Se julgo ter cumprido o meu dever de resistência e se, por parte da blogosfera, senti que existe ainda a fibra da solidariedade, não posso deixar de assinalar que um “big brother” endogâmico continua a autoreproduzir-se em concentracionarismo.
Independentemente da minha ligação ao caso, verifiquei que, numa secção de uma universidade pública, prenhe em guerrazinhas de homenzinhos, um qualquer burocrata, invocando a renovação gráfica e de conteúdos propagandísticos do “site” institucional, decidiu eliminar do servidor público onde o dito se aloja, um manancial de dados, subsidiado com os dinheiros públicos da FCT, produzindo um apagão de cerca de 183 MB, isto é, de doze mil ficheiros que tinham até agora mais de uma dezena de milhar de citações nos principais motores de pesquisa, que até constam de programas oficiais do próprio ministério educativo que com tanto salto tecnológico fica assim à mercê lógica de vão de escada, tal como outros e variados portais…
O acervo, começado a construir em 2000 e já depois de ter deixado de poder receber actualizações a partir de 2003, tem sido considerado um dos melhores e mais completos repositórios de dados políticos sobre o século XIX e XX portugueses (aliás, basta comparar com os projectos concorrentes, para verificarmos como a coisa até foi baratinha e deixou algum rasto…). Os testemunhos em inúmeros portais e obras científicas, bem como as qualificações de eminentes especialistas e revistas da especialidade são inequívocos. Verifica-se agora que o apagão, sem qualquer cuidado nem quanto a redireccionamentos, foi objecto de negligente gestão ou, o que seria mais grave, de dolosa violação dos princípios constitucionais de aplicação directa quanto à protecção da liberdade académica e do direito à memória.
Tudo aconteceu pela calada das férias e não parece que a desculpa de eventuais quebras de “links” sejam satisfatórias, depois da vigorosa reacção da blogosfera. Nota-se, objectivamente, que os serviços ditos públicos, principalmente de universidades ditas públicas, não podem apagar de um servidor público essa referência, mesmo que se desculpem com a ileteracia informática ou com os serviços a entidades empresariais de vão de escada ou a agentes pagos a recibos verdes.
O nome “utl” (Universidade Técnica de Lisboa) e o nome “pt” não podem carimbar graves erros técnicos ou dolosas violações da Constituição. Exige-se a imediata reposição da ofensa à liberdade e que os poderes públicos responsáveis pela aplicação das leis constitucionais sobre a liberdade de aprender e ensinar garantam um sistema de protecção de dados e do património cultural, principalmente pela manutenção em rede destes investimentos culturais. O pedido de desculpas ou a promessa de mais um inquérito não passam de argumentos esfarrapadas perante a ofensa praticada ao próprio nome da escola em causa.
Comuniquei a circunstância ao garante simbólico dos princípios académicos. Do alto da sua autonomia, nada disse. Terei de tirar as conclusões e, naturalmente, pedir novos sítios para o exercício da ideia de universidade. Nomeadamente, para um qualquer servidor que não tenha destas negligências ou destes dolosidades, onde os homens do poder brincam aos despachos do regulamentarismo kafkiano, á boa maneira do velho Pôncio, o tal que não mandou parar a guilhotina nem as remessas para os gulagues…
Serve-me de consolo o que, antes disto, foi referenciado por José Pacheco Pereira: Uma parte importante do “conteúdo” da Rede é feita por trabalhadores dedicados e incansáveis. Eles trabalham para nós, por gosto, por entusiasmo, porque têm interesses e curiosidades muito vivas, que querem transmitir, que colocam ao serviço de todos. Duvido, – não, tenho a certeza – , que não tiram daí quase nada, nem vantagens académicas, nem vantagens materiais, e, num país distraído de tudo e demasiado entretido com ninharias, escasso prestígio intelectual, cultural e social. Mas o seu entusiasmo é compulsivo e, de local em local, de plataforma em plataforma, eles fazem o seu trabalho de amador, no verdadeiro sentido da palavra. Um exemplo é o trabalho na Rede de José Adelino Maltez com o Cosmopolis e a Biografia do Pensamento Político.
Reforça-me a crença na ideia de universidade o que testemunhou um meu antigo professor, por acaso meu adversário no combate de ideias, Vital Moreira: Mandarinatos: quando a autonomia universitária medra em ambientes nocivos e é instrumentalizada por medíocres actores, geram-se estes mandarinatos universitários, autoritários, ressentidos, censórios e irresponsáveis.
Não posso deixar de salientar outra postura, a de Antóno Balbino Caldeira, que, aliás, em certas posições, aqui tenho criticado. Obrigado! Mas outros e variados têm sido os actos de solidariedade: Prosas Vadias, O Meu Quinhão de Tela, Pleitos e Apostilas, Cartas para Sakhalin, Nuno Zimas no “Arrastão”, o Eugénio de Almeida, o André Azevedo Alves, o António Manuel Venda, A Ilha dos Amores, o Tomar Partido
Até fiquei a saber, por manchete do Notícias Lusófonas, que o CEPP era de leitura obrigatória em Luanda, na Universidade Agostinho Neto e na Universidade Lusíada e fazia parte da bibliografia dos programas oficiais do ministério educativo…brasileiro.
