Porque se há o velho terrorismo e o novo terrorismo, importa salientar, na senda de Albert Camus que também há o terrorismo da razão e o terrorismo de Estado. Porque revolução e Estado têm rimado com terrorismo, nesta civilização contemporânea onde acaba por ter razão quem vence. Quando os terroristas passam a homens de Estado, os grupos em que os mesmos assentam ganham a dimensão heróica de movimentos de libertação e alguns dos respectivos líderes até podem ser condecorados com o Prémio Nobel da Paz. A revolução, de que é paradigma a francesa, de Robespierre e do Terror, a que praticou o genocídio da Vendeia e que utilizou a técnica da guilhotina, tende sempre a assumir uma literatura de justificação que mitifica o torcionário, como acontece com esse assassino chamado Ernesto Che Guevara que as multinacionais pop transformaram em inspirador de sucessivas gerações. Pode haver novos terrorismos, mas não deixa de haver um lastro permanecente: o papel da violência na política e o maquiavélico conformismo de todos os realismos políticos e movimentos da Razão de Estado, segundo os quais os bons fins justificam os maus meios, tudo se medindo pelo critério do êxito. Não há, nestes domínios, nada de novo debaixo do sol, a não ser a utilização de novos meios tecnológicos de matança. Mesmo na nossa história contemporânea, temos algum pudor na análise de fenómenos como a LUAR, o PRP/BR, a ARA ou as Forças Populares 25 de Abril, como não enfrentamos a questão do terrorismo de Estado salazarista, bem expresso pela PIDE/DGS que foi bem além dos safanões a tempo. Porque aqui também tem razão quem vence e até quem esquece. Especialmente num país que viveu as sombras de uma campanha anti-subversiva de uma guerra colonial. E até poderíamos ir mais longe, abrangendo questões proibidas como a formiga branca, o miguelismo caceteiro ou o contra-miguelismo devorista. Talvez seja melhor vermos o outro lado da moeda da globalização. Para além do novo terrorismo, há que analisar a injustiça de um mundo onde os ricos são cada vez menos e cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres e em cada vez maior número. E, sobretudo, que assumirmos a nossa estreiteza quanto à compreensão das grandes religiões universais. Louvei especialmente a dimensão cosmopolita de um João Paulo II no modelo dos encontros de Assis e a estreiteza daquelas elites portuguesas que parecem indignas da nossa tradição armilar. Chamei a atenção para a nossa falta de informação e de diálogo sobre o que se passa no Magrebe, tanto das coisas más, como das coisas boas, nomeadamente o recente acordo para a autonomia dos berberes e invoquei a necessidade de uma espécie de Estado de Direito universal que, na senda da proposta de Kant, de 1795, possa criar uma entidade supra-estadual capaz de gerar justiça, em nome de um rule of law que nunca foi o império da lei, mas um dever-ser que nos leve a considerar que a lei é inferior ao direito e que o direito é inferior à justiça. Por isso aqui repito um pequeno artigo que publiquei depois do 11 de Março em Madrid: Dizem certas enciclopédias políticas que o terrorismo tem a ver com a prossecução de um objectivo proclamado como político através de meios violentos, ou da intimidação. Dizem outras que se trata daquele método revolucionário que força a população a cooperar com os subversivos através de uma especial forma de violência, o terror. Não referem muitas que alguns dos que mais se declaram como combatentes do terrorismo, apenas o fazem para disfarçarem que não passam de agentes de um autêntico Estado Terrorista. Por outras palavras, quase todos ainda continuam a justificar “a posteriori” a utilização da violência para a conquista do poder, considerando que há actos de violência terrorista que podem ser menos violentos do que certas situações de violência. Não faltam até os que foram ministros ou continuam agentes de Estados que mandaram assassinar adversários políticos e que têm o despudor de dar lições de moral televisiva e de teorizarem calhamaços sobre a matéria. O método foi, aliás, utilizado pelas resistências ao nazi-fascismo, desde os liberais aos partisans, visando a liquidação de situações de violência, consideradas como autênticos Estados Terroristas. Da mesma forma, o terrorismo foi utilizado pelos movimentos anti-colonialistas de libertação nacional do Terceiro Mundo, que ainda usam esses sinais de luta armada como símbolos nacionais e cujos líderes chegaram a ser reconhecidos oficialmente como interlocutores pelas organizações internacionais. Alguns desses mesmos “terroristas” chegaram mesmo a ser recebidos pelo próprio Papa, como fez Paulo VI com os três líderes dos movimentos de libertação nacional da Guiné, Angola e Moçambique que aí combatiam militarmente a soberania portuguesa. Porque, desde a neo-escolástica que sempre se admitiu o tiranicídio. Há assim um espaço de ambiguidade entre o terrorismo, a luta de libertação nacional e a resistência libertadora. Até porque o único padrão utilizado tem sido a eficácia do resultado. Por outras palavras, a possibilidade do vencedor poder decretar a qualificação justa para o grupo que o apoiou, enquanto o vencido, condenado ao silêncio, não passará de mero bandido armado. O que no dia 11 de Março se passou em Madrid dura há séculos e infelizmente vai continuar. Só haverá paz na terra, se os homens forem homens, de boa vontade. Se o direito fundamentar e limitar o poder internacional. Se a justiça iluminar o direito. Mas desde que a justiça não seja impotente. E o direito não seja manipulado pelo poder. Com efeito, tanto há formas violentas de modificação política (da guerrilha à revolução, do golpe de Estado à rebelião e à insurreição) como estados de