberdade orgânica e à noção de pessoa: ” a liberdade, no seu superior sentido orgânico, é natural da Península, sendo entre nós o absolutismo um intruso violento, um hóspede atrevido e não desejado”. Com efeito, “os hispanos basearam se sempre, por condição peculiar da sua índole, na noção de pessoa” e não na noção de indivíduo; “a individualidade vem do corpo, da matéria, do instinto. Inversamente, a personalidade da alma. ”

 

Para ele, o cristianismo é uma “grande democracia espiritual, a única, a verdadeira” e “em cujo seio somos todos irmãos e iguais perante Deus, diferenciando se somente pelos méritos adquiridos, pelas virtudes professadas, essa grande democracia espiritual, repito, correspondia ao que borbulhava no mais entranhado do génio hispânico: a ideia da independência e a ideia de responsabilidade”.

 

 

 

 

 

Este polemista excelso, cuja escrita vibrante sempre andou na procura do mistério da alma portuguesa, levou-o ao profundo desassossego de um projecto por cumprir. Espero que, hoje, na biblioteca do mestre, que se guarda na universidade concordatária, alguém tenha depositado um simbólico ramo de flores. É o que muito espiritualmente vou fazendo, em nome da necessária confraria dos homens livres.

 

Posso imaginar o que ele escreveria depois do 28 de Maio e quase poderia dizer que estaria ao lado do seu companheiro de sempre, Luís Almeida Braga, denunciando os bobos da Corte e os que enterraram a monarquia, em nome do presidencialismo de primeiro-ministro.

Jan 10

Campanha eleitoral

A doze dias do fim desta peregrinação politiqueira de uma campanha dita eleitoral, resta saber se ainda é o povo quem mais ordena, mas antes quem controla o esquema de rede no qual o país parece encurralado, desde as teias banco-burocráticas aos esquemas de controlo da mediacracia, num sistema que tem como cúpula uma partidocracia, demasiadamente participada por desempregados sociais e revolucionários frustrados. Permanecente parece apenas ser certo sonho de devorismo possidente, manipulando símbolos como os da religião e das universidades concordatárias, da pátria e dos cargos desempenhados, da cultura e do próprio desporto. Entretanto, os fantasmas de esquerda, em vez de retomarem a luta antitotalitária e de descoberta do real, isto é, das novas formas de opressão e de repressão, voltam a antigas vestimentas leninistas, trotskistas, estalinistas e maoistas, nas suas ridículas traduções em calão do vanguardismo, para que assim possa passar incólume certo autoritarismo inquisitorial, fradesco e catedratista. A invocação do mero antifascismo, onde não faltaram assassinatos políticos dos dois lados da barricada, não significa o mesmo do que mobilização para a luta de libertação, contra os subsistemas de medo que nos vão corroendo por dentro, repetindo os tradicionais erros de certo guerrilheirismo patuleia que, quando entra em desespero costuma cair na demagogia populista, sem bom-senso e até sem bom-gosto. O erro do soberba intelectualóide de certos apoiantes de algumas candidaturas anticavaquistas não tem permitido que o falso elitismo, oriundo da extrema-esquerda burguesa passe aos banhos de multidão da gente simples, preferindo as tácticas de bridge capitaleiras e burguesas, que nunca hão-de conseguir corporizar qualquer movimento de resistência e de libertação nacionais. As cliques minoritárias da chamada seita da cultura, brincando aos saneamentos e às manifestações encenadas não nos dá lastro para a necessária revolta. Campanha continua a ser palanque e encenação, com comícios, jantaradas e arruadas para televisão filmar, impedindo que os debates políticos se transformem em luta de ideias, porque os bonecos candidatáveis que passam no écran do videopoder, apenas parecem representar guiões previamente ensaiados pelos assessores de imagem e pelos directores de comunicação, para cumprimento de um abstracto e geométrico “agenda setting”, acordado entre os directores de campanha e os donos da programação televisiva. Temos assim mais “reality shows” do que telenovelas e corremos o risco que a intervenção do povo seja mero episódio referendário, num espectáculo que pode vir a ser mera consequência deste paralelograma de forças, previamanete ocupado por aquilo que podemos qualificar como métodos não democráticos de conquista do poder.