Alguns dos meus amigos e companheiros de estrada vivem ainda entre o sonho perdido da revolução e da sua irmã-inimiga, a contra-revolução, seja o contrário de uma revolução, seja uma revolução ao contrário, mesmo que seja a revolução nacional. Uns colocam como marco a Revolução Francesa, interpretando-a “a posteriori” como 1848 e, depois, como a Comuna, para se assumirem como socialistas, chegando a dizer que foi para isso que fizeram o 5 de Outubro, ou o 25 de Abril. Outros são o exacto inverso, seguindo a viradeira do intendente, José Agostinho de Macedo e o ti António dos galinheiros no jardim de São Bento. Por mim, continuo a preferir as revoluções evitadas, como foram a inglesa e a norte-americana, e, quando muito, tenho simpatias pelo modelo girondino, embora julgue que o cartismo pós-revolucionário dos franceses acabou por se aproximar dos primeiros impulsos das duas anteriores revoluções atlânticas, produzindo este “mare magnum” do demoliberalismo que nos deu a democracia como poliarquia. Vivam Constant, Herculano, Tocqueville, Silvestre Pinheiro Ferreira, José Estêvão e Passos Manuel, porque era com estes que estaria Manuel Fernandes Tomás, dado que Costa Cabral andava pelo Clube dos Camilos, nesse arremedo de Saint Jacques que até no nome é fradesco…
Reconheço, contudo, que o pensamento dominante que tem marcado algumas das defesas da democracia em Portugal ainda está preso a algumas formas jacobinas, muito convenientes para a adesão de adeptos recentes do sovietismo, do trotskismo e do maoísmo. Isto é, para muitos retardatários aderentes à concepção pluralista e de sociedade aberta. Porque muitos demoraram a abandonar o terror revolucionário, usando ainda hoje argumentos que servem para a dialéctica com muitos talassas e reacças neoconservadores e neocatólicos que, como irmãos-inimigos, preferem combater esta visão redutora da democracia.
Há um velho jacobinismo, ainda toldado pelos resquícios do sovietismo, russo, albanês ou chinês, que ainda marca alguns subsolos filosóficos de tardios aderentes ao abrilismo do 25 de Abril de 1975, das eleições para a constituinte, e do 25 de Novembro, que as concretizou em poder contra os vigilantes da legalidade revolucionária. Isto é, há muitos que conservam, muito reaccionariamente, uma certa pulsão totalitária e que continuam a enredar-se no terror sistémico do doutrinarismo abstracto. E Portugal tem de libertar-se dessa teia do complexo revolucionário passadista. Por mim, pouco dado ao republicanismo afonsista, não deixo de reconhecer que, mesmo entre 1910 e 1926, houve Basílio Teles, Sampaio Bruno, Guerra Junqueiro, Raul Brandão, Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão e até Álvaro de Castro, Machado Santos, António José de Almeida e Raul Proença. Mas nem por isso, deixo de reconhecer que esse ambiente produziu alguns otelos, como o ex-radical Gomes da Costa, apesar de deixar obra de grande militar na Índia ou no CEP. Tal como a personalização do poder gerou as ilusões sidonistas, directamente proporcionais à esquizofrenia franquista, que acabou por ser a coveira da monarquia.
Quando o revolucionarismo se coloca ao serviço do velho despotismo pretensamente esclarecido e tira direito de voto ao povão, regressando ao censitário dos que já se consideram bem educados pelo novo pensamento dominante de certas elites, é a democracia que se volta contra o povo e contra o necessário gradualismo. Julgo que são estas concepções de democracia que precisavam de ser compensadas por mais pluralismo, mais autonomia da sociedade civil e menos estadão. Por outras palavras, o democratismo continua a precisar de uma correcção liberal, bem menos hipócrita. Por exemplo, pela recriação de um novo espaço parlamentar que admita o pluralismo societário, para evitarmos esta ficção da segundas câmaras clandestinas, marcadas pelos grupos de interesse e pelos grupos de pressão. Porque seria pior emenda do que soneto cairmos na esparrela presidencialista, mesmo que seja o presidencialismo de primeiro-ministro, com uma câmara única como entidade que bate palmas ao chefe do directório partidocrático.