Farpas

 

Quando a sociologia mais conservadora do eleitoral demonstrou não ter medo do programa de mudança de Passos Coelho e não sufragou os reflexos condicionados de medo, emitidos em exagero pela propaganda socrática, os principais agentes políticos cá da república não podem agora apenas conservar o que está do lado daquela direita dos interesses, tradicionalmente viracacaquista!

 

O PSD tem a arriscada missão de liderar a pós-revolução e tem de o fazer, em aliança com o CDS, através de um pacto de regime com o novo-velho Partido Socialista. O programa de consenso está nos discursos de Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva, no passado 25 de Abril. E tudo deveria estar firmado para ser anunciado em 10 de Junho!

Apenas não posso dar os parabéns aos bloquistas que têm de reconhecer o PS, mais uma vez, como o grande reciclador da esquerda revolucionária e o PCP como a pedra firme de uma certa religião laica.

Tudo como dantes. A habitual palha de Abrantes. Isto é, o centrão sociológico que abandonou o PS e se passou para o PSD, como dantes se tinha passado do PSD para o PS. E com o Bloco de Esquerda a entrar em ritmo de “pê-erre-dização”…

Maioria absoluta em Portugal para o Partido Popular Europeu. Apesar dos esforços da Senhora Merkl no apoio à secção portuguesa dos socialistas europeus. Até nos pepinos ibéricos que, afinal, eram rebentos germânicos de soja.

 

Lá se foi a noite eleitoral. Com vitória formal da abstenção. Isto é, fomos derrotados. Desejo boa sorte para que da próxima vez possamos mesmo escolher um programa de governo pela via eleitoral, quando restaurarmos os mínimos de independência nacional. Até lá, protectorado, como disse um dos futuros parceiros da coligação.

A abstenção pode significar uma atitude de superior desprezo, em protesto contra a usurpação da democracia por um “l’État c’est lui” de uma oligarquia.

Quem cala (eleitoralmente) tanto pode consentir como nada dizer (quis tacet nihil dicit). De qualquer maneira, há movimentos e partidos que podem assumir-se como vozes tribunícias, promovendo um esforço de integração no sistema dos marginais ou excluídos.

A democracia abrileira conseguiu ser a mais inclusiva das três que tivemos, desde que em finais de 1979 os marginais conquistaram o poder evitando o sonho de mexicanização. Superou-se o modelo de clausura do partido sistema (PRP, contemporâneo do PRI), ou do rotativismo devorista (equivale ao bloco central onde o PSD se assemelha aos regeneradores e o PS aos progressistas).

O indiferentismo é inversamente proporcinal à rebelião das massas

A presente democracia representativa tem as canalizações representativas enferrujadas. Mesmo que assente na vontade de todos, não assume a vontade geral porque cada um decide pensando nos seus próprios interesses (sondajocracia) e não assumindo-se como o soberano pensando no interesse do todo.

Há uma deseducação cívica e funciona a nostalgia, imaginando-se a democracia directa do vanguardismo do PREC.

Porque as democracias representativas políticas costumam ser compensadas pela democracia da sociedade civil, do consociativismo. O que não é possível num país submetido ao rolo unidimensionalizador do verticalismo ministerialista, centralizado, concentracionário e capitaleiro.

Uma democracia não se mede pelo vértice do hierarquismo e pelo sistema eleitoral que o eleva ao estadão, mas pela qualidade da cidadania e pela principal expressão desta que é o controlo do poder

O jacobinismo, herdeiro dos pombalismos, ao destruir as autonomias e o pluralismo, perseguiu a sociedade de ordens

Távoras, Jesuítas e Trafaria

Permitiu que o rolo unidimensionalizador das revoluções erigisse as estátuas aos déspotas que cortam o horizonte das avenidas da Liberdade

O pacto de associação é superior ao direito de associação

 

A ERA PÓS-SOCRÁTICA

por José Adelino Maltez

Depois de já estarem todas escritas as frases que comentaram as sondagens, teremos agora de concluir que os programas eleitorais já foram todos escritos e que apenas nos falta um governo capaz de pilotar o futuro, depois de devidamente “troikado”. Com efeito, mais de 90% da programação da governança já está pré-definida, enquanto os primeiros resultados analíticos demonstram a incapacidade que as sondagens tiveram quando não conseguiram medir o nível das abstenções. Por outras palavras, estas eleições não tiveram o ritmo de mobilização heróico, nomeadamente das eleições para a Assembleia Constituinte de 25 de Abril de 1975… O povão não sentiu a “pátria em perigo” e não se mostrou disposto a passar um cheque em branco ao sistema. Por outras palavras, o normal continua a ser o haver destes anormais. O chamado derrotado, o PS, para além da tradicional cura de oposição, está condenado a entrar na era pós-socrática e a encontrar uma liderança de transição com a tralha aparelhística, numa co-optação com o modelo da troika, por ele negociado. Por outras palavras, há o risco de uma certa clausura auto-reprodutiva, onde dominarão factores de poder que já não são maioritariamente domésticos, ou intra-nacionais, com a consequente gestão de dependências e inevitáveis manobras de navegação na interdependência, sobretudo na política europeia e na sucessão de acasos da geofinança. A democracia não pode ser um jogo de soma zero, mas um jogo mobilizador, de soma variável, com lideranças regeneradoras e congregadoras. Tenho esperança.

 

Depois deste breve intervalo urneiro, onde a ilusão de soberania residiu em a nação, conforme as palavras constitucionais de 1822, confirmou-se que o presidente Cavaco não perdeu as eleições. Pena, terem demorado tanto tempo a realizar-se. Infelizmente, o que estará em cima, na governação e na necessidade de acordos parlamentares para o aprofundamento maioritário, pode ser mera consequência do paralelograma de forças deste arquipélago de sub-situacionismos, onde reside a capilaridade social dos grandes partidos sistémicos, integrados nas principais multinacionais partidárias da Europa. Mas o brio nacional que, apesar de difuso, ainda é a principal chama desta encruzilhada, exige que, depois da liderança de pretensos homens de génio, em sucedâneos messiânicos, se entre num novo ciclo de liderança de homens comuns, capazes de organização colectiva do trabalho nacional. Por outras palavras, o regresso ao ciclo da governança dita de direita, impõe um estilo centrista, liberto do centrão mole e difuso dos blocos centrais da partidocracia e do mero consenso de interesses. De outra maneira, poderemos pedir desculpa por essa interrupção, dado que o mais do mesmo continuará dentro de momentos. Mas há, de certeza, homens de bem na meritocracia de Portugal que vão fazer pontes e talvez haja efectivas promessas de cooperação, para que a aritmética parlamentar se transforme numa maioria social. Nem que seja um acordo sobre o que estão em desacordo, com cláusulas condicionais de cooperação. Porque só é novo aquilo que se esqueceu. E só há o verdadeiro fora do tempo. Mesmo que, normalmente, tenha razão antes do tempo.

José Adelino Maltez

 

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