violência, pelo que, muito eclesiástica e catolicamente, até se teorizou a espiral da violência, salientando-se que a violência estrutural da opressão sistémica gera a violência subversiva do rebelde, a qual leva à violência repressiva dos instalados. Por isso, muitos referem uma violência estrutural ou simbólica, diversa da violência física, concebendo-se aquela como a forma de controlo social resultante dos processos de aculturação e de socialização, dado que, ao integrar-se numa sociedade, o indivíduo é obrigado a renunciar à satisfação de algumas expectativas, gerando-se uma diferença negativa entre os desejos e as realizações efectivas. Retomando Pierre Bourdieu, pudemos, aliás, observar, nalguns comentários aos recentes acontecimentos sangrentos, que se mantém o domínio de certa violência simbólica, daquela forma de impor como legítimas certas significações, ocultando as relações de força interessadas no estabelecimento dessas significações. Quando os tradicionais “bonzos” da nossa gerontocracia que abusa da posição dominante no situacionismo doméstico e no dependencismo seguidista face à potência dominante, depois de carimbarem o conceito terrorista que mais lhes convém e de se esquecerem que foram activistas de certos modelos de Estado Terrorista, continuam a lavar as mãos como Pilatos, no “day after”, termos de concluir que alguns intelectuais também a ser responsáveis pelas carnificinas. Procurando ser fiel a uma certa ideia de Portugal, pouco me importa ficar no incómodo minoritário face aos ventos daquelas modas que passam de moda e que geram a moluscular sucessão de pensamentos únicos, entre a esquerda menos e a direita menos, com que configuramos este não pôr os ovos todos no mesmo cesto. Porque, neste momento de encruzilhada, perante aquele unanimismo social-democrata, ou socialista democrático que, com Cavaco e Sócrates, tanto invoca a esquerda moderna comos os ideologismos revisionistas de Bernstein, apenas podemos notar que atingimos esse máximo de ousadia que significa a astral conjugação do PPE em Belém com o PSE em São Bento. Assim, temos de reconhecer que este alargado regime da fusão, expresso pela hipérbole conciliadora e coabitante do rotativismo, não levará a que, nos próximos anos, surja qualquer incidente de política doméstica que ameace este equilíbrio do c Por outras palavras, as eleições presidenciais e as eleições legislativas, assim somadas, se têm inequívoca legitimidade democrática e até poderão ter sonhos ridentes de Bill Gaitas e Eme Ai Ti, essas novas formas de bacalhau a pataco, da futura oportunidade perdida, levram a um equilibrismo que só poderá ser abalado quando uma crise importada demonstrar que os irmãos-inimigos não passam de um magnífica estátua de ilusões assente nos pés de barro de um péssimo sistema educativo e de um modelo social não meritocrático.
Daily Archives: 24 de Janeiro de 2006
Pela Santa Liberdade! Entre a rainha Ginga e a Maria da Fonte…
Não vou falar de Mozart, vou ouvi-lo. E recordar duas outras efemérides: que chegou ao fim a guerra do Vietname, em 1973, e que se deu a revolta portuense de António Bernardo da Costa Cabral, sob o pretexto de Restauração da Carta e da liquidação da ordem desencadeada pela Revolução de 9 de Setembro de 1836.
Digo apenas que, quanto a guerras coloniais, todos os nossos principais parceiros da Europa Ocidental, as sofreram. Só que as acabaram antes de nós sermos obrigado a sofrer as nossas que tiveram a dimensão de super-guerras civis, tanto físicas como ideológicas, principalmente quando a partir de 1965 parte significativa da oposição democrática assumiu o princípio do abandono. Só que nós éramos meras peças de xadrez de outras guerras mais vastas, onde quase todos actuavam por procuração. Até porque algumas das guerras que sofríamos continuaram depois de nós a abandonarmos. E até mais gravosamente.
Só na Guiné é que ela parou, depois de mandarmos para a bolanha uns milhares de homens para colmatarmos os erros provocados pela Casa Gouveia, ou CUF, esse empório que ainda por aí anda, depois do massacre do Pidjiguiti e de se permitir que outros decepassem os dedos para que eles conservassem os anéis, assim se confirmando que o capitalismo não tem pátria, mas apenas cordel. É que a guerra na tal Indochina começou logo em 1945, com a França democrática, da Resistência a enfrentar os guerrilheiros comunistas, tal como sucederia entre nós se Norton de Matos tivesse vencido Salazar em eleições livres.
Já quanto ao golpe de António Bernardo de 1842, há apenas que acrescentar ser o dito, nesse momento, ministro da justiça de um governo setembrista e grão-mestre da maçonaria, depois de ter começado a sua carreira política como um ultra-esquerdista quase republicano, fazendo exaltadíssimos discursos no Clube dos Camilos. Vai, no entanto, sobressair como administrador de Lisboa, nomeado pelos setembristas, onde se destacou como repressor policial das revoltas promovidas pelos seus antigos companheiros esquerdistas.
E subindo na escala das sociedades secretas, agora no poder, chega a ministro durante os governos ditos ordeiros que estavam a destruir o setembrismo por dentro. Será apenas derrubado após uma guerra civil onde se juntaram os restos do setembrismo puro com os restos do miguelismo, primeiro na Maria da Fonte e, depois, na Patuleia. Mas voltará ao poder depois de uma intervenção militar anglo-espanhola, com a orquestração francesa, assim voltando a integrar Portugal, como potência secundária, no esquema do colonialismo interno europeu. Por isso é que os angolanos independentes substituíram a estátua que lá deixámos, da Maria da Fonte, por outra da Rainha Ginga, dois símbolos que até não podem ter existido como os representamos.