A convite do Manuel Acácio fiz mais um desses comentários de convidado no Forum da TSF e que me valeram adjectivações de fiéis comunistas tão certeiras como de “barbárie” e de “desonestidade intelectual”, quando apenas decidi falar, como simples mortal, de Cunhal, hoje feito santo, herói e mártir, mas que não passa de outro mortal, como os restantes homens comuns que apenas são eternos porque sabem que são finitos. Repetindo o que neste blogue tenho observado, identifiquei-o com o D. Sebastião científico previsto por Guerra Junqueiro e insisti na tese de que ele foi, objectivamente, o melhor aliado de Salazar . Disse que não foi Cunhal que derrubou o “fascismo”, para citar aquilo que me disseram que disse um ex-ministro de Salazar a um jornal de ontem, mas que ainda não confirmei. Ele apenas fez uma pega de cernelha a um golpe militar, tentando transformá-lo numa revolução sovietista. Primeiro, tentou controlar as greves ditas selvagens, isto é, as que não eram promovidas pela respectiva correia de transmissão sindical. Segundo, tentou proibir e diabolizar os chamados contra-revolucionários no 28 de Setembro, ilegalizando partidos de direita. Terceiro, tentou liquidar os capitalistas no 11 de Março, para promover as nacionalizações. Quarto, tentou acabar com o PS, a partir do “caso República”, contrariando os resultados das eleições de 25 de Abril de 1975. Quinto, instrumentalizou as independências africanas em favor dos respectivos aliados soviéticos, não prevendo dezenas de anos de guerras civis em Angola e Moçambique, com os consequentes milhares de mortos. Sexto, admitiu o latrocínio da chamada reforma agrária, mas com ocupações apenas depois da queda do governo de Vasco Gonçalves. Cunhalfoi um paradoxo. Um revolucionário assumido que, por isso mesmo, nunca podia ser humanista. Um comunista, totalitário, que também nunca podia ser pela democracia pluralista, porque comunista sovietista não rima com liberdade real, mas apenas com “amplas liberdades” cheias de prisões políticas, delitos de opinião e “gulags”. É natural que as minhas opiniões não tenham gerado indiferenças, mas adesões e ódios, como o lutador Cunhalprovocou. Mas não me apetece ser dessa direita cobarde que adora o inimigo, ou como os ex-comunistas e ex-maoístas, cheios de tendências recalcadas, sempre em dialéctica com Álvaro Cunhal, um português antigo, de raízes fidalgas, que tentou restaurar a ideia de 1385, não de acordo com os factos, mas com a tese que elaborou sobre a matéria, mas que nem por isso o transformaram num misto de Mestre de Aviz, Álvaro Pais e Fernão Lopes. Afinal, perdeu. E como dele disse, ontem, em o “Público”, Francisco Martins Rodrigues, foi “um progressista de vista curtas…toda a sua vida foi passada na busca de um meio-termo, capaz de acalmara indignação dos pobres sem atemorizar as classes médias”. Cunhal, muito paradoxalmente, não passou de um Salazar ao contrário, de um Galvão ao contrário, de um Mário Soares ao contrário. E embora, tenha dificuldade de falar de santos, heróis, mártires e profetas, no dia do respectivo funeral, sempre sou capaz de assinalar as três contradições supremas do artista, do “democrata” e do patriota. Foi o artista contra a ideia de arte pela arte, como polemizou contra José Régio, clamando pelo neo-realismo da arte comprometida. Foi o democrata que não renunciou à ditadura do proletariado nem ao chamado centralismo democrático. E até foi teluricamente patriota, quase miguelista, mas comprometendo-se como agente do sovietismo na guerra fria, em nome de um falso sol da terra. Peço perdão por continuar, coerentemente, mais anticomunista do que anticunha lista. Mas até me redordei de os comunistas, qu dominavam as comissões eleitorais de Norton de Matos, contrariaram o desejo deste ir às urnas, para não legitimarem democraticamente o salazarismo no pós-guerra. Os pormenores da expulsão de Soares do convívio com o velho ministro liberal, republicano e maçon reflectem os dramas do chamado anti-salazarismo lusitano, causados pela emergência activista do estalinista Cunhal. Perdoem-me que até tenha recordado o nome do antigo líder do PCP, Velez Grilo, que esteve na base da revolta de 7 de Setembro de 1975, em Moçambique, ou que lembrasse os maçons “kuribekas” de Luanda que tentaram evitar uma descolonização que continuo a considerar criminosa e sangrenta. De Cunhal, prefiro recordar o artista que permanecerá. Porque, para citar o comunista Joaquim Barradas de Carvalho, as ideologias passam, as culturas ficam. Acrescento até: os comunismos e cunha lismos hão-de esquecer, Portugal vai resistir. E hoje somos mais felizes, porque comunismo já rima com Portugal. E se tiver que agradecer a Cunhal esta evolução, quero aqui elogiar Cunhal.