Minuto a minuto, chegam mais novas de Roma, antecipando-se os últimos minutos de vida terrena de quem tão intensamente marcou o ritmo do mundo, no último quarto de século. De quem ajudou a derrubar alguns muros da vergonha que dividiam os homens. De quem semeou os encontros de Assis. De quem amou Portugal. João Paulo II, presente. Para sempre. Sempre que haja homens de boa vontade. Pena que haja certos católicos que, nestes domínios, são bem menos papistas que o próprio Papa. Desses que nos querem manter enclausurados em fantasmas e preconceitos, acirrando denunciações, inquisições e guerras santas. Desses que chamam transcendente a certos clubes fechados, com reservado privilégio de seitas, plenas de eclesiásticos censores que, exibindo o carimbo do “nihil obstat”, apenas sabem brandir o punhal vingativo da excomunhão. Como se o transcendente e a própria fé no mais além pudessem ser o falso espírito desses pobres de espírito que, confundindo os nomes com as coisas nomeadas, se diluem como rebanho nos colectivismos morais. Dos que consideram a dissidência, a heterodoxia, a autonomia e o pensamento livre como heresia a martelar pela vozearia das multidões vingativas. E há sempre as penas compradas dos escribas e intelectuários e toda essa fauna dos opíparos convidados para as jantaradas dos falsos convivas do comemorativismo dos vencedores. Mas eles não sabem, coitados, que, sem aquela humildade da sabedoria, vencer é quase sempre ser vencido, porque o vencedor, um quarto de hora antes de ser derrotado, ainda exibe a pose do vencedor, com os tiques e arrebiques dos caricaturais donos do poder. E tudo porque confunde a ilusão de ser chefe com o estado de coisas que lhe dá o monopólio da palavra. Porque, tal como acontece com os primitivos actuais, também aqui, o chefe é aquele que discursa. Melhor: aquele que controla a sonoplastia e que liga e desliga o microfone dos Papagaios que vão telejornalando e comiciando. Como se um “soundbyte” pudesse ser discurso. Como se a palavra fora da corrente do “logos”, pudesse existir, assim livre do contexto, assim desprendida do Texto. Tal como o tal discurso, ou “logos”, se tem de enraizar numa “paideia”, para poder ter sentido comunitário. Para que a palavra possa ter sentido, ela tem que nascer de novo, todos os dias, refazendo-se pela pureza primordial dessas nascentes de águas vivas a que podemos dar o nome de pátria. Onde a pátria maior tem que brotar da congregação federadora das muitas pequenas pátrias. E onde cada pátria maior não pode enclausurar-se em chauvinismos, soberanismos e outras umbiguices, antes se exigindo que procure o universal, nessa brasa feita fogueira de crenças que nos dês sentido armilar, que nos faça sinal de uma super-nação futura a que podemos dar o nome de república universal.
Abr
01