Jan 15

A aventura da reciclagem contra a co-incineração

Nestas eleições justas e livres, mas onde, infelizmente, manda quem pode, até que desobedeça quem deve. Isto é, nós, os povos de Portugal. Aliás, a teoria dos lugares elegíveis apenas serve para confirmar que os deputados correm o risco de não serem eleitos, mas, simplesmente, nomeados pelos directórios partidários, tornando as eleições mero espectáculo plebiscitário, onde os velhos, novos e pretensamente futuros ministeriais dão sacrificados passeios pela província ao fim-de-semana, depois das tarefas ciclópicas de nomeação, ou de promessa da dita, relativamente aos esforçados “boys” e das “girls”, com intervalos de mergulho tropical e férias na neve. Muitos continuam a julgar que apenas se faz política pela arte da aritmética do rolo compressor, movido a publicidade e da propaganda. Contribuinte é obrigado a consumir e a pagar, directa ou indirectamente. Assim se mantém a circunspecta abstenção dos servidores daquilo que, desde Antero de Quental, se tem qualificado como aliança banco-burocrática, velho mau hábito lusitano que continua a ser seguido pelas gentes do centrão, também dito Bloco Central de interesses. Em Portugal o importante não é ser ministro, ou deputado, é tê-lo sido.

Jan 13

Monárquicos e republicanos

É evidente que, no actual quadro político, não existe um problema de regime. Se formalmente não vivemos em monarquia também substancialmente não temos um regime republicano, segundo os ideais dos revolucionários da Rotunda. O facto de a I República ter sido caricaturalmente parlamentarista e partidocrática, transformando o Presidente da República num simples instrumento do partido dominante , eleito pela “classe política” num colégio eleitoral, apenas provocou um vazio na simbologia máxima do Estado. A partir do 28 de Maio e, muito principalmente, com a institucionalização do Estado Novo, através da Constituição de 1933, gerou-se um formal presidencialismo bicéfalo, onde efectivamente imperava o Presidente do Conselho de Ministros que, mesmo depois de abandonar a titularidade da “ditadura das Finanças”, continuou a ser o efectivo “Princeps”.  O salazarismo, com efeito, liquidou em Portugal o dilema Monarquia/República, gerando um hibridismo que a dita III República, posterior ao 25 de Abril ainda não conseguiu superar.  Com efeito, o estilo salazarista de chefia do Estado foi particularmente acirrado com o General Ramalho Eanes que, apesar de legitimado pelo voto popular, nunca se libertou de uma outra superior legitimidade: a de ser militar, a de pertencer a uma entidade que a si mesma se considera diversa da “sociedade civil”. Só com a eleição de Mário Soares se deu uma efectiva restauração da República a nível da chefia do Estado, uma restauração que, contudo, não foi feita contra os monárquicos nem marcada por sucedâneos cesaristas…. Paradoxalmente, a nossa primeira experiência efectivamente republicana , a nível da chefia do Estado… também gerou um dos primeiros movimentos de verdadeiro instauracionismo monárquico, retomando-se uma das constantes da nossa tradição política, que teve no Integralismo Lusitano, durante a I República, e nos movimentos monárquicos de oposição ao salazarismo os principais esteios contemporâneos.  Está , aliás, por fazer o inventário da influência da formação monárquica no actual regime, muito principalmente na biografia intelectual de políticos como Francisco Sá Carneiro e de muitos outros sociais-democratas, socialistas e democratas-cristãos que, se não fossem as convenções folclóricas do regime, sempre prefeririam um 1º de Dezembro com o Rei de Portugal do que um 5 de Outubro no cemitério dos regicidas. Não se iludam, contudo, os monárquicos militantes com estas novas brisas da história. A monarquia em Portugal não foi derrubada pelo 5 de Outubro. A monarquia já tinha sido derrubada muito antes, tanto com o absolutismo como com o revolucionarismo de inspiração jacobina, e continuou a ser derrubada depois dessa data, com as subserviências face ao cesarismo e às ditaduras. A monarquia, como instituição de direito natural, apenas existe quando a instituição tem efectiva legitimidade, isto é, quando ninguém a discute e todas a praticam como instituição viva, tão natural como o ar que se respira ou a nação que todos os dias se plebiscita.  Com efeito, não haveria monarquia em Portugal, nos termos da legitimidade das velhas leis fundamentais, se, por exemplo, através de um referendo, a maioria absoluta ou a maioria qualificada da população optasse pela monarquia. Enquanto a ideia monárquica continuar factor de divisão entre os portugueses, enquanto continuar vivo, mesmo que minoritário, um partido republicano, a monarquia nunca poderá conquistar a legitimidade. A monarquia não existe se depender da obediência e não do respeito. Só existe monarquia se o rei for tão natural como a família, sem estar dependente dos factores da conjuntura. Por isso é que a existência de partidos que se qualificam como monárquicos continua a ser um dos principais atentados contra a própria ideia monárquica em Portugal. Do mesmo modo, será impossível qualquer instauracionismo monárquico se persistir na opinião pública a confusão entre a ideia monárquica e o aristocratismo, muito principalmente daquele que continua a ser ostentado por certos aristocretinos da nossa praça, maioritariamente descendendentes da falsa fidalguia do baronato liberal, que usurparam os títulos através da especulação financeira e dos golpes partidocráticos.  Na verdade, qualquer instauracionismo monárquico só será viável se a política portuguesa voltar de novo a ter aquela necessária temperatura espiritual geradora de efectiva legitimidade e de democráticos consensos populares. Enquanto a política que temos continuar a traduzir em calão os discípulos de Maquiavel o monarquismo não passará de emblema para certas castas falsamente monárquicas e que são as verdadeiras responsáveis pela efectiva não popularidade da ideia monárquica em Portugal.  Diria, pois, à maneira de Fernando Pessoa que, apesar de sempre ter sido monárquico, se houvesse, agora, um referendo sobre a questão, teria que optar pela República para defender os verdadeiros princípios monárquicos.

