Uma notável autarquia pública, detentora de cerca de cinquenta por cento de uma universidade dita privada, acaba de tentar descobrir a careca de uma ilustre personalidade, vice-presidente de um dos dois maiores partidos portugueses e esposa do presidente do principal banco português.
A universidade responde que a senhora auferiu, a título de honorários por serviços de assessoria jurídica e de mandato judicial prestados em 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007 (…), respectivamente as importâncias de 1.200.000$00 [seis mil euros], 37 409,85 euros, 27 433,88 euros, 44 318 euros, 10 mil euros 12 500 e 2000 euros, tendo emitido os competentes recibos verdes, o que perfaz um total de 139 410 euros. Ouvida a senhora, esta disse estranhar a iniciativa: não tenho nenhum vínculo [àquela entidade], sou advogada, estou no mercado.
Foi há uns anos que a mesma autarquia aí colocou, como supremo mandador, outro ilustríssimo jurista, por acaso, o presidente da assembleia-geral da autarquia, e, também por acaso, o actual presidente do segundo partido português, o qual logo recorreu aos serviços jurídicos da visada, não indo, naturalmente, ao dito mercado. Aliás, até a viria a colocar a mesma, sua antiga adjunta, como sua número dois, de acordo com as tais nomeações supremas com que a partidocracia costuma desfigurar a lei da oferta e da procura e a concorrência leal. Neste caso, além do mercado, a vítima também foi uma certa ideia de universidade e uma certa ideia de democracia.
Julgo que, se colocássemos o taxímetro das horas e dos honorários a funcionar, se verificaria como os serviços autarco-juridico-partidocráticos sempre foram melhor pagos do que aqueles com que se remunerava um professor. Aliás, taxímetro por taxímetro, também seria interessante conhecer quanto recebia, directa ou indirectamente, o actual presidente do principal partido da oposição, nessas tarefas. Nesta quinta, os animais são todos iguais mas há sempre alguns que são mais iguais do que outros.
Nessas zonas mistas do público autárquico com o universitário de mercado, com patos bravos à mistura e formas indirectas de financiamento partidário, as chamadas universidades privadas foram, e são, um excelente laboratório, onde cada partido usufruiu dos laços de convívio íntimo com a sua universidadezinha. E também seria interessante fazermos cruzamentos com as principais construtoras civis, em vez de entrarmos nas habituais teorias da conspiração e dos relatórios dos serviços secretos, entre comércio de diamantes e tráfico de armas. Porque logo chegaríamos à conclusão que o principal problema do ensino superior não passa de uma questão de assoalhadas, lombas, rotundas e parques de estacionamento.
E a coisa passou do superior privado para o superior público e concordatário, dado que os mesmos agentes coincidem em sucessivas falências, mas sempre com excelentes discursos de música celestial, fazendo chorar as pedras da calçada. Aliás, a nietzschiana vontade de poder e os recônditos freudianos podem explicar as movimentações de alguns actores universariantes que se pensam donos das suas vaidades, mas não passam de meras peças de xadrez, movimentáveis pelo processo da facturação, ou ansiando por suplementos de vencimento e, até há pouco, complementos de reforma, ou até acumulações de aposentações, a que costuma acrescer a glória de poderem mandar nos contínuos e nos motoristas, com direito a secretária de carne e mesa de escritório de torcidos e pau-preto, com telefone pago e Mercedes à espera.
Contudo, a recompensa suprema dos candidatos a mandadores, neste arquipélago de micro-autoritarismos subestatais, continua a ser a chamada subversão a partir do vértice dos aparelhos, para glória das pequenas vinganças dos políticos desempregados e dos políticos frustrados, que pensam poder manipular a fábrica de chouriços doutorais, onde o chefe e o subchefe podem finalmente ser citados e o serviço de relações públicas da coisa consegue, finalmente, cinco minutos de tempo de antena, com entrevistas e belas fotografias no jornal da região, cujas fotocópias são depois afixadas no átrio da instituição, ou metidas nos cacifos dos serviçais.
Os filhos, os sobrinhos e as primas podem finalmente ver como o chefe ficou bem na fotografia e até é possível que o serviço de edições da mesma coisa publique as entrevistas completas e os discursos de sua excelência, nomeadamente os das comemorações do aniversário da inauguração da impressora a cores, do balcão do bar ou da missa de acção de graças. Em qualquer dos casos, convém que, em cada momento institucional, se contrate o serviço de croquetes do restaurante da vizinhança, com tudo bem regado por uísque velhote, onde sempre se pode embebedar um dos institucionais mais susceptível, aproveitando-se os excessos de o ver cair de trombas, especialmente no dia em que ele deu uma bofetada num qualquer incauto e, depois, foi transportado aos ombros, para risada geral face ao inimputável de uma tal coisa, feita de comunismo burocrático, onde a culpa morre sempre solteira e os cemitérios estão cheios de insubstituíveis.
Entre Maquiavel, Nietzsche e Freud, lá vamos cantando e rindo, neste vira o disco e toca o mesmo e com os mesmos…