O jornalista-historiador, Eduardo Bueno, vestindo-se de uma linguagem weberianamente dura, descreve, de forma realista, as grandezas e as misérias lusitanas, mas, por isso mesmo, manifesta um intenso amor às origens da sua própria pátria. E lá podemos viajar pelo tempo do senhor D. João III, Tomé de Sousa e Manuel da Nóbrega, entre letrados e guerrilheiros de Jesus, com seculares, burocratas e desterrados que saíam do Tejo à procura de um lugar onde que lhes desse vida, já que, no velho reino, eram mais os pés do que as botas. Já então a história de Portugal era a história do défice, do desperdício e da exagerada carga fiscal. Bueno mostra-nos os extremos, entre o lusitano Caramaru, um desses lançados que se transformou numa espécie de rei dos índios, e o jesuíta Manuel da Nóbrega, o fundador de São Paulo, o gago das mortificações em público, ditas exercícios espirituais. E assim continuamos a viver entre o sórdido da corrupção e o dramático da procura do mais além, enquanto alguns vícios privados, de vez em quando, se inserem no bem comum, mesmo quando misturam feudalismo e estadualismo, economia privada e serviço de el-rei, num acumular de contradições que acabou por constituir esse reprodução de cidades e do próprio reino, a que hoje chamamos Brasil. A descrição de Bueno é atraente, fazendo da história uma espécie de guião cinematograficamente colorido e tornando-se numa espécie de livro de aventuras empolgante, mesmo quando exagera no traço e caricaturiza o lado da degenerescência de uma sociedade de favoritismos, tráfico de influências, exagero de funcionários e corrupção. Porque faz, muito lusiadamente, a denúncia caseira dos nossos próprios vícios. Aliás, a crítica acerba pode ser uma forma humanista de amor, nesta viagem por umas profundas origens medievais e renascentistas, quando ainda não tinham chegado os ventos do soberanismo, do estadualismo e do próprio negocismo capitalista e se viviam as explosões da nossa mistura de heterodoxias, entre cristãos novos, fidalgos falidos, militares andantes, navegadores, arquitectos, físicos e artesãos, todos muito papeleiros e humanamente imperfeitos. Mas foi nesse caos, refugiados nas paliçadas, entre a voragem esclavagista e a antropofagia, que começámos a tal procura do paraíso que levou todos a desmatar uma terra quase virgem, construindo cidades e vilas, dotando-as de vereações pluralistas e erigindo um novo reino, sempre segundo o regimento, sempre violando o regimento, para também se vararem as linhas das Tordesilhas. Todos os povos são também as respectivas origens, essemanifesto destino que a nossa liberdade de sonhar vai construindo e desconstruindo, dia a dia vencendo a necessidade, o tal desafio das circunstâncias que vamos moldando, em nome da perfeição de um mundo melhor, nesse transcendente situado a que chamamos vida, entre a aventura e o pragmatismo. Só depois de ler tudo, de um jacto, é que reparei fazer parte da bibliografia, como meu O Estado e as Instituições, de 1998, incluído na História de Portugalde A. H. de Oliveira Marques, no volume coordenado por João Alves Dias (século XVI), com um comentário honroso.