Jan 13

Pequena reportagem íntima de um dia de campanha

Esta noite, desloquei-me ao círculo eleitoral onde fui honrado com uma candidatura a deputado. E, depois de uma conferência de imprensa de apresentação da candidatura, dentro da sobriedade e modéstia esperadas, quando uma rádio local me entrevistou, questionando-me sobre como sentia o “peso desta responsabilidade”, logo disse que não o fazia vergado pelas ciclópicas tarefas, mas com um grande prazer. Porque o civismo impõe que aqueles que criticam, debatem e combatem, a nível do comentarismo político e doutrinário, têm o dever de sujar as mãos e de descer ao terreno, largando as celestiais alturas de quem apenas faz homílias, mas que teme o risco de ir ao sufrágio e de fazer campanhas no meio do povo. Tenho imenso prazer na cidadania activa, no eleger, no candidatar-me, em suma, no viver a política até ao fundo, do porta-a-porta ao comício. Já o faço há muitos anos, desde a adolescência, porque, da democracia, posso dizer, parafraseando Luís Vaz, que vale mais experimentá-la do que julgá-la, embora também não faça mal que a julguem os que, infleizmente, a não podem experimentar. Até citei a velha sabedoria militante daqueles religiosos que tinham como lema o “ora et labora”. E “laborando” lá dei, e os meus companheiros, uma conferência de imprensa, na presença do líder, e com muita gente da imprensa local. A certa altura, demonstrando como pode exercitar-se o pluralismo, assumi claramente a minha divergência com o presidente do partido, quando me declarei defensor da regionalização e invoquei a minha antiga qualidade de militante do movimento “Portugal Plural”, quando ele andava pelo “Nação Una”. Mais acrescentei que nunca participaria num movimento unidimensional, com uso de “cassette”, “disquette”, “cd rom” ou “dvd”. O prazer da luta política democrática enobrece quem a assume e pode ter a ilusão de viver como pensa. Senti até o pequeno orgulho de ter sido um dos impulsionadores de uma candidatura que foi das primeiras que em Portugal, nesta campanha, lançou um blogue como suporte de unidade da mesma e como, noutros locais desta blogosfera, como tal foi reconhecido. É evidente que, por razões deontológicas, também aqui não indicarei o caminho para a ele acederem, embora tenha o realismo de considerar que, com o mesmo, não serão imensos os votos que conseguiremos. Mas quem anda em campanha para lançar semente, sabe que só pode colher se antes semear para o médio prazo. Só pode servir quem merecer o povo e a política não é economia… Regressado a casa, depois de sentir, felizmente, a chuva, lá para as bandas do meu círculo eleitoral, e clicando nos telegramas das agências, logo verifiquei como o critério jornalístico escolheu, e muito bem, duas ou três pequenas frases de um crivo oportunista, a fim de entrar na corrente do “agenda setting”, confirmando-se que, nestes domínios, como ensinou o teórico da aldeia global, importa mais o “medium” do que a “mensagem”. Mas não me queixo. Sei perfeitamente quais são as regras do jogo. E até reconheço como outras podem ser as perspectivas da imprensa regional, mais atenta ao olhos nos olhos, ao estilo das pessoas e ao pequeno-grande ritmo da vizinhança, do “small is beautiful”. E a democracia precisa cada vez do multidimensional e da pluralidade de pertenças.

