Mar 23

Espera, esfera, esperança, ou o mundo em 2059

Fui hoje gravar um programa no Rádio Clube Português, onde me pediam para imaginar o mundo em 2059. Tentei cumprir o impossível e saí em defesa da pluralidade de divinos e, consequentemente, da própria religião, porque o transcendente situado continuará a ser procura contra a intolerância, a ignorância e o fanatismo. Até concebi a existência de uma papisa Jinga II, a partir da Muxima, a sede que sucedeu a Roma, em nome de um abraço armilar falado em português, como língua de libertação do Sul, prevendo a hipótese de aparições de uma Nossa Senhora do Namibe. Tentei, copiando as confissões de um homem religioso, reconhecer o mistério do homem de sempre, segundo o ritmo dos velhos conservadores liberais, como um céptico entusiasta.

 

Porque nos próximos cinquenta anos continuaremos as escrever muitas frases que hão-de salvar a humanidade, mas a humanidade continuará por salvar. Porque continuaremos a chamar política a certas degerescências que não concebem que o Estado está acima do cidadão, mas que o homem está sempre acima do Estado.

 

Imaginei que, nos próximos cinquenta anos, voltarão os velhos cavaleiros do Apocalipse, como a fome, a peste e a guerra, mas que o homem de sempre, depois da queda, levantar-se-á e continuará a lei Platão, Buda, Confúcio, Cristo, Maomé e Rousseau, não tanto nas letras que matam o espírito, mas nos livros de folhas brancas que foram escritos pela eternidade, por aquele conceito que nos deve fazer reconhecer que a poesia é mais verdadeira do que a história.

 

Quisemos ser anjos, em nome das utopias, mas acabámos por incrementar as bestas.Temo que as utopias nos trarão novos autoritarismos e novos totalitarismos, mas que a força do bem, a beleza de sempre e a eterna sabedoria nos continuarão a mobilizar. Mesmo em tempo de crise, haverá sempre a “spera”, a “sphera” e a “sperança”, conforme a divida da armilar que D. João II deu ao futuro D. Manuel. Tentei apenas exprimir as minhas crenças e as minhas concepções do mundo e da vida, dessa procura do universal pela diferença. Esquecemos os homens como eles são e caímos na estreita perspectiva das ideologias, dos cientismos e da utopias, porque só a partir da humildade de nos reconhecermos como imperfeitos é que poderemos caminhar para a perfeição, atendendo mais às acções dos homens do que às rescpectivas intenções, construtivistas ou planeamentistas.

Mar 23

Obrigado ao Papa, por voltar a sentir o abraço armilar

Não sou católico, mas não perdi os directos de Luanda com o Papa, na comemoração da cristianização de Angola, sinónimo da presença dos portugueses, a partir da passagem de Diogo Cão pelo Zaire e, sobretudo, quando os portugueses do Brasil fundaram uma nova São Paulo, a de Luanda, visando a criação do triângulo estratégico de um novo “mare liberum” que ainda tem amanhã, hoje. Porque foi na viagem de regresso de Paulo Dias de Novais que começou certa globalização, a que ainda falta justiça. Tentei ouvir Ratzinger sem preconceitos nem fantasmas, procurando a mensagem que ele quis deixar para o que normalmente chama homens de boa vontade. Quase tudo o que disse sobre o humanismo não me foi alheio, tocou-me por dentro e assim dialoguei por cinco séculos de luzes e de sombras e, diante daquele povo novo que emergiu dessas convergências e divergências, apeteceu a metafísica, respeitando o passado, reconhecendo o presente, sonhando o futuro. Vibrei particularmente com o cântico das batucadas e senti o meu Portugal, do abraço armilar, porque nada há de mais português nessas paragens do que ser angolano até aos limites cósmicos do universal. Porque os suíços podem construir relógios, mas os africanos inventaram o tempo. Apeteceu voltar a agradecer a Angola o facto de se ter tornado independente, de ser mais uma nação a caminho de uma super-nação futura. O Portugal da “spera, sphera, sperança”, semeado por D. João II, pode ter morrido, tentando, mas ficou a vida, aquela a que hoje damos o nome de Angola e do Brasil. Por cá, apenas temos que saber triangular, recordando um tal Sá Nogueira, o da Bandeira, a quem chamavam maluquinho, nos anos trinta do século XIX, porque, quando era ministro, apenas mostrava planos de uma cidade nova, a de Luanda, com um diploma que queria aplicar dando direito a voto aos locais do senhorio natural, para a fundação de muitas repúblicas municipais…