Contra os catequistas da falsa ciência certa e do decretino poder absoluto

O choque tecnológico da governança começa a mostrar os seus gloriosos efeitos, com essa mistura de Bill Gaitas, Professor Pardal e Veiga Simão, o “cocktail” que nos lança na ilusão dos reformadores educativos terem que receber o carimbo das ciências ditas exactas, onde só pode medir-se aquilo que pode ser experimentado, longe daquelas angústias típicas dos que têm o tradicional desassossego das ciências ditas do espírito, ou ciências humanas, os tais que não podem meter a complexidade do homem e das sociedades que o mesmo produz nas provetas de um laboratório e que se enganam nas sondagens, prospectivas e previsões.  Temo que certas perspectivas epistemológicas dos positivistas serôdios que ainda seguem a cartilha de Saint-Simon, o velho Simon de que Comte foi secretário e que não é o Veiga, possam cometer o pecado de passarem da falsa “ciência certa” ao estável “poder absoluto”, com a consequente emissão de um qualquer decretino despacho que transforme as ciências sociais e humanas em ciências ocultas, caso apenas dêem cientificidade às respectivas simpatias ideológicas ou sejam fecundados pelas conversas de café, salão ou seita. Se uma qualquer escola considerar que é mais escola do que outra. Se um professor de uma qualquer ciência pensar que a sua ciência é mais ciência do que a outra, entraremos necessariamente no rodopio enrodilhante de certo anacronismo positivista, com o seu teológico hierarquismo das ciências. Espero que os ministeriais que nos cientificizam não repitam uma dessas banalidades dos primitivos actuais do cientificismo que se escreviam nas Mecas universitárias na viragem do século XIX para o século XX. Porque, mais de século e meio depois do lançamento das ciências sociais, das ciências do espírito ou das ciências humanas, alguns ilustres ajudantes de ministros andam por aí a debitar que as mesmas são uma patetice e que não devem preocupar sua excelência. Consta que todos os organismos internacionais que estão no “ranking” das melhores do mundo acabam de pedir esses notáveis discursos-manifestos da ciência da fotocópia e que todas as universidades que se nobelizaram em físicas, biologia e matemáticas e que têm departamentos de relações internacionais, politologia e direito parecem dispostas a liquidar tais desperdícios e tais atentados contra o verdadeiro conceito de ciência, exclusivo das antigas faculdades de filosofia. Até as economias e a gestão, que se consideram, às vezes, como rainhas das ciências sociais parecem integrar-se nesta nova hierarquia típica da velha escolástica que tinham como primeiras as ciências arquitectónicas e, como “ancillae”, as ciências ditas ocultas, dignas das bruxarias e das astrologias do “tarot”. Consta que Galileu se prepara para responder a estes novos candidatos a inquisidores verdadeiramente científicos. Portugal continua, na verdade, a caminho de ser a vanguarda do quarto-mundo da cultura. Cientistas sociais são usurpadores de título e o crime deve ser imediatamente investigado por polícias licenciados em direito, com protestos de ministros politólogos e internacionalistas. Julgo que importa matar o borrego de certos denominadores comuns que Mariano Gago nos tem apresentado: o nem mais uma universidade, as notas mínimas, o brio nacional de cumprirmos o que prometemos a respeito de Bolonha e, sobretudo, da desterceiromundialização. Só que esse muito mobilizador é muito pouco, caso continuemos a não despertar o sentido de ciência e a ideia de universidade que um professor, um aluno ou um burocrata universitário deve conter dentro da sua alma, porque, sem essa autonomia interior, podemos cumprir as exigências externas, mas nunca assumiremos a necessária “alma mater” que, fazendo casar a tecnologia com o humanismo nos nos pode fazer ascender à excelência. É evidente que não falo como um cultor das ciências humanas, fingindo que é mais humanista do que um cultor das ciências exactas, repetindo assim as velhas querelas do paradigma positivista.

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