Jan 12

Nesta época essencialmente analisadora, vivam os apitos dos inteligentes!

Sobre estes dias que passam, os historiadores futuros hão-de confirmar que, de forma quase clandestina, a intelectualidade portuguesa se dividiu civilizacionalmente, não entre o bem e o mal, que são sempre relativos, pois o mal tem sempre pedaços de bem e o bem, pedações de mal, mas sobre a maneira como usamos argumentos a favor de um dos lados binários que um qualquer referendo nos impõe. De repente, cairam as máscaras, raspou-se o verniz e o rei passou a ir nu e sem folha, um rei velhinho em cima do burro, tendo ao lado um rapazinho que ora anda a pé, ora quer saltar para o dorso da besta, conforme os gritos da matulagem que foi à rua ver o cartaz, ou gozar com o desfile da manif. O chico esperto é o que prefere ficar atrás dos cortinados e espreitar o espectáculo atrás da janela, tentando lavar as mãos como o velho Pilatos, dizendo que, no dia do referendo, tem uma importante viagem de turismo científico, mudando de argumentário conforme o camaleão, a fim de poder saudar o vencedor e atirar as pedradas com que a matulagem costuma punir o relaxado ao braço secular que acabou de arder na praça dos sanbenitos, ou que malhou com os ossos num dos cárceres, com reservado direito de admissão para os dissidentes. Há pedações de mal entre as gentes que vão escolher o mesmo que eu no próximo referendo, como há imensas zonas de bem entre os que se me opõem, embora eu considere que o pior dos males está naqueles que, no meio da discussão, adquirem o principal vício dos chamados críticos da democracia e a que damos o nome de ódio. Noto com alguma curiosidade laboratorial a quantidade de vermes que por aí circulam. Não me refiro aos que vão para o combate com vivacidade argumentativa, respondendo com letras e garfos, porque esses sabem driblar e assumem que o essencial da democracia é o diálogo com o adversário, porque conseguem circular em torno de lugares comuns (esses até os cito e a eles dou réplica, embore não goste do argumento da piada catedrática, que, no debate, nunca usei). Refiro-me a outros, com destaque para os titulados academicamente que, por deformação profissional, mantêm a postura típica dos moscas da Inquisição e do intendente que, depois de serem restaurados pelo bufismo pidesco, se disfarçam agora de profissionais da pretensa inteligência, fazendo, dessas águas chocas, um modo de vida que vão vendendo à peça. Apenas repito o que há um bom par de anos publiquei num jornal diário, em defesa de dois professores catedráticos de que não estava dependente e antes de ser catedrático. E não temo que o órgão que os acolhe me passe a atacar anonimamente. Não tenho medo. “Depois de séculos de pretenso santo ofício, remodelado sucessivamente pelos juízos de inconfidência, pelos moscas dos intendentes, pelos agentes do maneta, num modelo perpetuado pelos formigas brancas, pelos polícias de defesa do Estado e pelos comités de vigilância revolucionária, parece continuar em vigor entre nós aquele princípio do regimento da dita santa Inquisição, segundo o qual a denúncia é um dos meios principais, mesmo com escritos não assignados e denunciações de ouvida. Se já não há mesas do santo ofício, com as suas sessões de genealogia e in specie; se o denunciado não tem que temer os cárceres do dito, a morte civil ou outras afrontas, continua a bastar uma carta anónima remetida a duas ou três instituições públicas (incluindo o DIAP), desde que se encene uma fuga ao segredo de justiça, para certos órgãos de comunicação social tratarem de lançar alguém para o pelourinho da suspeita. O terrorismo niilista que percorre os meandros de certa opinião publicada, se pode não afectar a opinião pública nem beliscar a opinião crítica, nem por isso deixa de arrastar alguns nomes para o pelourinho da suspeita, numa política de camartelo que vai unidimensionalizando quem ousa sair da fileira das modas estabelecidas e sabe que só é moda aquilo que passa de moda, que só é novo aquilo que se esqueceu. Vem isto a propósito de uma parangona pseudo-jornalística que acusa de … . Se os especialistas na matéria não estranharão tal processo, os incautos ledores das prosas publicada, onde a imaginação criadora do transmissor da notícia já vislumbra agentes da Polícia Judiciária na consulta de incunábulos e na denúncia dos novos piratas de autores medievos, poderão considerar que não há fumo sem fogo e, certamente, não terão paciência para aturar a resposta técnico-científica que os dois mestres já deram. Porque, como dizia Voltaire, menti, menti, que da mentira