Há dias em que no começo do dia, passando os olhos pelos jornais, sinto que não há nada para dizer. Passo pelos blogues, à cata de novidades de pensamento provocatório e reparo como continuam quase todos pendurados na dogmática das seitas e dos catecismos. Até um texto do paradoxal Fernando Pessoa recebe tiros de canhão verbal, fazendo jorrar, sobre o que de mais universal há no pensamento político português, o tal sebastianismo que já existia antes de D. Sebastião e que também podemos encontrar noutras culturas, com outros nomes, as habituais rendas de bilros da racionalidade finalística, como se fosse possível aceder-se à racionalidade axiológica sem os laicíssimos mistérios das religiões seculares que fazem a “polis”, a “respublica” ou a “comunidade”. Porque, quando as várias aldeias, cada uma nas suas sete colinas, se congregaram nessa comunidade das coisas que se amam, em torno da simbólica acrópole, a colina federadora assumiu tal missão porque nela estava tanto o Estado (o castelo, ou palácio do rei) como a Nação (o templo, aquele mistério pelo qual podemos dar a vida, porque só podemos dar a vida pelas coisas que amamos).
É por isso que as nações todas são mistérios. E tanto o eram no tempo em que a política era a ciência arquitectónica (quando se incluía a religião e o direito como suas servas), como quando a política passou a ser mera serva da teologia. Tudo se complicou na modernidade, depois do deicídio que nos mandou pensar a política mesmo que Deus não exista e que muitos confundem com o ateísmo ou o gnosticismo, coisa que costuma ser particularmente utilizada pelos adeptos da teocracia e do providencialismo, para as tradicionais e estúpidas contendas entre a política e a religião.
Esta é a questão. E nada tem a ver com programas de direita contra programas de esquerda, porque há subsolos filosóficos de esquerda que coincidem com os de direita, e vice-versa. Logo, quando cansa a ortodoxia da esquerda ou da direita não há nada de mais eficaz do que introduzir um pedacinho de terrorismo filosofante ou poético, para baralhar os catecismos e os credos. Obrigado, Fernando Pessoa. Aos meninos e aos borrachos, põe Deus a mão por baixo…
Eu também me insurgiria contra a primeira lei da Assembleia Nacional salazarista e contra o parecer camaral corporativo que a sustentou. Porque Carmona, Vicente Ferreira e José Alberto dos Reis tinham tido a mesma filiação que Joseph de Maistre. Prefiro o pluralismo da tradição conservadora e liberal que os britânicos e norte-americanos souberam manter.