A pior coisa deste governo é o programa de Catroga. Felizmente não é já para cumprir.
Posso não ser desta direita, mas os preconceitos de esquerda que consideravam a tal direita como burrinha de todo, acabam de ser desmentidos pelos factos nomeativos. É uma boa chicotada que a todos nos ajuda, para que se construam alternativas melhores. A leal concorrência costuma ser boa conselheira.
Este governo tem gente que pensa, desde o autor de “Diário de um Deus criacionista” ao melhor dos nossos gestores literários, não esquecendo Crato e experimentados eurocratas e académicos, incrustados numa hierarquia de tarimbeiros partidocráticos e com habituados comunicadores televisivos. A maioria do eleitorado que os sufragou merece que a experiência resulte. É o que observo da outra margem das ideias.
Passos, como seleccionador, foi surpreendente porque não cedeu às pressões dos meandros comentadeiros. Portas jogou da mesma maneira. E, finalmente, há uma renovação geracional, apostando no tudo ou no seu nada. O que é de saudar, mesmo quando se intui que temos outras perspectivas valorativas, isto é, de crenças, valores e princípios.
A partir deste governo, há finalmente espaço para a construção de uma teoria e de uma prática liberais que não têm de confundir-se com o anti-socialismo nem com os doutorados feitos nas mecas anglo-americanas e os activistas da gestão bancoburocrática e das forças vivas que a circundam… Que alívio para um liberal esta mistura de sociais-democratas com sociais-cristãos que vai marcar o situacionismo!
As ideologias são dos homens e das suas circunstâncias. Que o diga um dos ministros ex-activista do Grito do Povo e do respectivo marxismo-leninismo-maoísmo, agora adorada criatura desta burguesia!
Há, nos ministros CDS, quem tenha vindo da JSD e dos PSD, quem tenha vindo da UEC e da JS. Todo o mundo é feito de mudança…
Há ministros que têm a minha admiração ou simpatia pessoal. Paradoxalmente, os dois do CDS, à excepção de Portas. A dupla da economia e finanças, tem a minha total neutralidade axiológica. Os gestionários, à Paulo Macedo, a minha desconfiança. O Viegas, o sentido respeito pelo valor. Do Crato, já o escrevi, em mundivivência antipositivista. Dos politiqueiros laranjas, a necessária distância.
Fica! São precisos tarimbeiros, como se dizia no século XIX
Já temos a lista dos ministeriáveis. Os principais têm a vantagem do não-cinzentismo, até porque falaram forte. E quase todos não são do cavaquismo e do barrosismo. Até os do CDS são neoportistas. Nenhum deles representa a minha concepção do mundo e da vida, mas dou-lhes uma expectativa benévola, pelo risco assumido de um novo ciclo, claramente passista.
A confiança conquista-se, não se herda.
Segundo as indiscrições, vamos ter o governo mais africanista da nossa história, com muitos jovens e bébés da geração retornada. E assim se pode marcar a faceta efectivamente pós-revolucionária da democracia.
Faz ao teu adversário o que gostarias que ele te fizesse a ti. Em democracia não há inimigos, apenas adversários. E ai da democracia no caso de desaparecerem os lugares comuns (topoi em grego, loci em latim), através dos quais se faz o diálogo. Os inimigos não dialogam, fazem jogo de soma zero. Obrigado, Sócrates. Obrigado, Passos.
Vem aí governo, antes do piquenicão na Avenida da Liberdade e da eleição da segunda figura de Estado, com as indigestões do costume. Usem sais de fruto, ou ultralevure…
des�u 0�p� a que chegamos, com outras Câmaras vizinhas, atinja o nível de um governo regional.
Eu acho inadmissível não termos suficiente força, nós que somos mais que os Açores e que a Madeira, para termos uma voz política equivalente à dos governos regionais, que eu não critico, é uma boa conquista e é uma forma de os povos poderem falar. Sem este dividir para unificar, sem a consciência de percebermos que Lisboa é ao mesmo tempo grande de mais para os pequenos problemas da vizinhança e da participação, e pequena de mais para uma voz nacional que é preciso ter, nós não conseguimos mudar. Para isso, o maior inimigo chama-se Direito Administrativo e Códigos Administrativos.
Quer dizer, nós ainda estamos ensarilhados entre o Costa Cabral e o Código do Marcelo Caetano que ainda está em vigor nalguns segmentos. E na mentalidade de Direito Administrativo, qualquer tipo que fuja da mentalidade de Direito Administrativo diria o Direito Administrativo é uma invenção do absolutismo, e tratar do Estadão com matérias do Direito Administrativo, só se for para aumentar as avenças dos professores do Direito Administrativo. 38
Não é por aí, é recuperando um verbo mais antigo e mais libertador que sempre houve em Portugal, é retomando o espírito de resistência que fez Portugal “A dos Ventres ao Sol no Cerco de Lisboa”, é retomando, talvez, um conceito vizinho.