alguma coisa fica. Por outras palavras, o objectivo dos denunciantes já compensou a denúncia, porque o efeito do golpe, nunca pode ser remediado pela letra miúda da defesa da honra. De qualquer modo, como seria estimulante sentir os nossos agentes de investigação penal correrem lestos pelos glosadores e comentadores e pedindo peritagem técnica aos eruditos mundiais na matéria, numa acção digna de um romance de Umberto Eco e quase tão estimulante como foi a cena da polícia política salazarista a interrogar os desvios filosóficos de Abel Salazar , recorrendo a Leonardo Coimbra, que saiu da polícia insultando os pobres agentes que o tentaram usar como mero intérprete. Tudo seria ridículo, se não fosse trágico e se, nos meandros do processo, não tivesse havido mentira e intenção de ofender a honra de quem por não dever, não deve temer. Tristes são estes nossos tempos quando a coragem da polémica, do duelo de argumentos e do bom combate de ideias, cedem lugar ao cinzentismo da cobardia, escondida sob o anonimato. Tristes de nós se continuarmos amarrados àqueles pretensos analisadores de notas de pé de página que preferem arrazoar sobre o sexo dos anjos de uma pequena folha ou de um pedaço de ramo, esquecendo a árvore e perdendo o sentido da floresta. Tristes são os tempos se dermos o nome de autores àqueles que não têm autoridade e se qualificamos como autoridades aqueles que não são autores. Quanto apetece plagiar Camilo Castelo Branco, quando este, em 1852, falava numa época essencialmente analisadora, onde o nosso público é zelosamente empenhado em julgar os grandes e pequenos acontecimentos, desde a revoltosa queda de uma dinastia de quinze séculos até à demissão imprevista de um cabo de polícia. Também julga os grandes e pequenos homens, desde o heróis de cem batalhas até bagageiros inofensivos: desde César a João Fernandes. O defeito continua quando se fotografa um homem de Estado em trajes menores, ao mesmo tempo que se conjectura sobre a moeda única, se elabora uma teoria sobre o erro crasso de um determinado árbitro num jogo de futebol ou se disserta sobre um qualquer jurista medieval. Não quero entrar na polémica … a propósito dos fragmentos de casca árvore que a motivaram, nem sequer imaginar quem serão os inspiradores da falsa denúncia, certamente alguns mais alfarrabistas-historiadores do que historiadores de histórias de alfarrábios, mas não posso deixar de lastimar a lama que foi atirada a dois autores, a uma escola e a uma profunda tradição universitária portuguesa. …. O nihilismo inquisitorial, adepto da terra queimada pela intriga, instrumentalizando a liberdade de expressão e, sobretudo, a liberdade de imprensa, não pode ser compensado pelo rigor da protecção coactiva de uma qualquer lei, nem pelos meios de defesa do poder judicial. Para além do direito, há a moral, aquele valer a pena estar de acordo consigo mesmo, mesmo que pareça estar-se em desacordo com todos os outros. O velho provérbio de que os cães ladram, mas a caravana passa, não é reconfortante e pode não ser verdade, porque implica deserto, caravana, camelos e cães disponíveis para ladrar. Há quem não ande em caravanas, há sítios que não gostam de ser deserto e há os cães que obedecem sempre à voz do dono ou daqueles que os assanham. Talvez não valha a pena termos de escolher, do mal, o menos, isto é, entre o canino e o camélico, quando se prefere a terra dos homens, quando apetece caminhar e há tanto que fazer neste nosso tempo que já não é de vésperas, mas de insensível caminhada para um vazio de poder cultural, para onde correm lestos os iconoclastas dos novos camartelos colonizadores. Neste tempo de globalização, de diluição das diferenças nos todos unidimensionais das modas culturais, só aqueles espaços culturais que estão cansados de autonomia se autoflagelam derribando as pedras vivas dos homens livres que vão plantando as macieiras do amanhã. Esses que no silêncio dos claustros semeiam, no longo prazo, o valer a pena continuarmos a autonomia cultural portuguesa”. Apenas acrescento: meu caro “mosca” reciclado, faça “print”, tire fotocópia, mas tire tudo, e continue a ir entregar tal higiénico papel perfumado ao seu pretenso dono de quem assume ter o monopólio da voz. Não é por isso que “vossamercê” se pode arrogar situar-se no lado da conspiração de avós e netos. Até tenho a elegância de aqui não publicar os “mails” que ainda guardo das cunhas que me meteu e os encómios que me teceu quando ficou desempregado dos serviços que o despediram por aquilo que continua a fazer. Infelizmente, meti mesmo a cunha que me pediu.

