Acordo pela manhã e verifico que todos os portugueses são abalados por parangonas de sensacionalismos político-judiciais. Esperemos que a máquina devoradoramente anónima da irresponsabilidade burocrática, naquilo que abstractamente chamamos sistema, se não transforme na continuidade desta ditadura do senhor ninguém, onde a culpa continua a morrer solteira, apesar de já ter sido ordenado novo zeloso inquérito levado a cabo por mais uma investigação corporativa, já noticiada pelo perpétuo regime das notas oficiosas onde muitos paus vão e vêm enquanto folgam as costas. O tal Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), conde de Oeiras, e marquês de Pombal, sem ser de Mirandela, depois de ser diplomata em Londres e Viena, entre 1738 e 1749, destacou-se como o executante do despotismo iluminado durante o reinado de D. José I (1750-1777). Com ele nos chega o terramoto político do estadualismo, à imagem e semelhança do próprio terramoto de Lisboa de 1755, onde vai reconstruir a cidade de acordo com um modelo arquitectónico geométrico, com as anteriores pedras. Destaca-se também a respectiva reforma da Universidade em 1772, onde tenta eliminar a dominante jesuítica da ratio studiorum, preferindo o empirismo mitigado. Personifica um quarto de século de reformismo despótico, onde usa as doutrinas do mercantilismo. Lança, assim, as fundações do Portugal Contemporâneo e do modelo unitário do Brasil. Conclui em Portugal o edifício do Estado Moderno, empreendendo uma luta contra os poderes periféricos da nobreza, do clero e do povo. De facto, a alavanca da mudança para a nossa modernidade política é Sebastião José que personifica um quarto de século de reformismo despótico, onde usa as doutrinas do mercantilismo e adapta as teses do josefismo austríaco, expressas por Karl Anton Von Martini (1726-1800), por sua vez, marcado pelo reformismo católico italiano da primeira metade do século XVIII, bem expresso pela influência de Muratori no nosso Luís António Verney. Este ajudante de déspota, filiado na Maçonaria, é uma das figuras incontornáveis da história de Portugal e do Brasil, sendo sempre glorificado tanto pelos confrades maçónicos, que lhe exaltam as luzes e as boas intenções dos objectivos, como pelos posteriores defensores do despotismo, que lhe justificam os meios, em nome do fim e do resultado. Aliás, não terá sido um acaso que a grande estátua lisboeta que o consagra e que, ironicamente, coroa a chamada Avenida da Liberdade, depois de justamente se iniciar na praça dos Restauradores, ter sido financiada por uma campanha da Maçonaria, iniciada em 1882. Contudo, apenas pôde ser inaugurada em 1931, já com Salazar no poder, numa cerimónia oficial onde estiveram presentes, talvez pela última vez, tanto os dirigentes do Grande Oriente Lusitano, como um ministro da Ditadura Nacional. O terramoto das reformas Pombalistas consagra, o modelo de centralização unitária de Portugal, eliminando certos resquícios pluralistas da monarquia limitada pelas ordens que ainda permaneciam no nosso ancien régime. De facto, Pombal vai construir o Estado tal como promoveu a reconstrução da cidade de Lisboa depois do terramoto de 1755, através das linhas arquitectónicas de um racionalismo geometrizante que procuraram eliminar as autonomias da nobreza, bem expressa na liquidação dos Távoras, da Igreja, excelentemente manifestada com a expulsão dos jesuítas, e do povo, como foi patente no chamado massacre da Trafaria. Para tanto, instaura um modelo moderno de burocracia, reforma a Universidade e procura controlar os respectivos programas através da técnica do livro único. Deste modo, aniquila os últimos vestígios da cidadania, constantes da Constituição política de 1385. Paradoxalmente, os nossos liberais maçónicos, acentuando mais a irmandade anticlerical e anticongreganista, do que a liberdade, vão venerá-lo e, salvo algumas excepções, como a do Cardeal Saraiva, nem sequer tratam de relembrar a memória republicana e quase monarcómaca dos autores jesuítas que influenciaram os juristas da Restauração, ao contrário do que aconteceu em Espanha, com o inspirador doutrinário do doceanismo, Martínez Marina. Acontece que esse movimento reformista foi rapidamente ultrapassado pelo ritmo da chamada Viradeira de D. Maria I, configurando-se um autoritarismo reaccionário que recebu os impactos da Revolução Francesa, através dos reflexos de janelas fechadas, defensoras do hibridismo estabelecido. Isto é, sem ousarmos um conservadorismo tradicionalista, gerámos um modelo próprio que vai repetir-se no século XX, com o autoritarismo salazarista, um conservadorismo do que está, que tanto rejeitou o fundo do tradicionalismo consensualista, à maneira dos wighs, como um neoconservadorismo pós-revolucionário, ao estilo de Burke.