E agora permitam-me um certo lirismo: o primeiro tratado de política escrito em português, e que, infelizmente, não tem feito curso nos manuais escolares, de um tal Infante D. Pedro, o “Tratado da Virtuosa Benfeitoria”, que só o conhecemos por causa da República, foi a Biblioteca Pública do Porto que o editou, “A Semente do Sampaio Bruno”, que não era bem visto por alguns, por acaso não foi recentemente homenageado nestas comemorações o Sampaio Bruno, o Infante D. Pedro tem lá uma história muito parecida com esta de Aristóteles.
Quando ele tentou definir a República, já usava o termo e era bonito, e definia-a como a comunidade do príncipe e da sua terra, tem lá uma expressão que é a mais profunda que eu encontrei até hoje para definir a República: “É um concelho em ponto grande”. A República é vista como um concelho em ponto grande, como uma federação de aldeias em torno da Acrópole, e nós temos que perceber que não há Lisboa sem alma, não estou a dizer que é a Sé de Lisboa, é a Nação, é a Pátria que é a região secular nova, e é a agregação dos vizinhos no regime de assembleia.
Sem esta visão da República como um concelho em ponto grande, nós não conseguiremos reformar Lisboa. Sem sermos vizinhos, sem percebermos até, permitam-me agora uma ousadia um bocado lírica, que Lisboa é uma comunidade de subscrição aldeã. Um bom lisboeta o que é? Um bom lisboeta é um dúplice, é um tipo que tanto é do Bairro de Alfama como ao fim-de-semana quer a sua santa terrinha, tem saudades da Beira, e até chama ao rio, como diria o Pessoa, o rio que passa na minha aldeia, que é o Tejo, e até gosta de hortas. Quer dizer, o segredo de Lisboa é a Cidade feita por subscrição nacional, está aqui o meu Mestre, e para tantos de nós, o Gonçalo, que nos ensinou perfeitamente que há aqui também uma subscrição aldeã. Há uma alma nestas reformas todas, e isto não funcionará se não houver alma.
Segundo, isto não funcionará se não houver atitude de conspiração política. Se o Presidente de Lisboa não federar as cabeças do primeiro banco em Cortes, como no tempo do Febo Moniz, quer dizer as Cortes não reuniam mas havia ali as cidades do primeiro banco, e julgo que estamos a fazer isso, se não houver uma conspiração de Câmaras Municipais que estão, pela primeira vez na história, potencialmente unidas na destruição do Código Administrativo de Marcelo Caetano e de Costa Cabral, na liquidação do Estadão do Marquês, do Fontes Pereira de Melo, do Afonso Costa e do Salazar. Se nós não aproveitarmos aquilo que construímos nestes últimos 30 anos, que foi uma revolução autárquica, uma revolução regional, isto não estava nos programas, às vezes as coisas importantes, não é a história que faz os homens, são os homens que fazem a história, mas sem saberem que história vão fazendo.
Nós, trinta anos depois, talvez seja conveniente reparar que fizemos história, a nossa geração fez história e chegou a altura de perceber que história foi fazendo. Não estava nos programas, o melhor nunca está nos programas, o melhor está na acção dos homens e não nos pré-conceitos programáticos que os homens fazem. 39
Nós temos esta boa herança, e esta boa herança, respeitando as coisas, oh Prof. Mateus eu quase lhe dava uma sugestão, quer dizer essas nove coisas que inventa, se não estragarem as freguesias históricas e se passarem a lojas municipais de cidadãos, quer dizer a máquina das certidões para que a gente vai à Junta, isto pode ser uma loja municipal do cidadão e podemos eliminar todos ao gastos administrativos e dar mais participação às pessoas, mantendo as freguesias históricas para aquilo que elas nasceram: política. Amor comunitário, federação, participação simbólica na Assembleia Municipal.
Eu chamo só a atenção, e com isto acabo, glorioso Passos Manuel, uma das figuras que mais me inspira, quando fez as tais reformas liberais cometeu um erro fatal. Ainda hoje eu guardo a bandeira do meu município extinto. O Herculano reagiu contra isso, estava do outro lado, quer dizer nós não podemos fazer reformas abstractas, isso é a continuação do pombalismo. Não é preciso mexer nas autonomias como castelo para criar nove lojas administrativas municipais com muito mais eficácia.
Isso é um problema de sapiência e é um problema de distinguir os objectivos: uma coisa é política, outra coisa são gastos, taxas, funcionários. Coitados dos Presidentes de Junta têm que aturar as certidões por causa das uniões de facto. “Quantas testemunhas trás V. Exa.?” Quer dizer, isso não é uma freguesia histórica, não é isso. E talvez inventar mais municípios em Lisboa! Isso sim, mas devagarinho. Hoje qualquer mega-cidade da nossa dimensão por toda a Europa não está no tempo em que se traduziu o Código Administrativo do Costa Cabral nem do Marcelo Caetano, está um bocadinho mais evoluída em participação.
Lisboa espera uma bela reforma disto, e acho que todos, a partir do que aqui foi lançado, podemos criar um forte grupo de pressão nacional, para não admitir a manutenção do elemento estático, isto é dos Códigos Administrativos. Já estamos fartos de Códigos Administrativos.
Muito obrigado.