Jan 12

Da libertação

A libertação é um processo complexo e de médio prazo. Especialmente num regime de democracia estabilizada como já é o nosso. Na Itália, durante décadas, o sistema de controlo levado a cabo pela partidocracia (é de lá que vem o nome e a teorização desta realidade) e pela aliança desta com os submundos da corrupção, das mafias e do terrorismo, não foi eliminado com o pluralismo constitucional, a integração europeia e as eleições justas e livres. E quando, depois das “mãos limpas”, se mudou foi para assistirmos à ascensão de Berlusconi, assente na inequívoca vontade popular. Ninguém acredite que, por cá, teremos um milagre, com a eventual utilização da técnica do rotativismo. As piores crises políticas são aquelas onde nem sequer é possível uma consensualização quanto às próprias causas da crise, quando decidimos tomar o remédio que alivia a dor, mas mantém a epidemia. Também no último quartel do século XIX, o liberalismo monárquico português se enrodilhou em decadência e a crise levou décadas, infestando a própria República que não conseguiu implantar o sonho do “bacalhau a pataco”, dado que, depressa entrou no regime do “mais do mesmo”, onde o aficaz oportunismo dos “adesivos” acabou por sair vencedor.  Todos os sinais que nos chegam apontam para que se mantenha esta “anarquia mansa” e apenas se dê nova forma à permanente “ditadura da incompetência”. E isto porque não assumimos a necessidade de uma efectiva moralização da política. Desde que o maquiavelismo do “homem de sucesso”, injectado pelo cavaquismo, aqui pegou de estaca, quase todos passaram a balbuciar o evangelho de um politiquês, onde se considera que tem razão quem vence, criando-se não uma imoralidade generalizada dos detentores de cargos políticos, mas uma efectiva a-moralidade a que deram o nome de política pura. E a epidemia propagou-se. Agora é o povo que está doente e a cura não se fará com discursos da quinta das celebridades, com quarentenas ou vacinações generalizadas, mas antes pelo mais difícil dos percursos: a educação, onde deveremos começar pelas próprias elites.

