Abr 15

Todos os regimes se gastam pelo uso e se prostituem pelo abuso

Todos os regimes se gastam pelo uso e se prostituem pelo abuso, isto é, degeneram, tanto pela erosão do tempo como pelo abuso do poder. As democracias, onde, dizem, mandam todos para o bem de todos, podem passar a oligarquias, isto é, onde mandam poucos, para o bem deles próprios, e onde também os poucos da minoria mandante não são os melhores, mas os mais ricos, para que, finalmente, chegue o poder de um só. Eis um dos princípios clássicos da política, já descritos por Platão e por Aristóteles há vinte e cinco séculos e que, tão ingenuamente, tem enredado o nosso regime. Porque muitos não reparam que já lá vão cerca de trinta anos, que já estamos a dez do recorde atingido pela Salazar quia, e com o dobro do tempo da I República. Se fizéssemos a comparação com o salazarismo, veríamos que trinta anos depois da subida ao poder de Salazar , tinha-se chegado ao ano de 1958, quando a oposição conseguiu driblar o Estado Novo ao candidatar o general Humberto Delgado, um antigo entusiasta do salazarismo que baralhou de tal maneira o regime que este temeu o chamado golpe de Estado constitucional e teve que acabar com o modelo de eleição do presidente da república por sufrágio universal e directo, uma das marcas que dava alguma legitimidade plebiscitária ao autoritarismo. Trinta anos de vida política dentro do mesmo estilo produziram, naturalmente, inevitáveis micro-autoritarismos em vários segmentos da gestão democrática, em autarquias, regiões autónomas, secções locais, concelhias e distritais de partidos, escolas e outras zonas ditas de gestão democrática, onde as eleições deixaram de ser justas, livres e competitivas, porque acabaram as condições de igualdade de oportunidades, dado que os que escolhem podem ser os escolhidos pelo mandador vigente, especialmente quando os colégios eleitorais são restritos a uma elite que não é a dos melhores, mas a dos seleccionados. Não falta até o recurso à inscrição multitudinária do “Lumpenproletariat” nalguns partidos de direita, em troca da oferta de uma casa camarária e com a militância destacada dos comes e bebes, com autocarros para comícios e muitas palmas “à santinha da nossa senhora drª”. Se querem efectiva limitação de mandatos, comecem por limitá-los no interior dos vossos próprios partidos, nas vossas secções que escolhem ou condicionam os deputados, os autarcas, os líderes distritais e nacionais. Porque é, de facto, caricato que sejam os “bonzos” produzidos por estas águas chocas que agora clamam pela transparência (“glasnot”) e pela reestruturação (“perestroika”). Quando os nossos máximos dirigentes políticos são os sargentos verbeteiros da nomenclatura, os jovens escolhidos pelos dinossauros para que tudo fique como dantes, sem o quartel-general em Abrantes, vale mais continuarmos a ler as pequenas notícias dos grandes jornais regionais e locais que não precisam de assinatura para a eles acedermos na Internet. A proposta de reforma em causa é, afinal, uma declaração oficial de degenerescência do regime, onde a democracia não tem gerado a necessária meritocracia, marcada que está pelo clientelismo, pelo nepotismo, pelo amiguismo e pelo “salve-se quem puder”, onde, muito pulhiticamente, mandam mais os fiéis de certos pretensos carismáticos e os muitos dependentes do actual neofeudalismo, marcado pela gestão científica da velha “cunha “.