Quem tivesse dúvidas sobre a crispação acossada do situacionismo, apenas teria que ler hoje mais uma das confissões de um hierarca do situacionismo: “Há infiltrados no PS que estão a transfigurar o partido. Não serão alguns traidores de direita que querem levar o PS para a direita? Será que há um movimento orientado, uma estratégia organizada por alguém? Pois, não sei.”
Junte-se, a este lamento, um editorial do grande jornal onde as mesmas considerações se publicam: conheci-o aí uns dois anos antes do 25 de Abril, tínhamos ambos 15 anos, nas reuniões do MAEESL, a associação de estudantes do ensino secundário de Lisboa, então semi-legal. Usava o cabelo pelo meio das costas (até ao dia 16 de Dezembro de 1973, em que eu, ele e mais uns 160 estudantes fomos presos por uma noite e todos os rapazes saíram com o cabelo rapado…) e fazia parte do pequeno grupo que aguentava sempre até ao fim nas reuniões mirabolantes que entravam pela noite dentro. Esses anos e os da revolução vivemo-los com uma intensidade hoje difícil de imaginar, e o tempo em que, já militantes de uma organização clandestina, fui controleiro dele, deixou-me recordações poderosas sobre essa espécie de mundo paralelo em que viviam os – literalmente – “maoístas de calções”. Estivemos depois juntos na fase final da Voz do Povo, com o João Carlos Espada, o Nuno Pacheco, o Henrique Monteiro. Já nos estávamos a afastar da UDP, uma das organizações que estiveram na base do actual Bloco de Esquerda, e o jornal sobreviveria pouco tempo…”
De um lado e de outro, entre um situacionista, que sinceramente prezo, e um oposicionista que nunca compreendeu o meu antibushismo em plena reunião da NATO, na altura certa, tudo aponta para a esquizofrenia. Ainda por cima, na semana em que me apercebi do regresso de mais um dos principais vermes, para citar conversa de Vitorino Magalhães Godinho, do vérmico-mor, posto, outra vez, em mais um pedestal, a nível de uma pequena instituição. Assim se confirma a razão que leva a presente ditadura da incompetência, reinante em muitos pedaços do Estado, a considerar certos pretéritos como perfeitos, porque, quando entramos em crises morais deste tipo, o velho despotismo ministerial torna-se paradigma dominante. O tal que manda chutar nos dissidentes e opositores, usando as armas mais pífias passíveis de desencadeamento lícito, mas pouco honesto.
Por enquanto, tanto o chicote como o internamento forçado num hospital psiquiátrico apenas não são constitucionalmente admitidos, mas vontade não falta, a alguns intendentes do macro e do micro-autoritarismo. Até me recorda um episódio de uma eleições numa cooperativa agrícola alentejana, num dos governos presidenciais de que eu era adjunto (e fui-o de todos), quando as correias de transmissão do PCP, invocando um decreto ditatorial de Carmona, assumiram como inelegíveis mais de metade dos eleitores. Só que, na altura, o Primeiro-Ministro era Mota Pinto que, alertado pela manhã, logo fez aprovar a revogação do decreto ao meio-dia, para que, ao fim da tarde, o “Diário da República” estivesse a imprimi-lo. O eanismo tinha destas honras com inteligência, quando era acompanhado pelos que estiveram do lado certo da história da luta pelo pluralismo, no 25 de Novembro.
Hoje, não! Há sempre catedráticos jubilados, oficiais reformados da armada e bailarinas de croquetes diplomáticos que se deixam enredar nas querelas da decadência e sufragam os assassinatos morais de dissidentes e opositores. Hoje, ameaça-se com chicote e compra-se com cenoura, dado que quase todos são macacos cegos, surdos e mudos, depois de muitos mandarins terem ocupado os interstícios do compadrio desta pequena sociedade de “córte” (com esse assento, sim, para a ligar à etimologia de chiqueiro da porcalhota). Porque tudo seria para rirmos, se a tragédia não nos estivesse a arrastar para o abismo, onde não faltam os salazarentos de sempre à procura do regafobe na manjedoura do estadão.
E há imensas guerrazinhas de homenzinhos que se pensam de sucesso e que se banqueteiam ideologicamente com as patetices ideológicas do socialismo-social-democrata deste darwinismo social, benzido pela água de colónia de qualquer sacristia dessas aduncas “barbies” que se vão pavoneando, secadas pela cocaína e pelas plásticas, no jet-set dos aposentados pela nossa segurança social. Quem se der ao trabalho de inventariar todos os maoístas de calções, pondo, de um lado, os que hoje são socrateiros e, do outro, os que os primeiros acusam de campanha negra, percebe a tragicomédia de sofrermos retroactivamente desta doença infantil do comunismo, com todos estes pequenos e médios burgueses de fachada socialista que usurparam o nosso espaço da política, com os seus jogos de conspiração e de contra-conspiração. Nunca fiz nem quero fazer parte deste filme, nem daquele onde entram os bailados da decadência salazarenta, com as várias “córtes” dos candidatos a delfins em choque e contrachoque, todos subsidiando esquerdistas do encomiástico, direitistas da avença e o raio que a todos devia partir. É vê-los todos comensais da mesa do orçamento e do palanque dos penduricalhos do estadão. O povo continua de fora e nem sequer o deixam emitir o belo gesto de revolta do Zé Povinho… porque este seria naturalmente processado disciplinarmente e demora anos que se lance mais um volume das “Causas que foram Casos”.
PS: A imagem recorda Mao e Pol Pot, dois dos principais democidas do século XX. Não consta na dita, o herdeiro de Talleyrand, o Secretário de Estado norte-americano que geria os dordelinhos e mandava que os dois matassem por procuração. Como o TPI não funciona, o dito e os seguidores do dito, especialistas no Congresso de Viena, nas respectivas teses de doutoramento, continuam sem cheiro de cadáver nas mãos imundas. Usam de uma excelente água de colónia que traficaram na sacristia de Pilatos. Quem os denuncia não passa de doidinho, neste ambiente onde tem razão quem vence.