Jan 11

A dita autonomia universitária

Noto como vai emergindo a fúria puritana que marca o princípio do fim de qualquer situacionismo. E sei reconhecer os habituais reflexos condicionados das nossas uniões de interesses fácticos, de carácter neo-corporativo, sobretudo quando se manifesta a procura de proteccionismo que marca os intelectuais e universitários subsidio-dependentes ou em gestão de carreirismo. Se a I República, já em fase de estertor, chegou a colocar um capitão e politiqueiro como reitor da universidade, não há dúvida que evoluímos um pouco em termos de qualificação para o cargo, apesar do bem reitoral deixar de ser escasso e passar a estar dependente de uma eleição periódica, não marcada pelo sufrágio universal e, raramente, fair and free. Só que essa aura democrática que marca a culminância do poder escolar, tanto a nível do global das universidades como do parcelar das faculdades e institutos superiores, depressa foi sitiada por um desviacionismo burocrático e por uma tentação de liderança vitalícia, presas fáceis do lobby que, eventualmente, controle extra-escolarmente as próprias escolas. A dita autonomia universitária equivale, hoje, à manutenção da federação situacionista de alguns bons amigos, onde são marcantes as co-optações de casta e de intelectuários. Basta reparar como, finalmente, surgiram algumas denúncias mediáticas dessa larvar realidade, só porque se mexeu na barriga das escolas não-públicas de direito. Porque, das mais fraquinhas, não rezam as estórias dos jornais e as pranchas dos assessores de imagem e das agências de comunicação, dado que, as pobrezinhas, coitadas, ainda permanecem sob a leyenda negra das ciências ocultas, apesar de mais ocultos líderes escolherem outros não menos ocultos dependentes para pretensos jagunços vitalícios de um processo que tanto escapa à hierarquia como à própria corporação, legalmente estabelecida. E quase ninguém repara que, agora, as escolas são criticadas ora por quem as fez, ora por quem, depois, andou, em concorrência desleal, a fazer e a desfazer privadas, quando não havia regras de jogo e até se condenava a parte, irresponsabilizando o todo, de que, aliás, a dita parte era consequência, para, depois de um passe de mágica, feito de pressão política e malabarismo decretino, ficarmos todos prestidigitados por uma maravilha de engenharia vocabular, sem adequada coerência de vida, nesse olha para aquilo que eu digo, não olhes para aquilo que eu fiz, onde se mantém ad nauseam este pantanoso status quo. Esta forma encapotada do centralismo sem dor leva a que, de forma extra-académica, se continue a instrumentalizar a chamada autonomia das escolas, num processo que os ministros nem sequer topam, pela natural incompetência que os elevou ao cargo. E até podemos chegar a a um paradoxo mistificador, com privatização do público e publicização do privado, numa confusão de narizes que apenas se beneficia quem parte e reparte, sem que surja melhor público e sem que se assegure a autonomia da sociedade civil.

