Confesso que, além de tentar ser intelectualmente heterodoxo, sou um desses heréticos, da seita dos velhos-crentes, que escapou às fogueiras tanto da última como da primeira Inquisição, incluindo a santa do ofício, dado manter a fidelidade estóica dos homens livres, que livres da finança e dos partidos, sempre foram fiéis às tais raízes greco-romanas a que o cristianismo costuma fazer apelo quando fala em homens de boa vontade. Por outras palavras, tanto não ando pelas derivas iluministas que geraram o agnosticismo, o progressismo, a utopia, a ideologia ou a revolução, como não frequento as feiras, ou alas, esotéricas que resistem à sexta-feira, dia treze, apesar de respeitar a memória templária, em nome de D. Dinis, e a Ordem de Cristo, em nome das caravelas do infante-grão-mestre. Dizem, aliás, os especialistas em genealogia, que alguns genes de meus ancestrais padecem de pouca limpeza de sangue, porque, apesar da dominante moçárabe e cristã-velha em que se diluíram, eles derivam, como demonstra meu patronímico, de uma mestiçagem estrangeirada e ultra-mediterrânica de certo exotismo emigrante, já plenamente nacionalizado, tanto pela terra e pelos seus mortos, como pela comunidade de sonhos que a ideia alexandrina de império, com pluralidade de pertenças, tem permitido. E é por esta geometria variável de afectos que continuo a subscrever o sonho daquele Portugal universal que nos levou ao tal abraço armilar que sempre foi reproduzir-nos em sucessivas pátrias de novos mundos a criar, diluindo-nos em todos os outros. Gostava de continuar a ser vagamundo do português à solta, sempre a varar as tormentas, com o objectivo de, global e planetariamente me circum-navegar, para descobrir que serei sempre um pedaço do transcendente situado. Até porque também não participarei, pelas mesmas razões, no próximo cerimonial que elevará à dimensão da comendadoria, a atribuir pelo ritual do Estado de Direito, quem nunca respeitou a própria alma do Estado de Direito, coisa que considero sagrada na minha religião secular do civismo. Quero apenas dizer que não costumo vender a alma ao Diabo, mesmo quando este julga que o hábito e o penduricalho fazem o monge. Haverá cada vez menos tempo para elevarmos ao altar os heróis balzaquianos que apenas agitam verbalmente as quimeras em que queremos acreditar, através de verbais exercícios de salão e sedução, como ainda há dias li de alguém, a respeito de um lugar paralelo, ocupado em França pela memória de Mitterrand. E para terminar, aqui vai citação de almanaque, de outro nasceu neste mesmo dia, Alan Alexander Milne:”uma das vantagens de ser desarrumado é que se está sempre a fazer descobertas fantásticas…”