Espera, esfera, esperança, ou o mundo em 2059

Fui hoje gravar um programa no Rádio Clube Português, onde me pediam para imaginar o mundo em 2059. Tentei cumprir o impossível e saí em defesa da pluralidade de divinos e, consequentemente, da própria religião, porque o transcendente situado continuará a ser procura contra a intolerância, a ignorância e o fanatismo. Até concebi a existência de uma papisa Jinga II, a partir da Muxima, a sede que sucedeu a Roma, em nome de um abraço armilar falado em português, como língua de libertação do Sul, prevendo a hipótese de aparições de uma Nossa Senhora do Namibe. Tentei, copiando as confissões de um homem religioso, reconhecer o mistério do homem de sempre, segundo o ritmo dos velhos conservadores liberais, como um céptico entusiasta.

 

Porque nos próximos cinquenta anos continuaremos as escrever muitas frases que hão-de salvar a humanidade, mas a humanidade continuará por salvar. Porque continuaremos a chamar política a certas degerescências que não concebem que o Estado está acima do cidadão, mas que o homem está sempre acima do Estado.

 

Imaginei que, nos próximos cinquenta anos, voltarão os velhos cavaleiros do Apocalipse, como a fome, a peste e a guerra, mas que o homem de sempre, depois da queda, levantar-se-á e continuará a lei Platão, Buda, Confúcio, Cristo, Maomé e Rousseau, não tanto nas letras que matam o espírito, mas nos livros de folhas brancas que foram escritos pela eternidade, por aquele conceito que nos deve fazer reconhecer que a poesia é mais verdadeira do que a história.

 

Quisemos ser anjos, em nome das utopias, mas acabámos por incrementar as bestas.Temo que as utopias nos trarão novos autoritarismos e novos totalitarismos, mas que a força do bem, a beleza de sempre e a eterna sabedoria nos continuarão a mobilizar. Mesmo em tempo de crise, haverá sempre a “spera”, a “sphera” e a “sperança”, conforme a divida da armilar que D. João II deu ao futuro D. Manuel. Tentei apenas exprimir as minhas crenças e as minhas concepções do mundo e da vida, dessa procura do universal pela diferença. Esquecemos os homens como eles são e caímos na estreita perspectiva das ideologias, dos cientismos e da utopias, porque só a partir da humildade de nos reconhecermos como imperfeitos é que poderemos caminhar para a perfeição, atendendo mais às acções dos homens do que às rescpectivas intenções, construtivistas ou planeamentistas.

Comments are closed.