Jan 11

Da fúria puritana que marca o princípio do fim de qualquer situacionismo

Noto como vai emergindo a fúria puritana que marca o princípio do fim de qualquer situacionismo. E sei reconhecer os habituais reflexos condicionados das nossas uniões de interesses fácticos, de carácter neo-corporativo, sobretudo quando se manifesta a procura de proteccionismo que marca os intelectuais e universitários subsidio-dependentes ou em gestão de carreirismo. Se a I República, já em fase de estertor, chegou a colocar um capitão e politiqueiro como reitor da universidade, não há dúvida que evoluímos um pouco em termos de qualificação para o cargo, apesar do bem reitoral deixar de ser escasso e passar a estar dependente de uma eleição periódica, não marcada pelo sufrágio universal e, raramente, fair and free. Só que essa aura democrática que marca a culminância do poder escolar, tanto a nível do global das universidades como do parcelar das faculdades e institutos superiores, depressa foi sitiada por um desviacionismo burocrático e por uma tentação de liderança vitalícia, presas fáceis do lobby que, eventualmente, controle extra-escolarmente as próprias escolas. A dita autonomia universitária equivale, hoje, à manutenção da federação situacionista de alguns bons amigos, onde são marcantes as co-optações de casta e de intelectuários. Basta reparar como, finalmente, surgiram algumas denúncias mediáticas dessa larvar realidade, só porque se mexeu na barriga das escolas não-públicas de direito. Porque, das mais fraquinhas, não rezam as estórias dos jornais e as pranchas dos assessores de imagem e das agências de comunicação, dado que, as pobrezinhas, coitadas, ainda permanecem sob a leyenda negra das ciências ocultas, apesar de mais ocultos líderes escolherem outros não menos ocultos dependentes para pretensos jagunços vitalícios de um processo que tanto escapa à hierarquia como à própria corporação, legalmente estabelecida. E quase ninguém repara que, agora, as escolas são criticadas ora por quem as fez, ora por quem, depois, andou, em concorrência desleal, a fazer e a desfazer privadas, quando não havia regras de jogo e até se condenava a parte, irresponsabilizando o todo, de que, aliás, a dita parte era consequência, para, depois de um passe de mágica, feito de pressão política e malabarismo decretino, ficarmos todos prestidigitados por uma maravilha de engenharia vocabular, sem adequada coerência de vida, nesse olha para aquilo que eu digo, não olhes para aquilo que eu fiz, onde se mantém ad nauseam este pantanoso status quo. Esta forma encapotada do centralismo sem dor leva a que, de forma extra-académica, se continue a instrumentalizar a chamada autonomia das escolas, num processo que os ministros nem sequer topam, pela natural incompetência que os elevou ao cargo. E até podemos chegar a a um paradoxo mistificador, com privatização do público e publicização do privado, numa confusão de narizes que apenas se beneficia quem parte e reparte, sem que surja melhor público e sem que se assegure a autonomia da sociedade civil.

Jan 11

Dos rituais decadentistas

É triste verificarmos como, em plena democracia, se mantêm rituais decadentistas, típicos dos regimes que, antes de deixarem de ser já o não são. Basta assinalarmos como os cinzentões serventuários do crepúsculo do antigo regime, esses jovens adjuntos ministeriais dos anos setenta, e que agora são eles os próprios quase septuagenários, se enfileiram, mais uma vez, na comitiva de sempre, à espera da comenda e exigindo troca das prebendas que fingiram dar à custa do contribuinte. Ei-los já sem a peitaça de teddy boys das Avenidas Novas, com aqueles óculos fumados à Ray Ban que faziam mossa na garotas do Chiado e dos bailes do jazz band. Ei-los os ex-práfrentex só porque foram de avião aos States, a expensas do senhor director, do senhor ministro ou de outra sua excelência, e que ainda hoje tentam usar as palavras mágicas dos servilismo, fazendo razias de temor reverencial junto de nova garotagem construída à respectiva imagem e semelhança, a dos mandadores-mandados de novas comitivas e de velhas comendas do mesmo tipo. O prémio da comitiva é, com efeito, a comenda dada aos que nunca ousaram e que nunca assumiram a rebeldia do pensamento livre ou do livre pensamento, só porque também nunca tiveram luz própria. Esses baços espelhos que apenas emitem indirectamente os ténues brilhos dos patrões que os fabricaram pela encomendação. Ei-los, os meros capatazes de uma quinta que sempre foi dos outros. Ei-los, os pequenos autoritários do velho autoritarismo, não percebendo que, pura e simplesmente, nunca existiram como seres autónomos. Eles não sabem, coitados, que, voltados sobre quem foram, na sua impunidade professoral, que já não ouvem, já não lêem e já não vêem, movidos que estão pela energia de uma soberba que os faz , além de centro do mundo, a cabeça do próprio mundo. Que descansem em paz, que nos deixem em paz. Há muita coisa nova debaixo do sol. Sobretudo uma pequena semente chamada liberdade.

