Fev 04

CPLP

Os acasos da história não me fizeram combatente, mas desejo que se cumpra a honra com adequada inteligência, para que os cobardes e os traidores nunca sejam os vencedores nas brumas da memória. Os mortos de todas estas guerras, pelos muitos lados de tais combates, bem merecem que as respectivas mortes não tenham sido em vão. E os heróis que ainda resistem, de um lado e de outro, exigem a adequada paz dos bravos. Sem deserção dos homens bons, dos homens livres e dos homens de boa vontade. Ai das pátrias que não respeitam os que morreram pelas suas próprias pátrias.

 

Os massacres e as chacinas de ambos os lados não são para esquecer, mas para guardar por dentro da memória.

 

Quase todas as descolonizações da imperial Europa que Deus tem foram, quase todas levadas a cabo por governos ditos de direita. Com efeito, mesmo em França, as esquerdas que não obedeciam aos patrões da guerra fria, ainda tinham, nos anos quarenta e cinquenta, obediência ao impulso do patriotismo imperial.

 

O mesmo que marcou a nossa Primeira República e que o salazarismo traiu com a gestão de merceeiro do Acto Colonial, que não seguiu os planos monárquicos de Paiva Couceiro, ou os sonhos republicanos das missões laica, implantados por Paiva Couceiro ou Álvaro de Castro.

 

Mesmo a oposição de esquerda ao salazarismo só muito no crepúsculo da Ditadura é que abandonou essa perspectiva da nação una, ainda bem agitada pelo capitão Henrique Galvão, antes e depois da aventura do Santa Liberdade. Mas também foi este inspector colonial que, em pleno Palácio de São Bento, como deputado salazarista, teve a ousadia de, num relatório, denunciar os resquícios de escravatura que se mantinham no chamado trabalho forçado em Angola.

 

Na época da denúncia, as colónias ainda não tinham voltado ao velho nome de províncias ultramarinas, como vai acontecer com o primeiro ministro do Ultramar, um ilustre maçon que já veio tarde demais para o sonho imperial da integração, quando fracas eram nossas forças e já não podíamos livrar-nos da pressão internacional.

 

Mesmo o que a propaganda salazarista balbuciava em tempo de guerra, da nação una e indivisível, segundo velho desenho de Galvão, apenas visava adiar aquilo que ele considerava inevitável: uma terceira guerra mundial, onde o Ocidente pagaria a Lisboa esse esforço de resistência.

 

Pena que tenha tardado essa corrida contra o tempo, abolindo o indigenato e praticano o pluri-racial e o pluri-continental. Os portugueses e os povos que estavam sob formal soberania portuguesa acabaram como simples peças de um xadrez de guerras por procuração, com que se disfarçou a guerra fria.

 

Os resultados foram dramaticamente consequentes, com o revigorar dos conflitos armados em Angola e Moçambique, já depois da saída de cena da república dos portugueses.

 

É evidente que não posso ter saudades de futuro de um modelo que produziu colonialismo, escravatura e racismo, o lado sombrio de um outro luminoso sonho que o tempo não quer cumprir. E tenho de agradecer a todos esses povos o facto de quererem ser independentes.

 

A melhor forma de continuarmos a procurar Portugal fora de Portugal passa pelo universal dos futuros laços qye se tecerem entre essas diversas comunidades de várias pátrias da mesma pátria de uma língua comum que há-de ser mátria. Uma super-nação de várias nações, a caminho de uma super-nação futura que tenha o Brasil como líder.

 

Aquilo a que chamam CPLP é imperfeito esboço de um mais vasto sonho que, dia a dia, as plurais identidades e culturas podem referendar pela comunidade das coisas que se amam, com saudades de futuro.