Foi há poucos dias publicada uma entrevista do senhor ministro-presidente da Europa em matéria de ciência, e também supremo reformador das nossas universidades, que, do alto da sua vitória, nos manifesta que ainda está vivo o militante do verdadeiro e extremista socialismo científico, embora se presuponha que já deve ter abandonado as suas fúrias marxistas-leninistas. Verifico, contudo, que ainda conserva um restrito conceito de ciência que faz da ciência que diz praticar a única que merece o dom de arquitectónica, remetendo todas as outras para a categoria de ocultas servas dos professores pardais. As ideologias passam, as metodologias ficam. Todo ele feito da tal ciência certa e do inequívoco poder absoluto, voltado para a vanguardista felicidade dos povos, continua a considerar que só existe aquilo que pode medir-se e que só é mundo o mundo que ele conhece. Daí que tenha a ousadia de determinar como paradigma apenas aquilo que se radica nas suas ideológicas raízes de despotismo teórico, aquilo que julga poder elevá-lo, de forma estruturalista, às culminâncias de um estadão decretino. Até um anterior Prémio Nobel lusitano é determinado como simples acaso da área médica. Daí que, por mim, fomule um simples desejo: que deixe em paz criativa os portugueses à solta que procuram aquela imaginação politicamente científica que estimula todos os que pensam comunitariamente de forma racional e justa. Desses que, para serem científicos, não têm que vestir-se daquelas fatiotas pós-modernas que se iludem em captar as luzes das pretensas nações polidas e civilizadas. Essas perspectivas, mui axiomaticamente-dedutivas e mui sintético-compendiárias, à boa maneira das deduções cronológico-analíticas dos livros únicos, podem conduzir ao terrorismo de uma decepada razão que, se aliado ao decretino do Estado, acaba por reduzir-se a mais uma ideologia oficial. Especialmente quando não compreende que a razão inteira é uma razão complexa, axiológica e normativa, plena se símbolos, de imaginação e com muito lume da profecia. Não deixemos cair nos bolsos rotos da conspiração laboratorial dos batas brancas esses pretensos desperdícios que até fazem, da república, a comunidade das coisas que se amam.
Daily Archives: 4 de Agosto de 2007
Há flores e cascos de crustáceo nas dunas do sapal
Por aqui continuo. Há barcos que passam, velas que voam. Onda que vai e vem. Há concheiros, algas, lesmas de mar e uma sopa de verde que pisamos antes de entrarmos no além profundo da nostalgia do ventre mãe do oceano donde nascemos. Há flores e cascos de crustáceo nas dunas do sapal. Há bicos de barco, lisas dunas, vapor que pinga e muros de canas que nos defendem do vento que ameaça. E não dói quem sonho. Rachei a modorra e já revoo. Sou capaz de sentir o todo de uma impressão sem analiticamente descrever pássaros. Sabemos dunas, sal e sol, e barcos que nos levam para a outra margem de quem somos. Sabemos todas as viagens donde partimos, a circum-navegação de quem não chegou ao fim, e as tormentas de quem morreu tentando. Porque há sinais de vento que nos enfunam as telas de pano cru onde bordámos os signos da boa esperança.
Sabemos mar e a linha do horizonte que nos dá o espaço inteiro de uma vida por cumprir. Sabemos mar. E presos em seu vaivém, dia a dia continuamos marés e ritmos lunares. Sabemos mar e partimos sempre em cada proa que vai passando ao largo. Porque apetecem sempre viagens, novos sítios de procurar, para não mais voltar. Sabemos mar e além-mar. E apetece não regressar. Quando quem somos se faz exílio procurado, quando quem somos é posto à solta, livre das teias do ter de ficar e sem o desterro do ostracismo. Podemos ser o sonho de quem semeia nomes de vento em plena terra de ermamento. Há a doce lonjura de um verso que dormita, um sonho que o sono adormecia, o voo de um tempo sem tempo que me voltou a dar distância. Longe e perto, na recta linha por onde fujo, na longa noite me perco à procura de manhã. Sabemos mar, praias abertas, fúria de vento, rios que procuram sua foz. Sabemos mar. Seremos mar. Há muitos sinais que nos trazem o azul, a síntese da cor do universo. E podemos sempre seguir o rasto da gaivota e navegar o mar sem fim, dito assim em português à solta. Somos porque fomos. E só assim seremos.