Jan 09

Contra o sistema fechado desta democratura

Nessa mesma entrevista, também me assumia como alguém disposto a afrontar o actual sistema fechado desta democratura, para regenerarmos o regime, queremos acabar com o actual sistema de castas da partidocracia e, se nos derem uma oportunidade, faremos a diferença, distinta deste rotativismo do “mais do mesmo”.  Mais dizia não querer ficar entalado entre a direita a que chegámos e a esquerda que aí vem, num qualquer estático rigorosamente ao centro, mas antes, através de um dinâmico centro excêntrico, que, na actual situação portuguesa, se coloca mais à direita.

Fazer com que se deixe de ter a amargura deste teatro de má revista, onde se pavoneiam uma direita que convém à esquerda e uma esquerda fabricada e subsidiada pela direita dos interesses. Com efeito, os verdadeiros donos do poder em Portugal continuam a estar invisíveis, gerindo, a partir dos bastidores, a teia de um centrão que até já integra a própria extrema-esquerda.  E acrescentava: advogo a técnica clássica do dividir para unificar, desde que assente numa autonomia municipal liberta do caciquismo e da partidocracia, daqueles que entendem a regionalização como uma forma de regerem, fabricando mapas conforme as respectivas influências eleitorais e continuando um sistema que apenas descentraliza a centralização, criando pequenas capitais locais e molusculares Cortes de feudais servidores.  Concluía: exigindo a diminuição para metade dos lugares políticos electivos e governamentais, um novo sistema de combate à corrupção e ao clientelismo, a criação de um eficaz sistema de controlo global dos concursos públicos, a remessa para o Ministério Público de todas as inspecções administrativas que costumam ficar nas gavetas ministeriais, um adequado registo moral de interesses, um frontal combate à desertificação e ao desordenamento do território e a defesa intransigente de uma luta contra a centralização, nomeadamente pela regionalização vinda de baixo para cima e pela mudança da sede de alguns órgãos de soberania.

Jan 09

Classificando-me ideologicamente

Perguntaram-me como me classificava do ponto de vista político-ideológico e logo me apeteceu qualificar como um heterodoxo da direita que procura ser um homem livre. Livre, sobretudo, da finança e da partidocracia, conforme uma conspiração, em forma de revista, que, durante o crepúsculo da I República, foi desencadeada por Afonso Lopes Vieira e por Raúl Proença. Como liberal, mais do que as liberalizações, defendo a libertação e, invocando esses dois mestres, mantenho intenso diálogo com o anarquismo místico e não nego as minhas ligações às perspectivas radicais. Daí algumas heterodoxias que costumo invocar, como a de me dizer tradicionalista liberal, republicano monárquico ou radical do centro, só porque, perante o presente paradoxo situacionista, gosto de estar na esquerda da direita e, no plano colectivo, manter a necessidade de defesa de um nacionalismo liberal, conforme a matriz de Fernando Pessoa. Logo, porque sou um nacionalista português, pouco dado a traduzir nacionalismos exógenos, entendo a nação como um ponto de passagem para a “super-nação futura”, o que passa pela fé na construção europeia e não dispensa um entendimento cosmopolita, do “tudo pela nação, nada contra a Europa e nada contra a humanidade”. Daí que assuma o combate à Razão do Euro-Estado e à consequente constituição dita europeia, meros instrumentos de uma federação de Estados-Impérios e de interesses eurocráticos, que sempre se deram mal com as autodeterminações nacionais e as rejeições das colonizações culturais impostas pelo pensamento único da actual República Imperial. Os portugueses, que querem continuar a independência política de Portugal, não devem temer chamar os bois pelos nomes e matar o borrego dos preconceitos europeístas e globalizastrados.