Como o António Balbino disse: este post custa-me mais a escrever. Mas tem de sair. Custa-me mais, que a escrita custa sempre – além do atrito dos dedos sobre as novas canetas, que são os teclados, ou sobre as velhas canetas de aparo, esfera ou feltro, há o atrito psicológico da procura da substância e da melhor forma e a avaliação do impacto pessoal e comunitário do que se comunica – porque respeita à escola, o ISCSP, que ainda considero como minha, porque aí fiz a licenciatura, ainda no palácio Burnay da rua da Junqueira.
Informou no dia 17-8-2007, o Prof. Doutor José Adelino Maltez no seu blogue Sobre o Tempo que Passa, que foi apagado o arquivo do Centro de Estudos do Pensamento Político (CEPP) do sítio na Internet do ISCSP, escola da Universidade Técnica de Lisboa (estatal) onde lecciona. Num país com um atraso de instrução ainda maior do que o atraso económico, com grandes carências de publicação cultural e científica, que sentido faz apagar um acervo justamente considerado o melhor sobre a Ciência Política em Portugal, e nomeadamente sobre a cronologia do pensamento político em Portugal, e disponível em linha? É certo que o arquivo continua acessível num sítio – Respublica – criado e mantido pelo próprio Prof. Doutor José Adelino Maltez, mas este apagamento parece mais um exemplo da moda do autoritarismo de Estado que a democracia e o povo sofrem.
Não transcrevo os elogios, tal como não desvendo os círculos de confiança das relações interpessoais. Também não repito os gritos de revolta. Apenas sublinho alguns comentários dos muitos que estão “on line”: “Há dois tipos de pessoas no mundo: as que se elevam e as que se inclinam”. “Infelizmente a inveja é uma das características negativas do português, especialmente contra quem tem o ‘mau’ hábito de escrever factos, coisa essa que politicamente traz facilmente inimizades. Não espanta que tivessem apagado o arquivo. Eu, que o consultei tantas vezes, adimiro-me apenas que em vez de o terem apagado não o tivessem mutilidado ou abastardado.
Repito o que disse, sobre a matéria em 2003: Em nome de uma missão de verdade, continuarei, portanto, solitário. Sem desistir. A cumprir aquilo que penso ser o meu dever: disponibilizar as fichas de um projecto que já existia antes de haver CEPP e financiamento da FCT. A tentar prestar um serviço à comunidade. Jamais voltarei a pedir esmola, dado que a dignidade individual de um professor catedrático não pode estar sujeita às torturas e tonturas de uma infra-burocracia. E mais não digo, porque o ISCSP é a minha escola. Até sempre. Com muita revolta…
Apenas concluo com o grito de revolta que remeti à simbólica figura da máquina estatal que, através da imagem de Dali, reproduzi em cima: Venho, por este meio, solicitar …. formal audiência. Não para relatar mais uma das habituais guerrazinhas de homenzinhos dos conselhos científicos e das assembleias de representantes, mas para lhe dar conta de uma simples ocorrência. Desde o começo do milénio (mais propriamente a partir de Abril de 2000) houve um pequeno projecto subsidiado pela FCT que tornava disponível em http://www.iscsp.utl.pt/ceppp um certo manancial de informação científica. Uma coisita com cerca de 183 MB (182.246.466 bytes) que teve meio milhão de consultas para 12 000 ficheiros que colocavam a UTL e o ISCSP em qualquer motor de busca. Terei todo o prazer de lhe fornecer o relatório FCT de execução material do projecto e as inúmeras referências científicas de um esforço de investigação aplicada que coordenei, com a ajuda de dois simples alunos das então licenciaturas. A coisa naturalmente ficou sem actualização desde que não quiseram manter a colaboração de dois simples monitores. Mas a mesma coisa sempre esteve em arquivo pouco morto, dado que atingir um “ranking” de mil consultas diárias neste novo ramo da divulgação ainda é um bem escasso. Eis senão quando, em pleno Agosto, pela calada das férias, os arquivos desapareceram . Não digo do portal que o pode sanear, conforme os critérios editoriais de um qualquer chefe de repartição, coisa que admito. Desapareceram, pura e simplesmente, dos arquivos de consulta pública. Não comento a gravidade desse vazio. Outros a poderão qualificar. Apenas registo e peço que o nome “UTL” e o nome “PT” avaliem os estragos e garantam a liberdade de ensinar e aprender. Solicito, portanto, audiência formal a quem é simbolicamente o garante destes princípios constitucionais de aplicação directa…